golpe, só se for bolivariano, diz a "comunidade internacional"
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Vamos lá. Desta vez vou tentar ser o mais didático possível.
Imagine que o presidente da República foi eleito democraticamente. Na época da eleição, ele vence com um programa político e econômico conservador, "neoliberal". Lá pelas tantas, porém, ele muda de idéia, e passa a defender uma mudança radical nas regras da Constituição. Quer porque quer convocar um referendo, no qual se decidirá se ele poderá ou não reeleger-se.
O referendo é julgado ilegal e inconstitucional pela Suprema Corte e pelo Congresso do país, uma vez que a Constituição proíbe terminantemente a reeleição. Mesmo assim, o presidente - chefe do Poder Executivo - ignora a decisão dos demais Poderes (Legislativo e Judiciário) e ordena às Forças Armadas que o ajudem na convocação do tal referendo.
Os comandantes das Forças Armadas se recusam a obedecer uma ordem ilegal e inconstitucional, e fazem a única coisa que lhes resta fazer em um caso assim: depõem o presidente e o expulsam do país (a Constituição não prevê o impeachment). Um governo provisório então é formado, com o presidente do Legislativo à frente. O novo governo promete realizar eleições na data marcada, tal como estabelecido pelas leis do país.
Apesar disso, a maioria dos governos estrangeiros, e até mesmo a ONU, tacha o sucedido de "golpe" e não reconhece o governo provisório. Em vez disso, exige que o presidente deposto retorne imediatamente ao país e seja restituído no cargo. Não há qualquer garantia de que, uma vez de volta, ele não irá tentar violar mais uma vez a Constituição - pelo contrário: a expectativa é que ele insista no referendo ilegal, trazendo mais desordem e instabilidade. Enquanto isso, alguns governos vizinhos intervêm abertamente, enviando militantes para organizar uma revolta, talvez sangrenta, em favor do presidente deposto em nome da ordem constitucional. Este declara que, caso não seja reinstalado no poder o quanto antes, haverá uma guerra civil, e prega abertamente a insurreição.
Quem acompanha as notícias com olho crítico e não bovinamente já deve ter adivinhado de que país estou falando. Trata-se, claro, de Honduras. O presidente deposto, claro está, é Manuel Zelaya, "El Bigodón".
Talvez eu não tenha sido suficientemente claro. Vamos recapitular, então, o que vai acima:
- Um presidente, eleito democraticamente, tenta, porém, jogar a democracia no lixo e convoca um referendo visando com isso a eternizar-se no poder, segundo o modelo bolivariano;
- A Justiça e o Legislativo hondurenhos, em defesa da Constituição ultrajada, declara a consulta ilegal e inconstitucional;
- Em claro desrespeito à Constituição e à separação de poderes, Zelaya insiste no referendo e tenta usar as Forças Armadas do país para atingir seu objetivo;
- Diante dessa clara tentativa de violação da ordem constitucional - por parte de Zelaya -, e tendo em vista que a Constituição de 1982 não prevê o impeachment, o Parlamento, o Judiciário e as Forças Armadas, com o apoio da maioria da população, decide afastar o presidente e instala em seu lugar um governo provisório, que promete manter o calendário eleitoral. O presidente deposto é declarado traidor da pátria e é avisado que, se voltar ao país, será preso e julgado como tal.
Agora, responda: quem, nessa história toda, é o "golpista", o "gorila", o violador da legalidade e da ordem constitucional? O Congresso e o Judiciário hondurenhos, que agiram estritamente dentro da legalidade e da Constituição, ou Manuel Zelaya, que, em um arroubo de bolivarianismo, tentou violar a legalidade e tornar-se um novo Hugo Chávez ou um novo Evo Morales? Quem tentou um golpe civil ou quem impediu que isso acontecesse, preservando a democracia?
Vou refazer a pergunta, em bases ainda mais didáticas. O que é golpe: 1) salvaguardar as leis do país contra um governante que quer violá-las; ou 2) usar a própria democracia para rasgar a Constituição e se instalar no poder como um tiranete?
Mais: é justo e correto um governo legal e democrático ser condenado e isolado internacionalmente, a ponto de ser ameaçado de intervenção armada por parte de dois governos vizinhos - a Venezuela e a Nicarágua - e a "comunidade internacional" silenciar diante disso? Onde está o discurso da não-intervenção e da autodeterminação numa hora dessas?
As conclusões, lógicas e inexoráveis, dos acontecimentos em Honduras são as seguintes (segundo os que condenaram o "golpe militar" em Honduras):
- Rasgar a Constituição em Honduras - ou na Venezuela, ou na Bolívia, ou no Equador... -, pode; afastar quem tenta fazê-lo para salvaguardar a democracia, não;
- Rasgar a Constituição em nome do bolivarianismo nao é golpismo; impedir que isso aconteça, é;
- As Forças Armadas não são uma instituição profissional e apartidária, a serviço da Constituição, mas uma milícia partidária, a serviço da "revolução bolivariana";
- Isolar internacionalmente o governo provisório de Honduras, pode; fazer o mesmo com Cuba ou a Venezuela, não;
- Ameaçar de agressão armada outro país, a ponto de enviar militantes e arruaceiros profissionais para causar o caos, e inclusive planejar um banho de sangue, pode - desde que seja em Honduras;
- Democracia se resume a ganhar as eleições; depois disso, pode-se fazer qualquer coisa - inclusive acabar com a democracia.
Das duas uma: 1) ou a ONU, a OEA, o governo Lula e Barack Hussein Obama perderam completamente a noção do que é legal e ilegal, do que é democracia e golpismo, e nesse caso estão loucos, ou 2) não perderam, e, nesse caso, são cúmplices conscientes do projeto golpista boliviariano. Vocês escolhem.
Acho que desta vez eu desenhei. Ou será que não está claro ainda?
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