segunda-feira, julho 13, 2009

A FALÁCIA RELATIVISTA

Acredito que, entre os obstinados que me lêem, alguns concordam totalmente com o que escrevo, outros discordam absolutamente, e outros assumem uma posição intermediária, concordando aqui e ali, discordando nesse ou naquele ponto, assustando-se, talvez, com uma expressão mais dura ou desbocada. Esses últimos, mais do que os outros dois, são, digamos assim, meu público-alvo. São aqueles que poderíamos dizer que encarnam a forma de pensar da maioria, o mainstream, os que não querem nem tentam se comprometer com causa nenhuma; pelo contrário, esforçam-se ao máximo para não sair de sua posição de equilíbrio, cultuando em todos os assuntos uma posição o mais possível "neutra", "imparcial", "justa", "equilibrada". Enfim, são os que estão em cima do muro; não são nem contra nem a favor, muito pelo contrário.
.
São pessoas assim, que vêem beleza em colocar-se no ângulo de visão do "outro", entendido sempre como quem pensa e age de forma diferente, e que consideram o máximo da sabedoria e da inteligência o cultuar a dúvida e a moderação em relação aos próprios pontos de vista, que me escrevem de vez em quando, ou me mandam textos, queixando-se de minha linguagem "extremada" e "enfática" e cantando as virtudes da moderação e do politicamente correto. Para eles, não faz sentido condenar o regime X ou Y, pois, no fundo, dizem, todos têm alguma parcela de verdade e, no final, os radicalismos se equivalem, pois "são todos iguais" etc. Assim, a verdade seria um simples ponto de vista, ou nada mais do que a soma de "verdades" individuais.
.
Com a devida vênia aos que acham que eu sou um doutrinador arrogante e acreditam que a verdade é sempre o juste milieu, permitam-me ser, mais uma vez, enfático: Não! A verdade NÃO é um ponto de vista. Existe o Bem e o Mal, assim como existe verdade e mentira, certo e errado, fato e opinião - e existe quem não veja diferença entre uma coisa e outra, ou não enxergue problema algum em transigir com o mal. Ponto e parágrafo.
.
Não sou "neutro", "imparcial" ou "equilibrado" coisa nenhuma. Nem pretendo sê-lo. Nem preciso, aliás, repetir aqui que não sou mesmo: basta passar os olhos em qualquer texto meu neste blog para constatar isso. Neutro, para mim, é juiz de futebol ou xampu de pobre. Procuro ter, em tudo que escrevo, uma posição bem clara - a favor da Liberdade e da Democracia. Isso significa, necessariamente, opor-me (de forma enfática, sim) a quem é inimigo ou tenta solapar esses princípios em nome do que quer que seja ("igualdade", "justiça social" etc.). Isso inclui aqueles que, de boa ou má fé, por ingenuidade ou safadeza, confundem neutralidade com justiça. O maior exemplo de governante neutro e justo, no sentido em que essas pessoas tomam as palavras neutralidade e justiça, foi o Rei Salomão, que, diante de duas mulheres que reivindicavam a maternidade de uma criança, não teve dúvidas: mandou cortar a criança ao meio, para que cada uma fosse mãe de metade. Não penso dessa maneira. Também não me venham dizer que Democracia e Direitos Humanos são conceitos relativos, meros preconceitos ocidentais, válidos para uma parte da humanidade e não para outra, como se garantir a igualdade entre homens e mulheres fosse uma imposição colonialista e torturar e decapitar alguém, uma legítima expressão da "cultura local". Eu me recuso a enxergar o mundo a partir da janela do "outro" se o "outro" em questão for quem quer mandar a Democracia para o espaço, ou cortar a cabeça dos infiéis. Há poucas coisas inegociáveis na vida, mas certamente, entre as que são, estão a Democracia e a Liberdade.
.
Sei que, na área em que eu atuo, das relações internacionais, falar com franqueza e sinceridade nem sempre é algo visto com bons olhos, e raramente é considerado boa política. Sei também que, muitas vezes, a diplomacia é confundida com bons modos, e que, em certas circunstâncias, é preciso ser condescedente com quem pensa diferente, inclusive com ditaduras. Mas isso não significa que eu deva aplaudir quem está se lixando para a Democracia e os Direitos Humanos, como fazem Lula e Obama, que, em nome da multipolaridade, da diversidade ou do sei lá o quê, fecham os olhos para os piores crimes contra a humanidade, imitando Henry Kissinger. Quando se trata de coisas como Liberdade e Democracia, ser enfático é mais do que um jeito de ser ou falar: é uma obrigação moral. Deixar de se indignar, ou dar de ombros diante de uma tentativa flagrante de solapamento da Democracia como a que recentemente ocorreu em Honduras por parte de um golpista bolivariano, por exemplo, é não somente demonstração de alienação e irresponsabilidade: é cumplicidade mesmo com a farsa e a mentira. Do mesmo modo, deixar de se enfurecer, com todas as forças, diante do que deve causar ira e indignação, como as tentativas de justificar o totalitarismo e o terrorismo onde quer que seja, é, como dizia Aristóteles dois mil e trezentos anos atrás, uma atitude própria de tolos e idiotas. Inversamente, firmar posição em favor dos princípios democráticos não é ser tacanho ou intolerante: é, em certas circunstâncias, a única política responsável e realista (sim, realista: vejam o exemplo de Munique em 1938, um caso clássico do mal que o apaziguamento de ditadores pode causar). Por favor, não me peçam para ter uma linguagem suave ou para ser condescendente com quem quer destruir a Democracia. Não vejo o mundo pela janela de ditadores e assassinos. Nisso, como em culinária, sigo o velho preceito: gosto de quente ou frio; morno, eu vomito.
.
O mais curioso é que o discurso relativista e politicamente correto, que se pretende neutro ante regimes e ideologias, é, ele mesmo, uma construção ideológica. É, por isso, facilmente desmascarado. Atentem: qual "moderado" de hoje se atreve a manter um discurso que não seja o da condenação enfática e incondicional ao nazismo ou às ditaduras militares do Brasil e do Chile das décadas de 60 e 70? (e não deve ter outra posição mesmo: o nazismo e a ditadura não merecem senão a condenação e o répúdio de qualquer pessoa decente). Com efeito, quem ousar assumir uma posição "neutra" em relação a esses regimes será tachado imediatamente, e sem contemplação, de cúmplice de seus crimes. Se bobear, será mesmo chamado na rua de torturador e nazista. Agora, pergunte a si mesmo quantos desses seres angelicais, verdadeiros poços de justiça, têm a mesma postura de condenação enfática em relação a regimes tão ou mais ditatoriais, como o de Cuba, do Sudão ou da Coréia do Norte... Pelo visto, ter uma posição clara e definida só é algo condenável quando se trata de criticar regimes de esquerda. É somente a esses, os esquerdistas, que é concedido o benefício da dúvida. Pergunto (na verdade, repito a pergunta, pois já a fiz aqui antes, permanecendo até hoje sem resposta): por que condenar enfática e veementemente o nazismo e Pinochet é uma obrigação moral (o que, de fato, é), mas fazer o mesmo em relação ao comunismo e a Fidel Castro é uma mostra de desequilíbrio e reacionarismo? Não é preciso ser um gênio para perceber que o discurso relativista, quando aplicado a ditaduras, é uma falácia. Na maioria dos casos, ouso dizer, esconde apenas o medo patológico de ter uma opinião (ou de escondê-la sob o manto da "imparcialidade"). O que se toma por sabedoria não passa, nesse caso, de covardia moral.
.
Afirmar que "todos estão certos e todos estão errados em algum aspecto" não diz nada. Ou melhor, diz, sim: diz que, como o regime hitlerista teve alguns méritos (acabou com o desemprego, por exemplo), assim como o comunismo (lutou contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial), deveríamos todos enfiar nossas idiossincrasias democráticas no saco e nos abstermos de falar mal deles. Deveríamos, segundo essa visão imparcialista, deixar figuras como Kadafi, Ahmadinejad, Fidel Castro, Chávez, Omar Al-Bashir e Kim Jong-Il em paz e cuidar de nossas próprias vidas. Afinal, à maneira deles, esses personagens e os regimes que eles encarnam possuem, de certo modo, uma "parcela da verdade" etc. e tal. Não é difícil perceber quem mais se beneficia com esse tipo de discurso. Nem sempre a verdade está no caminho do meio; pelo contrário, com cada vez mais freqüência, é preciso chamar as coisas pelo nome. Um copo pode estar meio cheio ou meio vazio, dependendo da sede de quem vê. Mas não deixa, por isso, de ser um copo, não uma mesa ou uma cadeira.
.
É normal que, em um país como o Brasil, em que são cultuadas acima de tudo a ambigüidade e a superficialidade, e onde o como as coisas são ditas tem mais importância do que o quê é dito, o discurso fácil relativista tenha grande audiência, conquistando adeptos principalmente entre os setores letrados, mais "sofisticados" intelectualmente. Sobretudo grande parte da imprensa brasileira parece ter sucumbido, há anos, ao discurso "nem-nem" (de "nem isso, nem aquilo"), isentista e nenhumladista, contentando-se com o papel de eunucos morais. É hoje praticamente uma condição para ser aceito no seletíssimo clube da beutiful people, da gente linda e maravilhosa, colocar-se no lugar e enxergar o mundo com o olhar do "outro". Principalmente se o "outro" em questão for um fanático terrorista islamita ou um ditador stalinista e genocida.
.
Tão arraigada está entre nós essa filosofia de socialites, baseada na antropologia mais vagabunda e em manuais de auto-ajuda, que a diferença entre realidade e ficção já deixou, há muito, de existir nos círculos "intelectualizados". A tal ponto que afirmar fatos elementares e dizer o óbvio, por exemplo, é visto como um pecado nefando, a expressão da mais terrível das heresias, ou como demonstração de "intolerância" e de falta de educação. Experimente dizer, por exemplo, que Lula é uma farsa, um demagogo corrupto e bravateiro; que a ditadura castrista em Cuba é uma ditadura; ou que o comunismo é uma ideologia genocida que deixou um saldo de 100 milhões de mortos: você será imediatamente segregado do convívio das pessoas "respeitáveis", que considerarão tais declarações o cúmulo do absurdo - não fatos, mas simples opiniões (e opiniões de que discordam radicalmente, mas não têm coragem de dizê-lo abertamente, muito menos de debater a sério essas questões).
.
Para essa gente chique e iluminada, leitores de Foucault e Derrida, não são os fatos, mas somente a visão do "outro", o que importa. Já quanto ao verdadeiro "outro", as vítimas dos atentados terroristas e os presos de consciência, por exemplo, estas não podem fazer outra coisa senão se resignarem, pois a causa dos Direitos Humanos e da Democracia, como dizem os sábios relativistas, não é tão verdadeira nem tão justa quanto a do "respeito às diferenças". Provavelmente, servirá de consolo pensarem, antes de serem executados ou feitos em pedacinhos por um homem-bomba, que estão morrendo por uma causa justa. É o triunfo da barbárie pós-moderna.

Um comentário:

Anônimo disse...

a ideologia do relativismo cultural é uma enganação, um artifício muito bem montado, por quem quer defender ditadura e tirania indiretamente, sem ser tachado de antidemocrático, ao mesmo tempo que ataca a nossa sociedade livre.