terça-feira, fevereiro 02, 2010

A TRAJETÓRIA DE UM REVOLUCIONÁRIO ARREPENDIDO (UMA HISTÓRIA DOS ANOS 60)


Estou lendo um livro intitulado American Extremists, de dois professores universitários norte-americanos, John George e Laird Wilcox. Na página 115, deparo com uma história que daria um filme. Resolvi pesquisar na internet por mais detalhes. Vou resumir a história aqui para vocês. Acho que ela merece ser contada.

Desde cedo, Anthony Bryant esteve às voltas com a violência.

Nascido numa família pobre, ainda adolescente ele se envolve com gangues de negros na Califórnia. Sua primeira condenação por roubo vem em 1961.

Em 1964, foi condenado por posse e tráfico de maconha. Na prisão, tem contato com militantes negros como Eldridge Cleaver e com a ideologia do “black power”. Radicaliza-se, abraçando as idéias extremistas de Frantz Fanon e Malcolm X.

É a década de 60, o período mais turbulento da História recente dos Estados Unidos. Os movimentos pelos direitos civis e as manifestações contra a Guerra do Vietnã estão no auge. Os estudantes protestam. A “Nova Esquerda” toma as ruas.

Em 1968, após cumprir sua pena de prisão, Anthony Bryant se filia ao Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party), organização radical que luta pelo “poder negro”, fundada dois anos antes. Ele se convence de que somente uma “revolução” poderá levar os negros norte-americanos ao poder e acabar com o racismo no país. Torna-se um dos mais radicais militantes da organização, recebendo o apelido de “Mr. Eliminator” (“Sr. Exterminador”). Ele está em guerra com os EUA.

Em 1969, Bryant passa das palavras à ação. Armado com um revólver, ele seqüestra o vôo 97 da National Airlines, que ia de Nova York a Miami, ordenando que o avião seja desviado para a ilha de Cuba. Seu plano é ser recebido pelas autoridades cubanas e delas receber armas para dar início a uma insurreição nos EUA. “Prefiro morar numa prisão em Cuba a viver nos EUA”, pensava então.

Ao chegar ao aeroporto de Havana, Bryant é, porém, detido pela polícia de Fidel Castro. Cometera um erro: roubara os passageiros, entre os quais um agente do regime castrista, que carregava uma mala cheia de notas de 100 dólares. Em vez da recepção triunfal e das armas que esperava receber, Bryant é atirado numa masmorra, onde permanecerá por 11 anos e meio.

Durante o período em que esteve preso em Cuba, em condições subumanas, Bryan presencia espancamentos de prisioneiros e fuzilamentos. É então que sua visão de Cuba como um “paraíso socialista dos trabalhadores” vem abaixo.

Em 1980, após quase doze anos de prisão, ele é solto, como um dos 30 norte-americanos detidos na ilha liberados em uma barganha entre o ditador Fidel Castro e o presidente dos EUA, Jimmy Carter. São-lhe oferecidas três opções: permanecer em Cuba, ir a um terceiro país ou retornar aos EUA, onde uma pena de 20 anos o aguarda por causa do seqüestro do vôo 97 da National Airlines. Bryant escolhe voltar aos EUA. Sua pena é comutada e ele readquire seus direitos de cidadão norte-americano. Seu discurso agora era outro: “Prefiro viver numa prisão nos EUA a morar em Cuba”.

De volta a seu país e à liberdade, Bryant se envolve com a organização anti-castrista Comandos L, criada pelo seu companheiro de cela, Tony Cuesta. Em 1992, ele é acusado de transportar armas em seu barco para a organização. É absolvido em 1993.

Em 1984, Anthony Bryant, agora um militante anticomunista, publica um livro, Hijack (“Seqüestro”), no qual descreve sua experiência como revolucionário negro e sua desilusão com o radicalismo de esquerda, e com o regime cubano em particular. Ele pretendia transformar o livro em filme.

Tendo rejeitado por completo as idéias radicais da juventude, Bryant passa a dar palestras nas quais alerta para os perigos do socialismo que, segundo ele, estava dominando os EUA. Em entrevista ao jornal The Telegraph em 1985, ele acusa vários líderes negros norte-americanos, como o reverendo Jesse Jackson, Louis Farrakhan (chefe da Nação do Islã) e Andrew Young de estarem a serviço do comunismo. “Eles não representam ninguém a não ser suas bocas grandes”, declara.

Sobre seus anos de revolta, escreveu ele em Hijack:


Eu era negro e amargo, armado, desesperado e perigoso, em guerra contra os Estados Unidos da América.”
Disse ainda (em entrevista para The Telegraph, 12/12/1985):

“Eu era um revolucionário. Acreditava que, se você quer mudança, você encosta um 38 na cabeça de alguém e aperta o gatilho”. (Observação do autor: esta é a mais sucinta descrição do que é um revolucionário que já li.)

“Não quero ver o povo americano passar agora por essa sujeira chamada socialismo. Testemunhei milhares de espancamentos selvagens nas prisões cubanas. Essa é a realidade de Fidel Castro”

Em outra entrevista, em 1987, Bryant disse:

"Vivi no ventre do monstro... Quando eu estava em Cuba, testemunhei três execuções. Vi-os dançarem em volta dos corpos. Colocaram guardas para nos vigiar e nos batiam excessivamente. Mas eu tive que ir lá para descobrir essas coisas".

Nos últimos anos, Bryant renunciou completamente à violência como meio de mudança, inclusive para Cuba. Para ele, só uma mudança pacífica era desejável.

Anthony Bryant morreu em Miami, Flórida, de leucemia, em dezembro de 1999. Tinha 60 anos de idade.

Um último comentário

A história acima, rocambolesca como é, daria um filme, sem dúvida. Mas, estranhamente, nenhum produtor de Hollywood se interessou ainda em levá-la às telas. Deve achar que uma história assim, de desilusão ideológica, retiraria muito do charme e poder de sedução que os anos 60 ainda exercem sobre os desavisados. Sem falar na realidade da ditadura cubana, bem diferente do que se costuma ver nos cinemas (Benicio Del Toro que o diga...).
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Muita gente, principalmente quem não era nascido à época, tem saudades dos anos 60, de sua aura de "rebeldia" e "liberdade". Do mesmo modo, o regime cubano dos irmãos Castro conta entre nós com muitos fiéis admiradores. Há quem, inclusive, deseje implantar por aqui a mesma ideologia extremista dos Black Panthers, ignorando, curiosamente, que em Cuba o racismo é uma realidade nas altas esferas oficiais. Tony Bryant, que conheceu bem tudo isso, aprendeu a duras penas que a verdade é bem diferente.

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