quarta-feira, junho 30, 2010

CARTAS MARCADAS


Sou de direita. Isso significa que, segundo nos foi ensinado desde as fraldas, sou um reacionário, um bandido, um criminoso, um ser desprezível, um cão raivoso. Significa támbém que, como afirmou Lula outro dia, sou um troglodita, a quem deve ser negado qualquer espaço na política, ou mesmo o direito de existir. Só me resta, para ter algum lugar ao sol, converter-me ao lulismo, como fizeram alguns notórios trogloditas, como Collor e Maluf, hoje fiéis companheiros.

Como direitista, sou também bastante influente. Mando em todos os jornais e canais de rádio e TV, sem falar na internet, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Sou um multibilionário, e minha voz se faz ouvir por meio de uma multidão de jornalistas a meu soldo, bem como de políticos que comem na minha mão. A mídia e as instituições me pertencem, são uma extensão de minhas propriedades e interesses pessoais. Enfim, mando e desmando, como dizem por aí.

Pois é. Faço parte da "zelite", sou um dos donos do mundo. Então, por que não tenho nenhum candidato a presidente da República? Por que não estou representado por nenhum deles?

Se sou assim tão influente, se a direita é mesmo tão poderosa quanto dizem, como explicar que as eleições presidenciais no Brasil sejam uma disputa entre esquerdistas, com agendas e discursos tão semelhantes? Se minhas idéias são as dominantes, por que nenhum candidato as defende?

A resposta é óbvia: porque essa estória de "direita brasileira", de políticos "de direita", de "poder econômico" etc., não passa de conversa mole para boi dormir. Não é mais do que uma invenção para esconder a vigarice da companheirada. Se as eleições no Brasil provam alguma coisa, é que não existe direita organizada no Brasil. Infelizmente.
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Se alguém domina a vida política, intelectual e cultural no Brasil, não é a direita. É a esquerda. As eleições são um momento em que isso fica claro como água. Como um autêntico troglodita de direita, ou seja, como alguém que não reza pela cartilha da esquerda ou da centro-esquerda, e que acha que as alternativas políticas não se limitam à polarização PT-PSDB, sinto-me terrivelmente órfão a cada eleição presidencial no Brasil. A cada quatro anos, vemos e ouvimos o mesmo discurso, os mesmos slogans, até os mesmos rostos, competindo entre si para ver quem é mais de esquerda, e acusando o outro de não ser esquerdista o suficiente. Tem sido assim desde, pelo menos, 1994 (em 1989, tivemos Collor, mas dizer que esse era de direita é como dizer que Pinochet era um democrata; hoje, Collor bate ponto na base alugada do governo Lula). Em todas as vezes em que fui obrigado a votar, anulei meu voto. Por pura falta de opção. Sinto que neste ano não será diferente.

Como já afirmei outras vezes, vigora, no Brasil, um duopólio esquerdista, com petistas e tucanos disputando quem é mais estatizante, mais socializante, mais antiliberal. Na televisão, Dilma Rousseff se apresenta como a fiadora da política econômica do governo, que por sua vez foi herdada dos tucanos (que, por sua vez, como demonsta a relutância destes em defender abertamente as privatizações da época de FHC, fizeram-no com vergonha, quase pedindo desculpas). Enquanto isso, Serra se esforça para mostrar-se como mais desenvolvimentista do que Dilma (o que de fato é) e convencer a todos que irá manter o Bolsa-Família. Até na propaganda os dois estão parecidos, com a campanha de Serra quase copiando a ladainha demagógica do outro lado ("lutou contra a ditadura", "vem de família pobre" etc.). Onde está uma segunda opção?
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Vivemos uma espécie de reedição da política do café-com-leite, desta vez ideológica. Houve um tempo, na República Velha, em que paulistas e mineiros se revezavam na Presidência da República. Depois, o rodízio passou a ser entre generais e generais. Hoje, é entre petistas e tucanos. Ou seja: entre mais e menos esquerda. Qualquer que seja o vitorioso nas urnas em 3 de outubro, já há uma certeza: o próximo ocupante do Palácio do Planalto será um esquerdista.

Neste ano, esse teatro terá um novo ator. Melhor dizendo: uma atriz, que, não por acaso, vem também das fileiras esquerdistas. Marina Silva é a queridinha dos moderninhos, representante da esquerda ecológica. Nela votarão muitos bem-nascidos, muitos antigos eleitores do PT, decepcionados com a "traição" de Lula e de seu partido (ser esquerdista, me convenço cada vez mais, é sempre se sentir traído por alguém). O diferencial de Marina, digamos assim, é a questão do meio-ambiente. Quanto ao resto, é mais do mesmo, com pouca variação, inclusive no quesito "filha de família pobre" etc. (pelo menos ela não repetiu a boçalidade de seu ex-chefe, pois, ao contrário deste, ela estudou). Ela até já está se anunciando como a "outra Silva". Parece que ser de origem humilde, ter cara de coitadinho e ser de esquerda são o requisito fundamental para ser candidato a presidente no Brasil. E a direita, onde está?

Ante essa situação, o eleitor que não se identifica com petistas ou tucanos (ou verdes) só tem duas alternativas: anular o voto ou tapar o nariz e eleger o menos ruim de todos, no caso, Serra. É o chamado "voto útil" ou "voto por exclusão". É isso ou desperdiçar o voto em algum Cacareco ou Macaco Tião, um desses malucos que pipocam de quatro em quatro anos, por um partido nanico e reivindicando ser o "voto de protesto", e que em geral entram nessa apenas porque estão doidos para fazer parte da farra, crescendo à margem do mainstream. Há espaço inclusive para a extrema esquerda, com suas propostas que seriam apenas ridículas, se não fossem totalitárias. Mas nenhum candidato declaradamente de direita. Isso mostra a pobreza ideológica das candidaturas.

A ausência de uma opção política que vá além dos velhos chavões esquerdistas é gritante no Brasil. A coisa mais parecida com um candidato de direita que vi até agora foi um tal Mário de Oliveira. A chance de Mário de Oliveira ser eleito presidente da República é zero. Seu partido, o nanico PTdoB, cujo símbolo é um coraçãozinho verde-amarelo, é uma piada. Ontem, Mário de Oliveira desistiu de sua candidatura. Fez bem.


Muita gente, já totalmente ganha pela propaganda esquerdista, está comemorando esse fenômeno, como fez o próprio Lula. Acham que é um sinal de "progresso". É o contrário! A falta de candidatos de direita, ou mesmo de centro-direita, na disputa presidencial é um sinal não de progresso, mas de indigência. De empobrecimento da política. Pior que isso: é algo péssimo para a democracia. Cria um vácuo perigoso, que pode ser preenchido com soluções - aí sim a palavra se aplica - reacionárias e fascistas. Todo país sério, todo lugar que se preze, tem pelo menos um partido forte de direita. É assim na Alemanha, na França, na Itália, na Inglaterra, nos EUA - e é assim também em países vizinhos da América Latina, como o Chile, que recentemente trocou uma presidente de esquerda por um politico de direita, e está seguindo em frente. Além de garantir a alternância no poder, base mesma da democracia, a existência de partidos sólidos de direita é algo essencial para o pluralismo político, para o debate de idéias. Estatismo ou liberalismo, por exemplo. Em outros países, esse debate está bem avançado. No Brasil, ele sequer existe.
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A ausência de partidos e candidatos de direita leva à ausência de debate, e esta, ao inverso da pluralidade, à uniformidade ideológica. É esse o cimento com o qual se construíram os regimes totalitários. Por aqui, falar em privatizações, como bem sabem os tucanos, é um tabu. Por aqui, quem se disser abertamente de direita arrisca-se a ser alijado do convívio social, como se fosse um leproso. Toda direita é golpista, ensina Lula a seus devotos, e todos assinam embaixo. O resultado é uma forma de ditadura mental, em que discordar - no caso, não ser de esquerda - torna-se um pecado ou um crime. Em poucos lugares a expressão "pensamento único" teve tanto sentido quanto no Brasil de hoje.

Uma propaganda do José Serra na TV pega carona na onda da Copa do Mundo e defende a troca do PT pelo PSDB no governo como se fosse a substituição de um jogador por outro numa partida de futebol. A mensagem é que o jogador que não está rendendo deve ser substituído etc. Quase ninguém percebeu, mas se trata de uma confissão de cumplicidade. Afinal, só se substitui quem joga no mesmo time.
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E, antes que me acusem, pela enésima vez, de ser um reaça odiento, um brucutu antidemocrático, militante da TFP e membro do PIG - "partido da imprensa golpista", ou o que valha -, é bom lembrar: Winston Churchill, Ronald Reagan e João Paulo II eram de direita. Já Josef Stálin, Mao Tsé-tung e Pol Pot eram de esquerda.
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Sem a direita, as eleições viram um jogo de cartas marcadas. Como é pobre e atrasada a política no Brasil!

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