segunda-feira, agosto 25, 2008

POR QUE O OCIDENTE É SUPERIOR


Caricatura de Maomé em jornal dinamarquês: em nome do "multiculturalismo", muitos "defensores da tolerância" optaram pela censura - a serviço do fanatismo


Não sei quanto a quem lê estas linhas, mas eu me lembro exatamente onde eu estava na manhã de 11 de setembro de 2001, quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas em Nova York: na Universidade, assistindo a uma palestra. O palestrante era um conhecido professor, um medalhão da intelligentsia nacional, obviamente de esquerda e bastante crítico do capitalismo e dos EUA. O tema, se não me engano, era globalização. Fazia uma hora mais ou menos que o catedrático discorria sobre o fenômeno, em seus vários aspectos - econômico, político, cultural -, sempre com um viés negativo (adorava falar sobre "os males da globalização", como sinônimo - claro - do imperialismo norte-americano, inimigo da soberania dos povos e das culturas nacionais...). Foi então que, subitamente, uma assistente do professor pediu o microfone e avisou a todos, em tom bastante grave, que algo muito sério acabara de acontecer nos EUA. "Notícias da globalização", foi como ela anunciou o que hoje todos sabemos que aconteceu...

Lembro também das especulações que surgiram nos dias seguintes. Pelo menos na Universidade, a tese preferida de muitas pessoas - ouso dizer, da maioria -, naqueles dias, era de que o ataque não fora obra de nenhum grupo radical islâmico, como a Al-Qaeda, mas dos serviços secretos norte-americanos, a CIA, ou mesmo o Mossad israelense. Um dos maiores luminares da esquerda nacional, o economista Celso Furtado, escreveu, pouco antes de morrer, um artigo defendendo explicitamente essa tese. Um de meus professores do mestrado também acreditava piamente nessa teoria conspiratória e passou uma tarde tentando me convencer que o atentado fora engendrado não em algum rincão esquecido do Oriente Médio, mas nos porões da Casa Branca. Culpa da globalização, enfim. Foi preciso algum tempo até que os autores dos ataques fossem conhecidos. Mas, mesmo assim, o Blame America first continuou seu trabalho. Em artigo inesquecível, o ex-frei Leonardo Boff demonstrou toda sua piedade cristã e visão humanista, ao escrever que esperava que não dois, mas vinte e cinco (!) aviões atingissem as Torres Gêmeas... Afinal, era tudo culpa da globalização, lembram-se?

Posso dizer que, desde então, muitas das teses que eu acalentei durante anos foram por água abaixo. De fato, para mim, o 11 de setembro foi um verdadeiro turning point. Em especial o antiamericanismo, que eu já começara a questionar, embora timidamente, esvaiu-se por completo, juntamente com as dezenas de e-mails de júbilo pela morte de quase 3 mil pessoas, e que entupiram minha caixa de correio eletrônico após os ataques. Mais que isso, à medida que eu analisava os argumentos utilizados pelos críticos dos EUA para justificar os atentados - os americanos "estavam colhendo o que plantaram", o terrorismo de Bin Laden era um caso de "criatura se voltando contra o criador" etc. -, eu me convenci cada vez mais da fragilidade, para dizer o mínimo, do antiamericanismo. Descobri, então, que por trás de um discurso sistematicamente incubado por décadas, escondia-se uma terrível realidade, baseada na propaganda do genocídio e no ódio sem tréguas à própria idéia de civilização. Um discurso que, hoje, infelizmente, é mais forte do que nunca.

Fui tomando consciência disso à medida que via a reação do mundo à resposta de Bush ao terrorismo islamita. Bush, claro, foi alvo de virulentas críticas por parte da frente ampla de inimigos da globalização, esquerdistas, simpatizantes de Bin Laden e pacifistas, para os quais os EUA são sempre o lado agressor, jamais a vítima. Estes se opuseram, com todas as forças, à ação militar contra o Talibã no Afeganistão e, mais tarde, contra o regime de Saddam Hussein no Iraque. Nas duas ocasiões, ao lado das imprecações a favor do multilateralismo e contra o imperialismo ianque e do apelo ao pacifismo - infelizmente, unilateral, pois não se dirigia a Bin Laden ou a Saddam -, ergueu-se a bandeira do "respeito às diferenças culturais" para se opor ao objetivo declarado da Casa Branca de depor as duas ditaduras e levar a democracia ao Oriente Médio.

Mais que isso: muitas vozes se ergueram contra a interpretação literal da obra de Samuel Huntington, O Choque de Civilizações - segundo a qual o mundo estaria imerso, desde o fim da Guerra Fria, num conflito de bases civilizacionais e religiosas -, pois consideravam essa tese preconceituosa contra o Islã. Apenas vozes isoladas, como a da jornalista italiana Oriana Fallaci - autora de um libelo apaixonado e explosivo - saíram em defesa aberta dos valores da civilização ocidental contra a barbárie islamita, pagando um alto preço por tamanha ousadia. Tentou-se, de todas as maneiras possíveis e imagináveis, retirar do conflito que se iniciava - e se prolonga nos dias atuais - qualquer conteúdo e significado civilizacional e religioso. Até mesmo Bush fez uma concessão ao pensamento politicamente correto, visitando uma mesquita na semana dos ataques em Nova York e Washington e batizando a luta que começava com a expressão neutra "guerra ao terror" - a qual, na prática, não quer dizer absolutamente nada, tendo o mesmo significado de "guerra à guerra".

Qual o denominador comum a todas as manifestações contrárias às intervenções norte-americanas em países como Afeganistão e Iraque? É a idéia de que a democracia, por ser um valor "ocidental", não pode ser "exportada" para esses países. Coisas como liberdade de expressão e direitos humanos, por conseguinte, não seriam objetivos comuns à humanidade, mas uma característica cultural do Ocidente, assim como o hip-hop e a Coca-Cola. Em nome da preservação da "diversidade cultural", portanto, seria necessário tolerar, e até aceitar, práticas que, aos olhos ocidentais, seriam reprováveis ou repulsivas, mas que fazem parte da paisagem local. Diante disso, a democracia seria um valor relativo, não universal. A esse discurso culturalmente relativista, muito caro a alguns antropólogos, e que se tornou uma espécie de dogma a partir dos anos 90, batizaram de multiculturalismo.

A idéia por trás da visão multiculturalista, segundo a qual o respeito à diversidade exige a relativização da democracia e dos direitos humanos, é uma falácia. Democracia e direitos humanos não são um simples dado cultural, como um prato típico ou uma vestimenta - são um princípio da civilização. Inversamente, a teocracia ou o totalitarismo não são alternativas à democracia e aos direitos humanos - são sua negação completa e radical.

Há tempos os multiculturalistas já ultrapassaram a linha tênue existente entre o respeito à diversidade e a justificação de práticas bárbaras e criminosas. O fascínio pelo "outro", defendido primeiramente por Montaigne e Rousseau, já degenerou há muito em justificação da barbárie. É isso o que demonstra a atitude relativista em relação ao terrorismo e às violações aos direitos humanos em países da Ásia e da África. Práticas como a mutilação genital de meninas e o infanticídio - ainda praticado em algumas tribos indígenas brasileiras, e tolerado e até defendido por alguns antropólogos tarados -, assim como o incesto e o canibalismo, são inaceitáveis, no mundo em que vivemos, não porque sejam algo estranho aos olhos ocidentais, eurocêntricos ou cristãos, mas porque seu banimento é um imperativo do respeito à dignidade humana e um alicerce da vida civilizada. Sem isso, recairíamos na barbárie mais completa, regressaríamos aos tempos das cavernas, deixaríamos a posição ereta e comeríamos carne crua. No limite, o discurso relativista pode ser utilizado - como de fato é - para justificar os atentados com homens-bomba de organizações terroristas islamitas como a Al-Qaeda e o Hizbollah, pois, afinal, faz parte do Islã acreditar na jihad - a guerra santa - e que a recompensa do martírio serão 72 virgens no Paraíso... Isso não tem nada a ver com respeito à diversidade, mas com fanatismo e demência.

O terrorismo islamita é o maior inimigo atual da humanidade, assim como o totalitarismo comunista ou fascista o foram no passado. E isso não porque Bush ou Rice disseram, mas porque a realidade trata de mostrar, todos os dias, que a democracia é superior a qualquer ideologia obscurantista e totalitária. Nenhum outro sistema político garante a liberdade humana. Há algumas semanas, uma manifestante interrompeu um discurso de Bush para chamá-lo de criminoso de guerra, enquanto outro fazia gestos obscenos e o mandava se foder. Alguém consegue vislumbrar cena parecida no Irã ou em Cuba?

O Ocidente é superior ao Oriente não porque o cristianismo seja uma religião melhor do que o Islã ou o budismo, ou porque a moral judaico-cristã seja intrinsecamente mais perfeita do que a moral muçulmana, hindu ou confucionista. Não. O Ocidente é superior porque foi nessa parte do Planeta que as idéias de liberdade e tolerância - inclusive, a liberdade religiosa - surgiram e se consolidaram, tornando-se, em alguns países, um dado da própria cultura. A democracia não é superior à tirania porque é ocidental, mas porque é uma conquista da civilização. Inclusive, foram essas idéias de liberdade e tolerância que estiveram na origem do salto técnico dado pela humanidade nos últimos quinhentos anos, proporcionado pela Reforma religiosa, pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial (e do qual os terroristas se utilizam, importando do Ocidente armas sofisticadas). De certo modo, há uma relação entre os ideais democráticos e a superioridade científica e tecnológica.

A guerra que se trava atualmente entre os EUA e seus inimigos não é uma "guerra ao terror", mas contra o terrorismo islamita e seus aliados. Tampouco é uma guerra entre civilizações, mas entre a civilização e a barbárie, entre a liberdade e a tirania, entre as luzes e o fanatismo, a democracia e a opressão. Essa luta hoje se verifica entre o Ocidente democrático e o terrorismo islamita, mas já foi travada, durante séculos, DENTRO da própria civilização ocidental, na forma da luta contra a Inquisição, o Absolutismo monárquico e, mais recentemente, os totalitarismos do século XX. E, de certa forma, continua sendo travada ainda hoje, na luta pela preservação das liberdades individuais contra qualquer tentativa de tutela ou censura governamental.

Enquanto a guerra ao terrorismo islamita for encarada em termos de "guerra ao terror", e não de defesa dos valores democráticos, e enquanto se colocar a questão em termos de choque civilizacional ou entre religiões, o combate aos inimigos da humanidade será uma disputa infrutífera. A questão não é civilizacional ou religiosa, mas de defesa das conquistas da civilização contra a barbárie, venha de onde vier.

É claro que, nessa luta, não se pode ignorar as óbvias diferenças entre a civilização ocidental, laica, democrática e tolerante, e a islâmica, predominantemente religiosa, autocrática e intolerante. Autores como Bernard Lewis já chamaram a atenção para esse fato, ao apontar que, em toda sua História, o Islã, ao contrário do cristianismo, jamais passou por algo parecido com a Reforma religiosa do século XVI ou com o Renascimento. Obviamente, isso não quer dizer que a cruz é superior ao crescente, ou que a Bíblia, e não o Corão, é a verdadeira Palavra de Deus. Deixo esse debate para os teólogos e religiosos. A verdadeira questão, aqui, é que em uma parte do planeta se estabeleceram as bases para a tolerância religiosa, e em outra, não. E que um Estado laico e secular é infinitamente superior a um Estado teocrático e religioso, seja ele muçulmano, católico ou protestante.

Daí porque a vitória sobre os terroristas islamitas é indissociável da necessidade de reforma no mundo islâmico - reforma democrática, e não "cristianização" ou "ocidentalização", como às vezes se coloca. Uma reforma que teve de ser imposta, nos casos do Afeganistão e do Iraque, na marra, e que não se completará até que o último país árabe ou muçulmano chegue, enfim, ao século XXI. Chamem a isso de imperialismo ou eurocentrismo, rotulem como uma reedição do colonialismo de séculos passados: não faz diferença. O que importa é que, como estão demonstrando aqueles dois países, a democracia, mesmo caótica e frágil, é mil vezes superior a qualquer tirania.

Além disso, a noção de que a democracia e os direitos humanos seriam estranhos à cultura local de povos exóticos encerra, contraditoriamente, uma visão preconceituosa, pois considera os povos árabes e muçulmanos, por exemplo, infensos à liberdade. Esta não é, ao contrário do mantra repetido nos últimos tempos, um valor do "Ocidente", pura e simplesmente, portanto sem aplicação universal. Pelo menos, não é o que demonstram os milhões de imigrantes asiáticos ou africanos que vivem hoje no Ocidente, fugindo da miséria a da falta de liberdade em seus países - e que, inclusive, no caso dos muçulmanos, costumam se segregar em comunidades fechadas, à margem da lei dos países que os acolhem, com o apoio dos arautos da "tolerância" e do "respeito à diversidade".
.
Essa não é a única contradição dos chamados multiculturalistas. O duplo padrão adotado no discurso anti-EUA e anti-Ocidente de autores como Tariq Ali e Edward Said é revelado facilmente por alguns fatos prosaicos. Esses senhores, em primeiro lugar, apresentam-se como os campeões da democracia e da liberdade de expressão, sem falar da separação entre a religião e o Estado, insurgindo-se contra qualquer sinal de repressão aos direitos individuais e das minorias nos países que escolheram para morar (EUA, Inglaterra etc.). Mas estão dispostos a tolerar, e até justificar, isso tudo em outros países. Paradoxalmente, os defensores da tolerância no Ocidente saíram em defesa do fundamentalismo islâmico, quando um jornal dinamarquês publicou recentemente algumas caricaturas consideradas ofensivas a Maomé. Não vi nenhum Noam Chomsky ou Tariq Ali postar-se ao lado da democracia e da liberdade de expressão contra essa manifestação explícita de intolerância e fanatismo religioso. Ou seja: defender a tolerância em Nova York ou Londres é fácil. Quero ver fazerem isso em Teerã ou em Damasco.

Esse tipo de atitude não pode ser creditado apenas a uma opção política. É uma questão, também, moral - ou melhor: amoral. Figuras como as acima citadas desfrutam das facilidades e conveniências da democracia em países como os EUA ao mesmo tempo em que as negam para outros povos de culturas e religiões diferentes. Usam, inclusive, o argumento da soberania - um conceito, curiosamente, ocidental - para defender o imobilismo em casos como o do genocídio em Darfur. A pergunta que fica é: trocariam a Big Apple ou Londres por Cabul ou Teerã?

O mesmo discurso esquerdista que anunciou os atentados de 11 de setembro de 2001 naquela palestra sete anos atrás - antiglobalização, antiamericano, antidemocracia e anti-direitos humanos - persiste hoje, na forma de justificação da barbárie terrorista e obscurantista sob o rótulo de "respeito à diversidade". Não se leva em conta que a democracia não é a antítese da diversidade, mas sua garante. É por ter consolidado em suas instituições esse princípio, que o Ocidente é superior.

O filósofo alemão Immanuel Kant definiu como um imperativo categórico moral o seguinte axioma: o que se deseja para si mesmo deve ser o que se deseja para todos, e vice-versa. Querer ser livre mas não desejar o mesmo para a sociedade - ou outros povos - não é apenas uma contradição lógica: é um defeito moral. É isso o que se esconde - ou se mostra - por trás do discurso relativista aplicado ao terrorismo e às ditaduras: cumplicidade com o terror e a barbárie, travestida de respeito ao "diferente". A justificação do fanatismo, em nome da tolerância. Um perfeito contra-senso.

Um comentário:

Stefano di Pastena disse...

Caro Gustavo

A disputa é ferrenha, mas para mim este foi um de seus melhores textos.

PARABÉNS!