segunda-feira, agosto 10, 2009

O DIREITO AO PRECONCEITO

Em Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos escreveu que sentia nojo toda vez que ia ao refeitório da prisão onde se encontrava detido por atividades políticas, durante a ditadura do Estado Novo varguista. O motivo, longe de ser a qualidade da comida ou a higiene das instalações, era outro: o cozinheiro da prisão era homossexual. Tamanha era a aversão do escritor alagoano pelo homossexualismo que ele recusava até mesmo a comida servida pelo cozinheiro, que, com seus trejeitos, causava-lhe uma sensação de repulsa física quase instintiva.
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Se fosse vivo hoje, o autor de Vidas Secas e de São Bernardo, reconhecidamente um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa em todos os tempos, talvez o maior no século XX, seria crucificado como preconceituoso e - para usar uma palavra da moda - "homofóbico". Correria mesmo o risco de sofrer uma verdadeira campanha contra ele, com manifestos e abaixo-assinados coletados entre a intelectualidade de esquerda e grupos gays, que veriam nessa sua atitude o cúmulo da intolerância e do desrespeito às diferenças. Provavelmente, até, ele seria processado judicialmente, e teria sua reputação destruída.
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Pode-se tentar agumentar que a ojeriza de Graciliano era causada mais pelas circunstâncias e pelo ambiente sórdido da prisão, onde, como se sabe, a promiscuidade e relações homossexuais estão longe de ser algo raro, do que pela homossexualidade em si, da qual ele, Graciliano, sertanejo de Quebrangulo, interior de Alagoas, conheceu apenas o lado, digamos, menos glamouroso. O argumento não corresponde à realidade. A descrição feita por Graciliano do pederasta - como eram chamados à época os adeptos do sexo entre iguais - não deixa dúvidas de que ele nutria, em seu íntimo, um verdadeiro horror à idéia de dois homens - ou duas mulheres - se tocando e se beijando lascivamente. Era um puritano, um caretão, o Velho Graça.
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Alguém poderia dizer ainda que se tratava de mero preconceito da época, o simples reflexo de um Zeitgeist homofóbico. A tese também não se sustenta. A época em que viveu o escritor e em que se passam os acontecimentos narrados no livro - década de 30 - foi marcada, entre os setores intelectualizados da sociedade de que ele era parte (Graciliano foi militante do Partido Comunista), não pelo repúdio, mas pela tolerância em relação a práticas sexuais consideradas pouco ortodoxas. Muitos artistas e intelectuais de esquerda de renome do período eram, assim como ocorre hoje em dia, notórios homossexuais, vivendo suas vidas homoafetivas de maneira aberta ou não. Em um ambiente assim, convenhamos, sentir nojo, a ponto de recusar a comida servida por um cozinheiro gay, era e continua a ser uma manifestação de preconceito, algo, portanto, imperdoável entre indivíduos ilustrados. Não foi por acaso, aliás, que Memórias do Cárcere, um dos melhores livros de Graciliano, só tenha sido publicado após sua morte. Comunista, seu autor só admitiu postumamente sua verdadeira opinião sobre o assunto.
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Lembrei-me imediatamente de Graciliano Ramos e de Memórias do Cárcere, que li há alguns anos, ao ler a entrevista nas páginas amarelas da VEJA desta semana com a psicóloga Rozângela Alves Justino. O que tem a ver uma coisa com a outra? Muita coisa. Assim como certamente sucederia com Graciliano caso tivesse a audácia de confessar em público sua repugnância pelo homossexualismo, a dra. Rozângela está no centro de uma acirrada polêmica por defender uma terapia que, segundo ela, é capaz de "curar" os homossexuais. Há alguns dias, ela foi punida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e impedida de atender pacientes que desejam "curar-se" do homossexualismo. Acresce que, para justificar sua terapia, agora proibida, ela usa argumentos sobretudo religiosos (é presbiteriana). Pronto! Está aí mais uma "homofóbica", uma inimiga da tolerância e da diversidade. Clinicando há mais de vinte anos, a dra. Rozângela se diz vítima de perseguição por parte de militantes gays, e só aceita ser fotografada cobrindo o rosto, temendo por sua segurança.
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Na opinião dos militantes gays e do CFP, a dra. Rozângela Alves Justino é uma perigosa homofóbica, que usa a ciência para dar vazão a seu preconceito anti-homossexual. É uma pessoa que despreza as diferenças. Não merece, portanto, exercer sua profissão, devendo, em vez disso, responder criminalmente.
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Discordo desse veredicto por várias razões. Eis por quê.
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Em primeiro lugar, a dra. Rozângela não obriga ninguém a deixar de ser homossexual. Quem a procura - e a sua terapia - o faz não porque é impelido por outrem a fazê-lo, mas porque quer. Não há lei que impeça alguém de querer deixar de ser homossexual, por qualquer motivo que seja - inclusive, razões de ordem religiosa. Portanto, pode-se, honestamente, impedir alguém, maior de idade, de tentar deixar de ser gay, se assim o quiser? E pode-se impedir um profissional da saúde, seja médico ou psicólogo, de auxiliar essa pessoa se esta assim o deseja e o solicita? Em outras palavras: não existe o direito de alguém optar por sua sexualidade? Aliás, não é exatamente esse direito - a livre opção sexual - a principal bandeira dos militantes gays? Então, por que ele não se aplica a quem deseja abandonar o homossexualismo? Não existiria aí, na verdade, uma forte dose de heterofobia?
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Em segundo lugar, à pergunta freqüentemente feita - é possível deixar de ser homossexual? -, eu responderia com outra pergunta: é possível deixar de ser hetero e virar gay? Segundo os militantes gayzistas, sim. Aliás, muitos deles não fazem outra coisa senão tentar trazer para seu lado - literalmente - os que não compactuam com seu gosto sexual. Adoram mesmo quando alguém "sai do armário" e se assume como mais um da tribo. Por que, então, restringir o direito de homossexuais mudarem de orientação? Quer dizer que a "livre opção sexual" só vale para quem é ou deseja tornar-se gay? Por que o inverso - deixar de ser gay e tornar-se hetero - não é válido?
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Não sei se, à luz da psicologia e da medicina, o homossexualismo é ou não uma doença, a ponto de merecer tratamento psiquiátrico, e me faltam as necessárias ferramentas científicas para ter qualquer opinião a esse respeito (a quem interessar possa: não, a meu ver, não é doença). Logo, não sei se a punição à dra. Rozângela foi, cientificamente falando, correta ou não. Sei apenas que, se o homossexualismo for uma doença, não há qualquer razão para puni-la; pelo contrário, nesse caso, haverá motivos, isso sim, para elogiá-la por seu pioneirismo. Se, ao contrário, não for uma doença, tampouco há qualquer motivo para permitir que médicos e cirurgiões plásticos realizem operações de mudança de sexo, como atualmente já é feito até pelo SUS. Pois, tanto nesse como naquele caso, o que existe é o atendimento de uma solicitação por parte do paciente, que, por qualquer motivo que seja, não se sente bem com sua sexualidade e deseja mudar. Se cirurgias para mudança de sexo já são consideradas algo plenamente normal e corriqueiro, tanto quanto, por exemplo, uma operação para retirar o apêndice ou as amígdalas, por que então uma terapia para reverter a homossexualidade é uma aberração? Se um transsexual masculino pode requerer do Estado uma intervenção cirúrgica para tornar-se mulher na carteira de identidade, por que um homossexual não pode querer abandonar essa sua condição e optar por ser heterossexual (e, ainda por cima, solicitando os serviços de uma clínica particular)?
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Das duas uma: 1) ou a terapia oferecida pela dra. Rozângela Alves Justino é uma demonstração de preconceito e intolerância, e nesse caso as cirurgias de mudança de sexo - do masculino para o feminimo ou vice-versa - também o são, pois o travesti que o faz está igualmente rejeitando uma orientação sexual em favor de outra; ou 2) não é, e nesse caso, trata-se de um procedimento perfeitamente normal e benéfico à sanidade mental dos pacientes. Em qualquer dos casos, a intolerância e o preconceito não se resumem à rejeição do homossexualismo.
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Por falar nisso, é bom perguntar: o que é um preconceito? Um preconceito é uma idéia, uma opinião, que não passa pelo crivo da racionalidade. É algo, na verdade, que todo mundo - repito: todo mundo - tem a respeito de alguém ou alguma coisa. Logo, implica sempre uma escolha, quase nunca racional, como torcer por esse time em vez de outro. Eu, por exemplo, não tenho problema algum em reconhecer meu preconceito contra quem gosta de ópera ou de comida japonesa, ou de corridas de automóveis. É algo que está em mim, eu simplesmente não consigo explicar: simplesmente penso assim, e pronto. Pode-se ou não concordar com uma opinião (ou preconceito), mas isso quer dizer que se deve proibi-la? Também os homossexuais, no simples ato de serem homossexuais, estão demonstrando eles próprios um preconceito, uma aversão às relações íntimas com o sexo oposto. Do mesmo modo, é um absurdo querer obrigar alguém a não ter preconceito, a não sentir repúdio pelo homossexualismo. O preconceito é inerente à natureza humana. Desde que não se expresse na forma de violência, o preconceito é, em suma, um direito. Querer extirpá-lo da mente das pessoas, ainda mais pela força da lei, é algo que só pode ser descrito como lavagem cerebral. Mais: é um atentado à liberdade de pensamento, uma tentativa de uniformização mental. Algo típico de movimentos totalitários, como o comunismo e o nazismo.
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Aliás, vale lembrar aqui o significado da palavra tolerância: com efeito, tolerar não quer dizer concordar, renunciar ao próprio ponto de vista e aderir a quem pensa ou se comporta de maneira diferente de nós mesmos. Tampouco é aceitar conviver com o diferente, partilhar com ele o mesmo ambiente ou, como no exemplo de Graciliano Ramos, o mesmo prato de comida. Significa, isso sim, aceitar a existência, permitir que o outro pense e aja da maneira que melhor lhe convier, desde que cada um reconheça seu espaço e não procure invadir o espaço do outro. Não é, ao contrário do que vulgarmente se pensa, a ausência de preconceito, que é algo íntimo e pessoal, como fica claro no caso da aversão de Graciliano Ramos pelo cozinheiro homossexual. Do mesmo modo, ser intolerante não é sinônimo de ser preconceituoso: ter preconceitos, como disse acima, é um direito do indivíduo; ser intolerante, ou seja, rejeitar a própria existência do outro a ponto de querer exterminá-lo, varrê-lo da face da Terra por ser diferente, não. Pode-se impor, por lei, a tolerância, o respeito à diferença, mas pode-se, francamente, obrigar todos a renunciarem a seus preconceitos? Mais: isso é algo desejável?
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A militância gayzista é altamente vocal em sua propaganda do homossexualismo, e não se cansa de apregoar as virtudes dessa prática sexual. Há muitos gays, inclusive, que não escondem suas intenções de "converter" heterossexuais à sua "causa", fazendo questão de declarar seu desejo de que todo o mundo ou, pelo menos, uma parcela significativa da humanidade, se torne, um dia, homossexual. Tentam, mesmo, coibir e punir legalmente opiniões que consideram não suficientemente respeitosas e ofensivas a sua grei. O que é a parada do "Orgulho Gay" senão a celebração de uma pretensa superioridade inerente a uma opção, ou condição, sexual? Agora pretendem calar e impedir de clinicar uma psicóloga que oferece tratamento a quem deseja deixar de ser homossexual. Do mesmo modo, tentam fazer passar um projeto de Lei que, se aprovado, irá calar pastores evangélicos que citam a Bíblia para expressar sua opinião religiosa sobre o assunto. Não há como deixar de enxergar nisso uma clara demonstração de preconceito e de intolerância - contra os heterossexuais.
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Assim como outros setores da militância esquerdista, os ativistas gays se dizem os paladinos da tolerância e da democracia, rotulando qualquer um que pense diferente deles de reacionário e troglodita. São extremamente sensíveis a qualquer comentário que lhes pareça minimamente preconceituoso, e se mostram melindrados e ofendidos com a maior facilidade. É uma pena que não demonstrem a mesma sensibilidade em relação a quem pense diferente deles. O que os caracteriza é a extrema suscetibilidade em relação a qualquer manifestação de "homofobia", mas nenhuma em relação à opinião divergente. Esquecem, com freqüência, que a História está repleta de exemplos de homossexuais famosos que foram também tiranos e assassinos, como muitos imperadores romanos (Nero e Calígula vêm logo à mente) e os membros das SA nazistas - quantas pessoas sabem que as tropas de choque de Hitler eram formadas por notórios praticantes do antigo esporte da pederastia, e que não escondiam de ninguém essa sua preferência? Esquecem também que o direito a exibir publicamente seu carinho por alguém do mesmo sexo é tão sagrado quanto o direito de um heterossexual sentir repulsa diante disso. Alguém poderia por favor me explicar por que um pastor evangélico, por exemplo, deveria ser obrigado a aceitar que um casal gay troque carícias dentro de um templo durante um culto? A meu ver, ele tem todo o direito de expulsar os namoradinhos a pontapés se o fizerem. Do mesmo modo, nenhum homossexual pode ser privado do direito de tornar-se hetero, se assim o desejar. O direito dos gays acaba onde começa o dos heteros, e vice-versa.
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Como já escrevi aqui antes, é mais difícil praticar a democracia do que defendê-la. Graciliano Ramos sabia disso. Os militantes gayzistas, infelizmente, não.

2 comentários:

Laércio disse...

Evidentemente, vc é uma pessoa culta. É bom encontrar pessoas homofóbicas como vc, pois pelo menos há o que discutir. Em 1o lugar, sugiro que vc preste mais atenção ao comparar gays e nazismo. O nazismo persegiu violentamnete gays, como de resto qq forma de comportamento que não se adequasse aos padrões de eugenia ariana. Basta ver que, registrados, mais de 100 mil pessoas que se declararam pedrastas foram para campos de concentração (veja Bent, código 175) e lá pereceram. Isso num mundo onde todo mundo que podia vivia dentro do armário.
A questão de Graciliano Ramos é mais complexa. Não podemos esquecer que ele cresceu num mundo onde a pederastia era pecado mortal, o ambiente era muito desfavorável a qq manifestação homoafetiva. Cabra macho não dá o cú, e tem nojo de quem o faz. E o fato de ser comunista não tem pq torná-lo mais tolerante. A União soviética reprimiu, e a Rússia de hoje reprime, com vigor manifestações pró-gay, ou qq coisa ligada a liberdades sexuais.
Já o caso da psicóloga teria de ser estudado. Por acaso ela tem alguma publicação sobre seu 'método'? O conselho de psicologia apenas agiu de forma prudente, pois não quer que sejam tratados como doentes mentais pessoas que são saudávies, perfeitamente aptas a viver sua vida social independentemente de suas orientação sexual.Se a psicóçoga tenta ajudar pessoas sexualmente confusas, que se sentem desconfortáveis em sua condição homossexual, e torná-las mais felizes assim, então que venha a público e apresente-se de forma científica, com números. Até o momento, que se saiba, orientação sexual é epigenética, define-se em estágios muito primários do bebê,e a psicologiia não consegue reverter isso. E por que deveria?
Em tempo, esta na hora de rever seus conceitos. Pre-conceito é algo que, como diz vc, todo mundo pensa antes de estudar e ter contato real e pessoal com determinado assunto. Se for de seu interesse, poderemos desenvolver mais esse assunto. larapha@gmail.com

Sandro Fortes disse...

Todos os argumentos deste seu artigo desabam quando você compara os homossexuais militantes com o nazismo, porque como é notório, os nazistas perseguiram, executaram e aprisionaram os homossexuais em campos de concentração. Ou seja, instrua-se mais a respeito. Comunistas como o Graciliano nunca apoiaram os homossexuais em sua luta contra a discriminação e sempre manifestaram sua posição contra quando assumiram o poder. Devemos admirar Graciliano Ramos pelo valor de sua obra, nao porque o autor apoiava idéias preconceituosas, basta lembrar que Ezra Pound, Celine e T. S. Eliot foram anti-semitas, e nem o fato de serem grandes escritores justifica a atrocidade do genocídio ou qualquer outra perseguição a grupos religiosos, étnicos, raciais. E espero que um dia nem a minorias sexuais.