quinta-feira, novembro 13, 2008

A ATEMPORALIDADE DO HORROR POLÍTICO - RESPOSTA A UMA LEITORA COM UMA GRANDE SENSIBILIDADE ARTÍSTICA



Há quem não veja nenhuma semelhança entre as duas imagens acima...

Aí vem uma leitora, que se assina "Sumaia Villela", e escreve o seguinte reclamando do meu texto - na verdade, da imagem que eu escolhi para ilustrar o texto - de 25 de fevereiro, "Fidel, o discurso isentista e a filosofia dos eunucos morais", em que eu comentava a reação da imprensa brasileira diante da "renúncia" do Coma Andante, depois de 49 anos mandando e desmandandado na ilha-presídio de Cuba:

"Acho que você deveria saber que o autor do quadro que ilustra seu comentário, o Goya, era revolucionário na sua época. Era simpático aos ideais da revolução francesa, que derrubou regimes monarquistas em diversos países e diminuiu seu poder nos que ainda o mantém. Essa imagem é da invasão da Espanha pela França, e, apesar de ser favorável ao lema "liberdade, igualdade e fraternidade", Goya demonstrou com muita propriedade o horror provocado pela guerra e o massacre realizado pelos franceses. Mas, infelizmente, nada tem a ver com seu assunto, e acho desapropriado utilizar uma imagem que reflete outro tempo histórico para ilustrar um assunto contemporâneo.

Não vou tocar aqui nas discordâncias elementares que tenho, só queria enriquecer seu conhecimento, porque é uma obra de arte belíssima, mas que foi utilizada erroneamente, ao meu ver."

Olha, sei que já disse isso antes, mas ô pessoal esquisito esses esquerdistas, viu? Na falta de argumentos para rebater um texto, resolvem implicar com a imagem que o ilustra. Devem se achar críticos de Arte também. Pena que, com isso, só dão com os burros n'água. Demonstram não só sua visão bastante distorcida do que vem a ser Arte, como sua incapacidade de compreender a relação desta com a realidade atual. Não entendem sequer uma associação simples entre imagem e idéia, assim como são incapazes de entender a ironia. Não deve ter sido por acaso que o melhor que produziram, em termos artísticos, foram os monstrengos do "realismo socialista"... Acho que vou precisar inserir a tecla SAP no blog.

O quadro de Goya - Os Fuzilamentos de 3 de Maio de 1808 - retrata um episódio particular da ocupação francesa na Espanha, durante a Era Napoleônica. Mas não se resume a isso, minha senhora. Como toda obra de arte, ele transcende o espaço físico e histórico em que foi produzido. O quadro é um retrato atemporal do horror político. Não se refere, portanto, a um outro tempo histórico simplesmente, sem qualquer relação com o presente. Do mesmo modo que o Guernica, de Picasso, não se resume a um episódio particular da Guerra Civil Espanhola, mas constitui um símbolo da violência política e da brutalidade fascista, até hoje capaz de nos emocionar e nos fazer pensar. É por isso que os dois quadros são obras-primas.

O que o quadro de Goya demonstra? O horror, a brutalidade de um massacre por uma força de ocupação contra um povo indefeso. Isso não ocorreu apenas na Espanha de então, mas continuou e continua a acontecer, em países como Cuba. Foi por isso que o escolhi para ilustrar meu texto sobre a ditadura dos irmãos Castro, sobre o paredón. Deve ter sido isso que incomodou a autora do comentário. Se o texto fosse sobre a ditadura de Pinochet no Chile, ou sobre Abu Ghraib, será que ela iria querer dar uma aula de História da Arte, dizendo que era "desapropriado" usar tais imagens para ilustrar um assunto contemporâneo?

Para ficar mais claro o que quero dizer, vou colocar, antepostos, o quadro de Goya e uma fotografia do paredón em Cuba. Será que agora a pessoa em questão vai dizer que estou usando imagens "erroneamente"?

O esquerdismo não embota somente a inteligência e a capacidade crítica das pessoas. A sensibilidade estética também.

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