Quanto à "lógica da Guerra Fria" ou "lógica de ameaças" a que se referiu a professora, o coronel (cujo nome, infelizmente, não retive) poderia ter dito mais. Poderia ter dito, por exemplo, que, por trás desse discurso aparentemente anódino, esconde-se um claro viés ideológico. A lógica da Guerra Fria se expressa, por exemplo, na forma da tentativa de revogar a Anistia a fim de punir apenas um dos lados - o dos militares, claro -, enquanto deixa de fora os terroristas de esquerda, que mataram, assaltaram e seqüestraram. Aliás, em todo o debate os que interpelaram o coronel não falaram em momento algum as palavras "terrorista" e "terrorismo". Já o coronel não se furtou em falar de tortura, lembrando, inclusive, que ela também foi praticada pela esquerda radical - e citou um caso específico, ocorrido na chamada guerrllha do Araguaia, em que um adolescente de 17 anos foi retalhado a facão pelos "guerrilheiros" na frente de sua família.
"A repressão foi uma opção dos militares", repetia a professora revanchista, como se isso invalidasse o fato de que a luta armada também foi uma escolha consciente da esquerda radical, que desejava derrubar o governo para instalar, em seu lugar, uma ditadura comunista (e isso, como bem lembrou o coronel, antes já de 1964). "Os militares têm que pedir desculpas", insistia - como se a corporação militar como um todo, que saiu do regime extremamente bem avaliada pela maioria da população (o que não inclui, obviamente, os esquerdistas), e cujos generais acreditam, não sem razão, que salvaram o Brasil do comunismo em 1964, devesse alguma desculpa. Quanto a isso, aliás, o coronel recordou o que quase ninguém, ali, queria lembrar: as vítimas e mesmo não tão vítimas assim do regime de 64 estão sendo agraciadas com fartas indenizações do Erário público. Já aqueles que caíram vitimados por balas e bombas da esquerda armada, muitos deles cidadãos comuns, sem qualquer relação com a luta política travada então, quando é que receberão pelo menos um pedido de desculpas de seus algozes? Se é de perdão que se está falando, por que os esquerdistas não se desculpam perante eles e suas famílias? Por que, em vez disso, endeusam terroristas?
As observações do coronel, claro, ficaram sem resposta. E não poderia ser diferente. Sua análise do regime de 64 e da luta armada, assim como da Anistia, foi impecável. Seu desmascaramento do revanchismo esquerdista, agora travestido de "Comissão da Verdade", foi total e irrefutável. Ficou claro que, qualquer tentativa de rever a Anistia não passa de uma forma de duplo padrão ideológico a fim de beneficiar a esquerda. Além do mais, a idéia de que os militares deveriam "pedir desculpas" pelo que fizeram é ridícula: primeiro, porque em 1964 eles não tomaram o poder sozinhos (tratou-se de um golpe, ou contra-golpe, civil-militar); segundo, porque tiveram amplo apoio popular; terceiro, porque os terroristas de esquerda eram uma ínfima minoria, não representando, de maneira alguma, os anseios da sociedade; e quarto, porque no Brasil, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na Argentina, não houve um confronto entre a instituição militar como um todo e a população, e os militares que estiveram diretamente envolvidos nas atividades da repressão política foram uma fração pequeníssima das Forças Armadas. Finalmente, os militares concordaram em perdoar os terroristas e em devolver o poder aos civis, retirando-se da vida política - pode-se imaginar o mesmo acontecendo em Cuba, por exemplo? Os militares, com a exceção da minoria de torturadores e assassinos, não fizeram nada de que possam se envergonhar. Por que deveriam pedir desculpas?
Das observações certeiras do representante dos militares no debate da TV Câmara, e dos argumentos toscos de seus contendores, ficou claro para mim o seguinte: se fosse constituída eqüitativamente por representantes dos dois lados, com o objetivo de apurar as circunstâncias da repressão e da luta armada (e não somente da repressão, como se pretende), a tal "Comissão da Verdade" seria, de fato, uma oportunidade de restaurar a verdade histórica e, de certo modo, fazer justiça à memória e à História nacionais. Como não é esse o intento de seus idealizadores, a conclusão óbvia é que ela não passa de um palco para julgar o regime de 64 e impor a "justiça dos vencidos", isto é, o revanchismo. Não será, portanto, uma Comissão da Verdade, mas da meia-verdade. Ou da meia-mentira.
Um comentário:
cara parabéns pelo post, muito bom e explicou um ponto que até o momento eu não tinha conhecimento.O revanchismo.
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