terça-feira, julho 28, 2009

POR QUE NÃO SOU ISENTO


Em dois textos meus, publicados aqui alguns dias atrás, esmiucei a falácia relativista, o truque filosófico que, sob a capa da "neutralidade" e da "imparcialidade" ou "isenção", procura negar a própria verdade, indo mesmo contra os fatos mais elementares para se refugiar numa postura "nem-nem" (de "nem isso, nem aquilo"). Tentei mostrar que, por trás dessa atitude de aparente "equilíbrio", tão ao gosto de muitos jornalistas e pessoas "sofisticadas", o que existe, na verdade, é o medo de ferir suscetibilidades politicamente corretas ou, então, a pura e simples covardia moral. Mostrei, com exemplos facilmente demonstráveis, que tal discurso relativista quase sempre visa a justificar tiranias, estando vinculado, atualmente, a um discurso de esquerda. Agora vou retomar esse tema, que me apaixona, para mostrar como o relativismo, sobretudo em política, é uma fraude.

O exemplo que eu dei para demonstrar a falácia essencial do discurso relativista é, na verdade, uma pergunta. Vou recordá-la: Por que ditaduras de direita, como a de Pinochet no Chile, são execráveis, mas as de esquerda, como a dos irmãos Castro em Cuba, não o são? O mesmo pode ser indagado sobre as ideologias: Por que condenar o nazi-fascismo é justo e correto, mas fazer o mesmo com o comunismo é extremismo de direita? Em outras palavras: Por que os que defendem uma visão "equilibrada" e "neutra" em relação a Cuba e ao comunismo não adotam o mesmo discurso "imparcial" em relação a outras ditaduras de sinal ideológico trocado?

Pois bem. Mesmo não tendo recebido, até o momento, nenhuma resposta a essas perguntas - e, provavelmente, continuarei sem resposta -, vou reforçar o que quero dizer com mais uma pergunta, adaptada ao momento que estamos atravessando na América Latina. Lá vai: Por que é justo e correto, em nome da "isenção" e da "imparcialidade", condenar o "golpe" que derrubou Manuel Zelaya em Honduras, mas não dizer uma palavra sobre o que ele quis fazer - e continua querendo - com a Constituição do país? Ou, dito de outro modo: Por que os que, dizendo-se "neutros", condenam o "golpismo" naquele país não estendem sua condenação ao golpismo bolivariano de Zelaya e seu mentor, Hugo Chávez?

Novamente, desafio qualquer um a responder essa pergunta. Desafio qualquer pessoa a justificar, com argumentos racionais sólidos, a posição adotada pela OEA, ONU, União Européia, Lula e Barack Obama em relação à crise em Honduras. Mesmo desconfiando que esperarei em vão por uma resposta, repito aqui o desafio. Mesmo assim, vou esperar. Sou paciente.

Ao contrário dos que pregam a "neutralidade" entre a corda e o pescoço, não uso esse truque barato para esconder minhas intenções. Afirmo e declaro abertamente, para quem quiser saber, que não sou, nem quero ser, "neutro", "imparcial", "isento" ou coisa que o valha. Aliás, repudio radicalmente esses rótulos. Não porque eu seja o "dono da verdade", mas por uma questão, se quiserem, de coerência. Quando se trata de ditaduras, por exemplo, acredito que só há uma atitude correta a tomar: a condenação total, sem ambigüidade e da forma mais clara possível. Isso significa condenar TODAS as ditaduras, não importa que cor ideológica tenham. Para mim, Hitler, Stálin, Fidel e Pinochet devem estar no mesmo círculo do inferno, com agravantes para quem matou mais ou ficou mais tempo no poder (como Fidel em comparação com Pinochet, que, perto daquele, era um mero aprendiz). O mínimo que espero dos que se dizem "neutros" e "imparciais", portanto, é que condenem igualmente ambos os lados. Se se limitam a condenar apenas um lado, como geralmente ocorre, então sua "imparcialidade" não passa de preferência ideológica disfarçada. Se deixam de condenar qualquer um dos lados, declarando-se neutros, então essa neutralidade é simplesmente omissão diante do crime, logo uma forma de cumplicidade com o mesmo. Em qualquer caso, trata-se de um engodo e uma mentira.

Além disso, não sou isento por motivos, também, de Lógica. Darei um exemplo didático. Digamos que dois cientistas divergem radicalmente um do outro em relação a um fenômeno natural, como, por exemplo, o movimento da Terra: um, defensor da tese heliocêntrica de Ptolomeu, afirma que a Terra gira em torno do Sol; o outro, apegado à tese geocêntrica, defende o ponto de vista contrário, ou seja, é o Sol que gira em torno da Terra. Diante dessa controvérsia, há duas situações possíveis: 1) os dois lados estão errados; e 2) um dos lados está certo e o outro, errado. Os dois contendores podem estar errados - não é o que ocorre nesse caso específico, mas pode ocorrer -, mas, em hipótese alguma, os dois lados podem estar certos sobre o assunto. A conclusão, óbvia até para quem ignora completamente as duas teorias astronômicas, só pode ser a seguinte: um dos lados está certo e o outro, errado. Simplesmente não é possível que a verdade esteja "no meio".

Hoje em dia, esse exemplo pode até parecer banal, visto que todos sabemos, graças à evolução da Ciência, que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Mas, trezentos anos atrás, quando essa teoria foi levantada por Galileu Galilei diante da Inquisição, não havia como constatar, empiricamente, que ela fosse verdadeira. Foram necessários séculos até que cálculos complexos e o desenvolvimento da Astronomia, com telescópios cada vez mais possantes, pusessem por terra a tese geocêntrica, demonstrando com provas concretas, de forma cabal e irrefutável, o engano dessa teoria. Hoje, a tese heliocêntrica é dominante, e ninguém, a menos que queira passar por lunático, se atreve a colocá-la em dúvida. Mas, na época de Galileu, era uma questão de "opinião", o que o levou a retratar-se, sob pena de morrer na fogueira, diante do Tribunal da Inquisição. O mesmo pode ser dito de várias teses hoje tidas como científicas, como a existência das bactérias e a seleção natural: ninguém, pelo menos ninguém que se pretende racional, as questiona. Mas, um dia, elas foram apenas "pontos de vista".

Creio que o exemplo citado acima é suficiente para demonstrar a falsidade do relativismo como o oposto e a negação da verdade. E isso tanto em Ciência quanto em Política. Sim, é certo que Política não é Ciência, e que envolve, ao contrário desta, uma dose muito maior de subjetividade. Mas é inegável que ditaduras são ditaduras, assim como terrorismo é terrorismo, e que adotar uma postura relativista em relação a esses dois fenômenos não tem nada a ver com a verdade. Muito pelo contrário. É por me negar a condescender com quem pratica o crime e não esconder minha opinião a respeito que eu não sou isento. Chamem-me de parcial, se quiserem. Só não me chamem de mentiroso ou covarde. Entre a corda e o pescoço, eu torço contra a corda.

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