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A revista inglesa The Economist publicou, no dia 13 de agosto, uma chamada de capa e um editorial intitulado "Whose Side is Brazil on?" ("De que lado está o Brasil?"), no qual questiona - no estilo da The Economist, entenda-se - a atual política externa brasileira. Com o subtítulo "Hora de Lula defender a democracia em vez de abraçar autocratas", a revista começa fazendo rasgados elogios ao governo Lula, dizendo que esta é "uma grande época para ser brasileiro", e que "o Brasil está agora em qualquer lista de meia dúzia de lugares que importam no século XXI" etc. etc. Diz que "nenhum encontro internacional, seja para discutir a reforma financeira ou a mudança climática, está completo sem Lula" etc. e tal, e enaltece a "bonomia" e o "instinto de conciliação" que permite a Lula ser chamado de "o cara" por Obama e de "nosso irmão Lula" por Fidel Castro.
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Em seguida, a revista prossegue nos elogios, reconhecendo que essa nova prominência do Brasil é devida em grande parte aos esforços de estabilização econômica mantidos por Lula e iniciados no governo FHC - ao contrário do que nos querem fazer crer os petistas, que depois de anos tentando minar a estabilidade agora reivindicam sua paternidade, a amnésia não tomou conta da imprensa internacional -, o que permite ao Brasil ser uma das últimas economias a entrar em recessão na atual crise mundial e uma das primeiras a sair dela, além de ser um dos pilares do BRIC etc. etc.
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No afã de elogiar o estado atual da economia brasileira, a revista chega a cometer exageros. Diz, por exemplo, que Lula merece aplauso por ter mostrado "coragem política em apegar-se a políticas econômicas responsáveis", ignorando pressões da esquerda para ir em sentido contrário e decretar uma moratória etc. (Ora, não é preciso coragem política, nem mesmo inteligência, para pular fora de um barco que está afundando, e foi isso que Lula e sua equipe fizeram em 2002: eles perceberam que, se não mudassem o discurso e adotassem a política econômica de FHC, que antes condenavam, não teriam como governar.) A revista vai além, e exagera ao ponto da mistificação, ao elogiar Lula por seu "instinto racional em economia", que "o transformou de protecionista em campeão do livre comércio" (!). (Qualquer um com um mínimo de conhecimento sobre a política comercial brasileira sabe que isso não é verdade.) Também a afirmação de que Lula, a despeito de seus altos índices de popularidade, "rejeitou sabiamente a idéia de mudar a constituição para garantir um terceiro mandato" não corresponde aos fatos, e qualquer um que tenha acompanhado as notícias nos últimos três ou quatro anos no Brasil sabe disso perfeitamente. (Lula deixou sua tropa de choque atuar livremente, recusando-se a desautorizar os que queriam um terceiro mandato para ele, para ver se dava certo.)
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Mas essa não é a questão principal. À primeira vista, a revista é só elogios, e o texto até parece matéria paga. Alguns petralhas mais afoitos inclusive se aproveitaram disso, editando e falsificando o editorial para parecer que ele só fala coisas boas de seu ídolo ("viram só? Até a dieconómiste tá falando bem de nosso guia genial e mestre!"). Mas não é nada disso. O editorial (quem quiser ler o original acesse aqui: http://www.economist.com/opinion/displaystory.cfm?story_id=14214011), ao mesmo tempo em que elogia o governo Lula - por virtudes que não são dele, mas vá lá -, é importante e merece ser lido e comentado por chamar a atenção para algo que está passando despercebido no Brasil. "Olhem mais de perto", diz a revista, e o legado do governo Lula "arrisca-se a parecer frustantemente ambíguo". Isso porque, "Acima de tudo, o Brasil precisa decidir o que representa e quem são seus verdadeiros amigos - ou corre o risco de outros fazerem essa escolha por ele".
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O editorial analisa então a relação do Brasil com os BRICs, mencionando que os dirigentes brasileiros preferem ver o País como uma potência "do Sul", mais do que ocidental, um líder do mundo em desenvolvimento, e adianta que isso pode ter um aspecto positivo. Mas lembra que a China ajudou a bloquear o pleito brasileiro a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e que a Índia fez muito para fazer afundar o livre comércio. E esse viés Sul-Sul da diplomacia brasileira tem outros aspectos mais negativos.
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A revista diz que, embora tenha renunciado a ter armas nucleares, aderindo ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) - em 1998, no governo FHC, logo não é algo do governo Lula -, o que, segundo a revista, é algo admirável, o Brasil se recusa a assinar um protocolo de salvaguardas avançado, e nega acesso total de inspetores internacionais a suas instalações nucleares civis. Mas isso não é o mais inquietante: o governo Lula, prossegue a The Economist, tem mostrado um "intrigante desprezo pela democracia e pelos direitos humanos além de suas fronteiras". Ao lembrar que "grupos de direitos humanos reclamam que na ONU o Brasil se alinha com países como a China e Cuba para proteger regimes abusivos", a revista menciona o fato de que Lula parabenizou Mahmoud Ahmadinejad nas eleições fraudulentas do Irã, tendo comparado os protestos da oposição aos de uma torcida de futebol após a derrota em uma partida. E recorda que, não por acaso, a primeira visita ao estrangeiro de Ahmadinejad após a posse será ao Brasil. A The Economist aponta, ainda - quero crer que ingenuamente -, que Barack Obama tem pedido que Lula "use sua influência" para persuadir seu convidado a suspender seu programa nuclear, e lembra que, se o Brasil assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas em janeiro, terá de lidar com a questão das sanções ao Irã. Convenhamos: com esse pano de fundo, será difícil esperar uma atitude "neutra" e "equilibrada" do Brasil na questão.
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Embora naquele modo extremamente polido que a caracteriza, a The Economist acerta em cheio ao identificar um tácito antiamericanismo - eu retiraria o "tácito", mas deixa pra lá - nessas atitudes do governo Lula. Assim como presta um serviço importante à verdade ao constatar que isso custa caro ao Brasil na América Latina, sobretudo diante dos arreganhos expansionistas e megalomaníacos de Hugo Chávez, lembrando que "Se agora há o temor de uma 'nova guerra fria' na região, como alguns no Brasil temem [e.g.: Marco Aurélio Garcia et al], o homem que ameaça começá-la não é o sr. Obama, mas um dos amigos mais próximos de Lula, Hugo Chávez". E dá como exemplos a recente tentativa dos bolivarianos de tomarem Honduras (a revista chama o movimento que derrubou Zelaya de "golpe mal conduzido", mas tudo bem) e, principalmente, as ameaças de guerra de Chávez contra a Colômbia por causa do acordo militar desta última com os EUA para combater o narcotráfico na região. E vai direto ao ponto: "Somente os paranóicos imaginam que isso [o acordo militar Colômbia-EUA] é uma ameaça à Venezuela ou à Amazônia. No entanto, o Brasil escolheu expressar preocupação com as bases enquanto permanece em silêncio sobre a escalada armamentista de Chávez e as provas claras de que gente dele vendeu armas às FARC." E encerra: "Ninguém espera que o Brasil aja como o xerife da América. Mas é do seu próprio interesse impedir uma nova guerra fria na região. O caminho para fazê-lo não é confundir democratas com autocratas, como Lula parece pensar. É constranger o Sr. Chávez ao dar uma declaração clara e pública em favor da democracia - o sistema que permitiu a um pobre operário metalúrgico chegar ao poder e mudar o Brasil. Por que outros países deveriam merecer menos?"
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A revista, como se vê, vai direto ao âmago da questão, apontando para algo que está sendo sistematicamente ignorado no Brasil. A política externa do governo Lula, por alguma razão que desafia a lógica (ou por alguma razão inconfessável), é apresentada por grande parte da imprensa brasileira como um sucesso de público e crítica. A The Economist revela que, lá fora, não é bem assim que as coisas são vistas. Aqui e ali, já se começa a perguntar aonde pode levar uma política externa que está se lixando para a democracia e os direitos humanos, e que mesmo assim pretende representar parte da humanidade. É uma pena que, no Brasil, estejam olhando para outro lado.
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Tenho apenas uma objeção ao editorial da The Economist, além das que já fiz no começo deste texto. A meu ver, o título da matéria não deveria ser uma pergunta. Na verdade, não há nada de "intrigante" na opção de Lula e cia. de apoiar ditaduras como a cubana e a iraniana, além de ignorar as provas contundentes de que o governo Chávez está fornecendo armas às FARC. Bastaria aos editores da The Economist cavarem um pouquinho mais e descobririam as relações entre esses atores e o Foro de São Paulo. Garanto que, se o fizessem, todas as dúvidas e perplexidades sobre os descaminhos da diplomacia brasileira se desvaneceriam em cinco minutos.
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À guisa de ilustração, vou citar aqui alguns fatos ocorridos nos últimos seis anos, que respondem claramente à indagação-título do editorial da revista:
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- Março de 2003 - A ditadura comunista de Fidel Castro em Cuba manda fuzilar três pessoas que queriam fugir do país e aproveita para condenar a longas penas de prisão 78 dissidentes políticos. Em reunião no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil se abstém de condenar a tirania cubana;
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- Setembro de 2006 - O governo de Evo Morales "nacionaliza" duas refinarias da Petrobras na Bolívia, que são ocupadas por tropas do Exército. O governo Lula aceita passivamente;
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- Maio de 2007 - O protoditador da Venezuela, Hugo Chávez, fecha a rede de rádio e TV oposicionista RCTV. O governo Lula não vê nada de mal na medida, e a justifica como algo "perfeitamente legal";
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- Julho de 2007 - Dois pugilistas cubanos tentam fugir para a Alemanha durante os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. Imediatamente, e a pedido de Fidel Castro, o ministro da Justiça Tarso Genro manda a Polícia Federal caçar e capturar os dois fujões, que são enviados às pressas, na calada da noite, dentro de um avião fretado por Hugo Chávez de volta à Cuba. Tarso Genro afirma que os atletas "se apresentaram voluntariamente" e "praticamente imploraram" para voltarem à ilha. Algum tempo depois, um deles consegue escapar para a Alemanha;
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- Fevereiro de 2008 - O ditador perpétuo de Cuba, Fidel Castro, "renuncia" ao governo, que passa a seu irmão, Raúl. Em entrevista à imprensa, Lula declara esperar que os exilados cubanos - cerca de dois milhões - não voltem à ilha;
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- Março de 2008 - O Exército colombiano mata o número dois das FARC, Raúl Reyes, num ataque a uma base guerrilheira em território do Equador. O governo equatoriano de Rafal Correa protesta contra o governo da Colômbia, alegando violação da soberania territorial do país. O governo Lula coloca-se inteiramente ao lado de Correa e de Hugo Chávez contra a Colômbia, desprezando as provas abundantes encontradas no laptop de Reyes, de que Correa e Chávez dão abrigo e apoio material às FARC. Em entrevista ao jornal francês Le Figaro, Marco Aurélio Garcia, "assessor de relações internacionais" de Lula, declara que o governo brasileiro é "neutro" em relação às FARC. Algum tempo depois, em 31/07, a revista colombiana Cambio divulga provas de que as FARC mantém ligações com importantes figuras do governo Lula. Nada mais se fala sobre o assunto;
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- Dezembro de 2008 - Em reunião na Costa do Sauípe, na Bahia, o governo Lula patrocina a entrada de Cuba no Grupo do Rio - sem pedir nada em troca;
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- Dezembro de 2008-Janeiro de 2009 - Forças israelenses atacam bases do grupo terrorista palestino Hamas na Faixa de Gaza. O governo Lula condena a "reação desproporcional" de Israel, esquecendo-se que o Hamas jurou varrar o país do mapa;
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- Maio de 2009 - São realizadas eleições presidenciais no Irã, fraudadas a favor de Mahmoud Ahmadinejad. Eclodem protestos e manifestações de rua contra a fraude. A polícia religiosa prende e mata diversos manifestantes. Numa declaração memorável, Lula afirma que os protestos e as mortes no Irã são uma questão, sabe, de vascaínos versus flamenguistas;
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- Junho de 2009 - Em reunião da OEA em Honduras, o Brasil vota a favor da suspensão da exclusão de Cuba da organização, sem que fosse apresentada à ditadura cubana qualquer condição - novamente, não se fala em liberdade para os presos políticos, fim da censura, eleições livres e plurais, nada disso;
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- Junho de 2009 - O Congresso e o Judiciário, com o apoio das Forças Armadas e da maioria da população, depóem Manuel Zelaya da presidência de Honduras. Zelaya é deposto porque tentou dar um golpe civil, convocando um referendo ilegal e inconstitucional para reeleger-se ao estilo chavista. O governo Lula prontamente condena o "golpe" - não o de Zelaya - e exige o retorno do golpista Zelaya ao poder;
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- Julho de 2009 - Em reunião da União Africana na Líbia, à qual comparece como convidado, Lula é chamado de "meu amigo, meu irmão" pelo ditador líbio Muamar Kadafi, e recebe o agradecimento do ditador do Sudão, Omar Al-Bashir, pela posição do governo brasileiro na questão de Darfur (300 mil mortos desde 2003, mas o Brasil se recusa a condenar o regime de Cartum no Conselho de Direitos Humanos da ONU).
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Creio que os exemplos elencados acima falam por si mesmos. Ao contrário do que indaga a The Economist, Lula já decidiu quem são seus verdadeiros amigos. Alguém ainda tem alguma dúvida sobre de quem se trata?
Um comentário:
quem nao seria tirano, o PSDB que nem sua policia paga bem?
Quem nao seria o "burro", Serra que mentiu ser mestre e doutor?
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