Em meu último post, recordei uma frase do chanceler Celso Amorim, dita no auge da confusão monumental em que o Brasil se meteu - e da qual saiu chamuscado - em Honduras. Perguntado por que o Brasil defendia sanções pesadas contra o governo hondurenho de Roberto Micheletti, ao mesmo tempo em que se opunha ao embargo norte-americano a Cuba, o chanceler brasileiro negou que isso caracterizasse duplo padrão, pois, segundo disse (em 7/07/2009): “Cuba foi uma revolução, enquanto Honduras foi um golpe de Estado típico de uma direita que não tem mais lugar na América Latina” etc.
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A frase merece uma análise mais profunda. Na verdade, trata-se de uma das declarações mais reveladoras sobre a atual política externa brasileira. Vamos lá.
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Em duas linhas, duas mentiras: 1) em Honduras houve um golpe de estado; e 2) em Cuba o que houve foi uma revolução, não um golpe de estado. O corolário daí decorrente é, como não poderia deixar de ser, igualmente falso e mentiroso: logo, a política do Brasil para os dois países está correta, é uma política democrática etc. etc.
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Sobre Honduras, já escrevi bastante aqui, e basta rolar o blog para baixo para perceber que não houve golpe algum, a não ser o tentado por Manuel Zelaya e sua turma, com o apoio de Lula e de Hugo Chávez. Uma rápida olhada na Constituição do país deixa claro quem é golpista e quem não é na história toda. Ademais, de que "direita" o excelentíssimo chanceler está falando? Seriam os mais de 70% da população hondurenha que apoiaram o afastamento legal de Zelaya? Aliás, é bom lembrar: ele, Zelaya, é um latifundiário que viu no bolivarianismo o caminho ideal para se perpetuar no poder, e foram seus próprios ex-companheiros de partido que o tiraram da presidência para preservar a Lei. Se há alguém que representa a "direita", ainda por cima "que não tem mais lugar na América Latina", no sentido em que quis imprimir à palavra o chanceler - de coisa atrasada, reacionária mesmo - é ele, Zelaya. É ele, e não os que o tiraram do poder, que representa a tradição caudilhesca e autoritária que, infelizmente, caracteriza a história da América Latina. (Nada disso, claro, faz qualquer diferença para nosso chanceler - para ele, a "direita" é sempre o lado mau, mesmo que defenda a Constituição contra quem tenta estuprá-la...)
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Não, senhor chanceler: não é quem afasta legalmente, DE FORMA CONSTITUCIONAL, caudilhos e aprendizes de ditador, que "não tem mais lugar na América Latina". É quem tenta, usando inclusive os meios legais, violar a Lei e impor um regime personalista e antidemocrático. Esse tipo de gente, sim, não tem nem deve ter lugar, na América Latina e em parte alguma. O lugar a que pertencem é a lata de lixo da História. É lá que eles devem ser atirados. Eles e os que os apóiam.
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Quanto a Cuba, também já escrevi um bocado, e vale a pena lembrar alguns fatos ignorados por Sua Excelência. O primeiro deles é que revolução e golpe de estado não são conceitos excludentes, antitéticos. Pelo contrário: basta uma análise mais acurada do que aconteceu na ilha-presídio desde 1959 para perceber, sem muito esforço, que o que ocorreu foi, sim, um golpe de estado. O maior golpe da história da América Latina.
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Em Cuba, para começo de conversa, os revolucionários de Fidel e Raúl Castro não derrubaram o ditador Fulgencio Batista e tomaram o poder para instalar uma ditadura comunista. Em 1959, nenhuma proclamação dos guerrilheiros falava em comunismo, socialismo ou o que fosse, mas em restaurar a democracia e a Constituição liberal de 1940. Isso incluía eleições livres e diretas, coisa que os cubanos aguardam até hoje. Pois bem. O que fez Fidel Castro pouco após tomar o poder? Mandou todas essas promessas às favas, e instaurou uma ditadura pessoal, totalitária, claramente comunista. Nesse processo, mandou prender e fuzilar muitos que participaram da luta contra Batista, como Huber Matos, um dos principais comandantes revolucionários, condenado a 20 anos de cárcere por discordar da comunização da ilha. Se isso não foi um golpe, então não sei o que o termo significa. (E não me venham dizer que Fidel levou a ilha em direção ao comunismo e à URSS por pressão dos EUA: seus planos de concentração total do poder vêm desde, pelo menos, a época de Sierra Maestra. Os EUA não tiveram nenhum papel na transformação de Cuba numa tirania totalitária comunista, que se deve tão-somente às ambições políticas e pessoais de Fidel Castro. Além do mais, se o mundo inteiro não conseguiu trazer Cuba para o lado da democracia em cinqüenta anos, como é possível que os EUA tenham "empurrado" a ilha para o socialismo?)
.Tudo isso é narrado minuciosamente em dezenas, centenas de livros e depoimentos, muitos deles de ex-integrantes do establishment castrista que pularam fora do barco do totalitarismo, inclusive uma filha e uma irmã de Fidel. Posso indicar uma biblioteca inteira, se quiserem. Mas parece que nosso chanceler prefere a versão fantasiosa e romântica dos acontecimentos, aquela que apresenta Fidel Castro como um humanista, não como um ditador. É uma pena. Pelo visto, ele deve ter aprendido sobre a Revolução Cubana lendo os livros de Frei Betto e Emir Sader.
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Em resumo, o que o excelentíssimo ministro brasileiro das Relações Exteriores afirmou foi o seguinte:
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- Preservar a Lei é "golpe" quando o deposto é alguém "de esquerda";
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- Um golpe dado por um companheiro de esquerda não é golpe, é "revolução";
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- A "direita" é golpista; a esquerda, não.
.Em Honduras, o Brasil apoiou o lado golpista contra a democracia, tachando de golpista a "direita" que se opõs ao golpe em preparação para preservar as instituições. Em Cuba, o Brasil apóia há anos uma ditadura baseada na traição dos ideais revolucionários, originalmente liberais e democráticos - do mesmo modo, a "direita", aqui, é quem se opõs e se opõe a essa enganação, inclusive pagando com a prisão e a morte. Agora, as mesmas forças por trás da atual política externa brasileira estão urdindo um golpe internamente, no Brasil, mediante o PNDH-3. É preciso reconhecer: de golpe, os esquerdistas entendem.
Um comentário:
"Zelaya, é um latifundiário que viu no bolivarianismo o caminho ideal para se perpetuar no poder" - vemos finalmente um padrão, pois Fidel Castro também era um latifundiário que encontrou um modo ideal para se perpetuar no poder.
Há! É o markxismo-latifundiarista, onde tudo pertence ao estado e o estado é o senhor feldal patriarcal e paternalista, único grande líder legítimo, pois os discordantes são sistematicamente desconsiderados.
Não é de se estranhar agora a informação que o irmão do Lula seja apontado por alguns como sendo hoje um grande latifundiário. Será verdade?
E ainda há os que tem coragem de rotular como "direita" quem aponta numa direção oposta a dessa esquerda canhestra!
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