Escreve o Diego, sobre meu último post:
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Concordo com a maior parte do texto, e me parece que o direito aos crucifixos nas repartições públicas é justificada não só pelo aspecto cultural, mas principalmente pela maioria demográfica dos católicos nominais e dos cristãos em geral.
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Mas fica comigo a pergunta: o que Reinaldo Azevedo (e você) pensam sobre a concordata - a meu ver abusiva - entre o Vaticano e o Brasil? Será que não é tão indevido quanto a proibição judicial dos crucifixos? A "minoria perseguida" católica estaria nesse caso sendo indevidamente beneficiada?
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Respondo
Questão interessante. Não sei o que RA pensa sobre o assunto (nem procuro me guiar pelo que ele pensa). Quanto a mim, digo apenas que, pelo que eu andei lendo a respeito, a tal Concordata Brasil-Santa Sé, assinada em novembro de 2008 e que está para ser ratificada no Congresso, tem como principal ponto controverso uma questão trabalhista - o artigo 15, que isenta a Igreja católica de pagar obrigações trabalhistas a seus funcionários no Brasil. Creio que, nesse sentido, pode-se analisar o acordo, à luz do que diz a legislação trabalhista brasileira, e discutir se é algo abusivo ou não.
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Quanto a uma segunda queixa dos opositores da Concordata - a de que estaria em contradição com a laicidade do Estado brasileiro, em claro confronto com o Artigo 19 da Constituição Federal -, creio que há aqui um certo exagero. É verdade que o citado artigo deixa claro que o Estado brasileiro é laico, e que não é permitido assinar qualquer acordo com representação religiosa etc. e tal. Mas não se pode esquecer que o Vaticano não é apenas a sede do catolicismo, mas é também um Estado, reconhecido pela maioria dos países. A Concordata é com a Santa Sé, não com a Igreja católica. O Brasil tem acordos com países como a Arábia Saudita e o Irã, lugares onde não há separação entre religião e Estado. No entanto, jamais vi alguém reclamar contra isso, alegando que o Estado é laico e não pode, portanto, celebrar acordos com esses países, que são também representações religiosas. Do que se conclui que se trata, pelo visto, de mais uma demonstração de "double standard", de preconceito anticatólico. Logo, não me parece que, pelo menos nesse último aspecto, haja qualquer favorecimento indevido a uma religião, em detrimento de outras. Não vejo motivo para tanto alarme, pelo menos nesse quesito.
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Com relação à "minoria perseguida", a tal "minoria" referida não é, na verdade, minoria - a maioria dos brasileiros, até onde eu sei, ainda é, ou se considera, pelo menos nominalmente, católica. A observação de Reinaldo Azevedo, de que os católicos seriam hoje uma "minoria perseguida", tem, claramente, um sentido irônico, e se refere ao fato inegável de que existe cada vez mais um preconceito anticristão e, especialmente, anticatólico no Brasil, impulsionado por decisões como a proibição de crucifixos nas repartições públicas. E assim como existe esse preconceito anticristão, há um preconceito contra homens, brancos, heterossexuais e - claro - "de direita". Muito se fala sobre direitos dos negros, das mulheres, dos gays etc., mas quase ninguém fala dos direitos dos cristãos, é isso que ele quer dizer. Trata-se de uma crítica ao "politicamente correto", que, em nome das "minorias", quer impor a ditadura das mesmas sobre a maioria. Crítica, aliás, que subscrevo totalmente: é certo que democracia não é ditadura da maioria, mas tampouco deve ser ditadura das minorias. É o primado da tolerância, não dos privilégios.
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É isso. Espero ter sido claro.
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Um abraço.
2 comentários:
Muito obrigado pela resposta, que foi bastante clara. Talvez eu tenha cometido um erro ao, sendo breve demais em minha postagem anterior, não ter explicado melhor onde a Concordata Brasil-Vaticano me parece impertinente.
Entendo que a Santa Sé, como Estado, tem total direito a acordos e concordatas. E decerto a questão relevante é a adequação dos acordos à nossa legislação (ou mesmo a adequação da própria legislação à realidade social), não o fato de o acordo dizer respeito ou não a religiões. Nenhum dos acordos com regimes confessionais como o Irã e a Arábia Saudita se refere a aspectos religiosos, somente a aspectos econômicos, diplomáticos e estratégicos; mas se houve neles alguma violação de nossa legislação e a elas foi concedida muito menos atenção que à concordata com a Santa Sé, de fato pode se falar aí de discriminação em relação ao Estado do Vaticano.
Mas isso não pode nos impedir de analisar o acordo com o Vaticano por seus próprios méritos; e a Concordata com a Santa Sé, com interesses religiosos ou não, pode estar sim em desacordo com nossa legislação: um de seus pontos principais - o artigo 11 do texto da Concordata - propõe a obrigatoriedade da oferta do ensino religioso confessional, inclusive católico, nas escolas públicas. Ou seja, não só serve como reafirmação de uma disciplina (ensino religioso - confessional ou interconfessional) cuja presença no currículo escolar já é questionada por setores da nossa sociedade (e de cuja importância eu desconfio seriamente, ainda mais em um ensino que muitas vezes mal consegue ensinar português e matemática decentemente), mas principalmente estaria em desacordo o artigo 33 do texto reformado da Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a versão interconfessional. Tal artigo se caracterizaria como inconstitucional, como defende a dissertação A EDUCAÇÃO NA CONCORDATA BRASIL-VATICANO, de Luiz Antonio Cunha (http://www.scielo.br/pdf/es/v30n106/v30n106a13.pdf).
Estou começando a me inteirar sobre os pormenores acerca do tema - e nisso reitero meu agradecimento por seus esclarecimentos - mas ainda não estou convencido que essa concordata, em seu artigo 11, não caracteriza uma intromissão indevida da Santa Sé na nossa educação.
A cautela para não discriminar não nos pode impedir de escrutinizar e criticar se necessário; e ler textos como os de seu blogue são uma grata ajuda na minha busca por esse equilíbrio dificílimo.
Abraços.
Só vamos falar francamente Gustavo, praticamente todos os direitisas de verdade estão lendo o RA e como ele é um escritor que produz muito (afinal ganha pra isso, ao contrário dos demais blogueiros como eu e vc) ele acaba de certa forma ditando a pauta da blogosfera sim
nem sei se ele dita a pauta, o negócio é q ele escreve sobre tanta coisa, sobre a pauta inteira, q qualquer assunto q abordemos (eu, vc, demais blogueiros) já foi abordado pelo RA
Já há tempos q observo isso, vários blogs sao caixa de ressonância do blog do RA, acho que por que pensamos sim muito parecido com ele, não trata-se de falta de opinião, mas sim de concordância com o bom senso
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