Outro dia respondi aqui a um leitor que pediu minha opinião sobre o Acordo celebrado entre o Brasil e o Vaticano, a tal Concordata Brasil-Santa Sé. O leitor reproduziu uma opinião corrente, segundo a qual a tal Concordata, em um de seus artigos (sobre educação), feria o princípio da laicidade do Estado etc. e tal. Percebi imediatamente um certo exagero anti-católico na questão. Chamei a atenção, por exemplo, para o fato de que o Vaticano é um Estado, e que a Concordata é entre dois Estados, e não com a Igreja católica. Mas, na hora, por falta de maiores informações, deixei para depois uma opinião definitiva sobre o assunto. Fiz então o que pouca gente faz numa hora dessas, e procurei ler o que diz o texto do Acordo. E percebi então que NADA, mas nada mesmo, do que estão dizendo os "defensores do Estado laico" contra a Igreja católica é verdade.
O texto da Concordata, que está para ser assinada no Congresso e motivou até uma nota de repúdio da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros - está aqui: http://www.scribd.com/doc/17322363/Concordata-entre-o-Brasil-e-a-Santa-Se. Atentem para o que diz o Artigo 11, ao que parece o motivo de toda a controvérsia:
Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.
Li e reli o Artigo acima e devo admitir que não encontrei aí nada, absolutamente nada, que fira, por mais remotamente que seja, a separação entre religião e Estado. A mesma conclusão terá facilmente quem o fizer com olhos críticos, e não com espírito de Torquemada às avessas. Não há nada no dito Artigo que cheire à intolerância religiosa, ou à sobreposição de uma crença sobre o princípio da laicidade estatal. Pelo contrário: o texto fala claramente em "observância ao direito de liberdade religiosa" e em "pluralidade confessional". Quando fala do ensino religioso, deixa claro que se trata de matrícula facultativa, ou seja, não-obrigatória, do currículo escolar, não necessariamente destinada ao ensino católico, "em conformidade com a Constituição" etc. etc.
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Em outras palavras: não se trata de impor a doutrina católica, ou qualquer outra - vejam que o texto faz referência a "outras confissões religiosas" -, nas escolas públicas, mas de torná-la facultativa. Ou seja: estuda quem quiser. Ninguém será obrigado a aprender o criacionismo em vez da teoria da evolução natural, por exemplo. Já quanto às aulas de doutrinação ideológica marxista, que se tenta impingir a crianças e adolescentes sob o disfarce de aulas de "filosofia" e "sociologia", não sei se é possível dizer a mesma coisa.
Já escrevi neste blog, e os textos estão aí para mostrar, o que penso do tema religião. Sou ateu, mas nem por isso vou me tornar um inquisidor ao contrário. Se me perguntarem se prefiro o ensino das ciências ou o do Bíblia (ou do Corão, ou dos Vedas), direi que prefiro o primeiro, claro, mas isso não me dá o direito de proibir quem quiser estudar o Novo Testamento de fazê-lo. Aliás, acredito que é justamente o fato de ser ateu que me dá alguma credibilidade para falar do assunto: ao contrário de muitos "ateus" que existem por aí, não o sou apenas contra o catolicismo.
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Está em ação o CCC - Comando de Caça aos Católicos. Não me chamem para esse tipo de coisa. Defendo o Estado laico, não o stalinismo.
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