quinta-feira, novembro 13, 2008

Resposta a uma leitora muito tolerante


"E se contar aquela piada de bichinha, eu prendo e arrebento!"


Recebi um comentário muito delicado, de uma conterrânea minha. Trata-se de alguém, como vocês verão, muito tolerante com as opiniões alheias, muito aberta ao diálogo franco e democrático, além de muito civilizada, com uma linguagem bastante elevada. O comentário em questão foi sobre meu texto "A Intolerância dos Intolerantes (ou: o direito de dizer besteira)", publicado aqui em 21 de abril passado. Eis aqui o comentário, o qual transcrevo na íntegra:

Ao me deparar com textos como esse[sem senso algum]eu percebo quantos imbécis existem nesse país.O fato é que vc pode usar esse espaço aqui e falar todas essas besteiras [ sim, porque vc não é homossexual, portanto, não sabe nada, digo e repito, nada sobre a dor e a felicidade de sê-lo]enquanto muitos de nós [ sim, sou homossexual, nordestina, mulher e feminista, e daí?!]não sabemos se voltaremos para nossas casas, pois nesse país, de maioria cristã, somos PERSEGUIDOS [ isso não é posar de vítima é mostrar a realidade, se informe antes de escrever sandices!] não só com palavras, mas com agressões físicas.Não só por estes cristão, mas por muitos outros que acham que estamos violando as leis divinas.Lamento por um colega de profissão [sou graduanda de história pela UFRN] tenha uma postura tão infantil diante de uma realidade tão infame e vergonhosa para nossa humanidade.

Recomendo que vc leia urgentemente Michel Foucault [ História da Sexualidade], Simone de Beauvoir [ Segundo Sexo, já que vc acha as feministas umas "vítimas-posers"].

Luci Araújo

Publicar este comentário. Recusar este comentário.

---
Pois é... Cada uma que a gente tem que agüentar em nome da liberdade de expressão, não é mesmo? Já estou acostumado com esse tipo de faniquito. Tudo bem dizer que meu texto é "sem noção" (adoro esses neologismos) e me brindar com epítetos carinhosos ("imbécil" - assim mesmo, com acento e tudo!). Também não vejo problema em dizer que uso este espaço para dizer "besteiras" e "sandices" e em lamentar minha postura tão "infantil". Não tenho problema nenhum com isso. Afinal, queira-se ou não, são opiniões também. Nada mais do que isso.

Não peço a ninguém que goste de minhas opiniões, nem que concorde com elas. É do jogo. Peço apenas que não distorçam a realidade nem queiram que eu cale a boca. E é exatamente isso que faz a autora do comentário acima, essa pérola de elegância e de argumentação lógica. A mim, podem xingar à vontade; aos fatos, não.

Comentando as "besteiras" que eu aqui digo, a amável leitora, que vai logo brandindo a sua condição de "homossexual, nordestina, mulher e feminista" (e ainda indaga: "e daí?", como se eu tivesse alguma coisa a dizer, contra ou a favor, sobre alguma dessas condições - com exceção, talvez, do fato de ser feminista, mas isso é assunto para outro post), a amável leitora, dizia eu, usa essa sua condição auto-proclamada para afirmar algum tipo de superioridade cognitiva intrínseca nessa sua "opção" sexual ("vc não é homossexual, portanto, não sabe nada, digo e repito, sobre a dor e a felicidade de sê-lo").

Bom, sobre a felicidade ou não de ser gay, confesso que não sei nada mesmo, e espero que a distinta leitora me perdoe por eu não ter a menor intenção de conhecer esse estado beatífico da natureza humana. Sou hetero, e estou muito feliz assim, obrigado. Logo, segundo o que se depreende do comentário acima, devo pertencer a uma categoria, digamos, menos evoluída, menos avançada da humanidade. Acho, portanto, que vou continuar na ignorância das delícias supostamente associadas a essa "opção", para sua tristeza...

Já quanto à suposta dor de sê-lo, a remetente parece saber bastante, a julgar pela veemência com que descreve os perigos supostamente atribuídos à condição homossexual ("muitos de nós [...] não sabemos se voltaremos para nossas casas, pois neste país, de maioria cristã, somos PERSEGUIDOS", além do mais, "não só com palavras, mas com agressões físicas").

Ao ler o que vai aí em cima, fiquei realmente preocupado, pois acreditei, por um instante, que eu vivia em um país em que não existe Democracia, nem Lei, nem Constituição - a qual, aliás, já pune com a devida sanção penal quem quer que, por qualquer motivo, encha de bolachas um travesti ou um "viadinho", pela única e simples razão de não gostar de homossexuais...

Também me imaginei, por uma fração de segundo, que no país em que eu vivia - o qual tem, diga-se, a maior "Parada do Orgulho Gay" do mundo, e que já virou até programa familiar dominical -, os gays estariam sendo vítimas de um verdadeiro "genocídio", como gostam de dizer, com campos de extermínio dedicados, 24 horas por dia, a transformar seus corpos em fumaça.

Mas aí eu acordei e percebi que o país onde eu estava era o Brasil mesmo, e não o Irã ou a Arábia Saudita. Então respirei aliviado.

Pois é. É justamente num país assim, conhecido pela tolerância com que trata os homossexuais - se têm alguma dúvida, dêem uma olhada nos programas de TV e perguntem quais atores/diretores/produtores NÃO são gays -, que uma minoria organizada de militantes profissionais e seus apoiadores estão enxergando um novo Holocausto homossexual, com neonazistas de cabeça raspada e pastores evangélicos fanáticos armados até os dentes em cada esquina.

E é num país como esse, em que todos - digo e repito: todos (heterossexuais, homossexuais, bissexuais, panssexuais, assexuados etc.) - são IGUAIS perante a Lei, que essa minoria pretende, sob a alegação de combater o preconceito (que existe, não nego), criar uma nova situação jurídica, na forma de uma lei "anti-homofóbica" que, se aprovada, irá institucionalizar o que pretende combater - ou seja: a discriminação, o preconceito, por motivo de opção sexual, apenas com o sinal trocado.

Quem perde com isso? Não o preconceito, certamente. Perde, isso sim, é a liberdade de expressão, sobretudo a liberdade de expressão religiosa (e inclusive a liberdade de os homossexuais expressarem como quiserem sua sexualidade), e a igualdade de todos perante a Lei. Enfim, a própria Democracia, que será tutelada pela censura e pela ditadura do politicamente correto.

Tudo isso, claro, não significa nada para quem escreveu o comentário transcrito acima. Para ela, Democracia e liberdade de expressão só devem existir se for para beneficiar a tribo a que pertence. Quem ousar contestar essa atitude, e lembrar que a Lei é para todos, será rotulado de "homofóbico". A que ponto chegamos.
.
P.S.: Ah mais uma coisa: agradeço a sugestão de leitura. Mesmo não tendo Foucault e Beauvoir lá em alta conta em minha biblioteca particular. Faço apenas uma ressalva quanto ao "leia urgentemente". Para ler um livro, minha cara, deve-se ter tudo menos pressa. Ao contrário, deve-se ler com vagar, com calma. Assim, pelo menos, não corremos o risco de sair por aí espumando de raiva e distribuindo impropérios contra quem pensa diferente. A leitura deve ser um antídoto à intolerância, principalmente quando disfarçada de tolerância.

Nenhum comentário: