segunda-feira, junho 16, 2008

LUTA ARMADA - VELHAS E NOVAS FALÁCIAS



Capitão Charles Chandler, metralhado por um comando da ALN e da VPR em 12/10/1968: morto em nome da luta pela democracia, segundo a esquerda


No meu último post, reproduzi um artigo de Marco Antonio Villa publicado em 19/05 na Folha de S. Paulo sobre as falácias da esquerda a respeito da luta armada dos anos 60 e 70 no Brasil. O artigo é excelente. Com algumas exceções pontuais, que pretendo discutir em outro post, o texto de Villa é impecável.
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Agora, a mesma Folha publica um artigo assinado por dois professores, Aloysio Castelo de Carvalho e Liszt Benjamin Vieira, contestando as afirmações de Villa. Não por acaso, seus autores são ex-militantes de organizações armadas de esquerda (POLOP e VPR, respectivamente). No texto, que trascrevo a seguir em vermelho, os autores se esforçam para rechaçar a conclusão óbvia de que os terroristas queriam derrubar a ditadura para instaurar outra, comunista. Querem manter viva a lenda dourada criada em torno dos heróicos guerrilheiros que sacrificaram tudo altruisticamente em nome da... democracia (?!). O texto deles vai na íntegra. Meus comentários estão em azul. Os grifos também são meus.
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Luta armada a favor ou contra a ditadura?
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Artigo - Aloysio Castelo de Carvalho e Liszt Vieira
Folha de S. Paulo
16/6/2008


Superestimar critérios documentais tem levado alguns historiadores a dizer que a esquerda não lutou por uma causa democrática
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NO ARTIGO publicado nesta Folha em 19/05 ("Falácias sobre a luta armada na ditadura", "Tendências/Debates"), Marco Villa rediscute a ditadura, atribuindo responsabilidades pela emergência do autoritarismo em 1964 tanto à direita quanto à esquerda. A abordagem dissocia as esquerdas das conquistas democráticas.

Perceberam o tom de crítica ao autor que ousou "dissociar as esquerdas das conquistas democráticas"? Pois é. Esse pessoal da esquerda acha que democracia é só com eles, somente eles a defendem. Mais que isso: foram eles que a pariram. Isso fica claro no texto. Adiante.

A superestimação dos critérios documentais, em detrimento de conseqüências políticas democráticas que não constituíam proposta predominante no discurso da esquerda armada, tem levado alguns historiadores a afirmar que a esquerda lutou contra a ditadura, mas não por uma causa democrática. Ou seja, a direita e a esquerda eram antidemocráticas. A primeira defendia a ditadura militar, e a segunda, a do proletariado.

Antes de iniciar a crítica ao artigo propriamente dita, é bom apontar um lapso (?) no texto: nem toda a "direita" - no sentido que lhe dão os autores - defendia a ditadura militar. A menos que se considere alguém como o jurista Sobral Pinto, por exemplo, um radical esquerdista, o que está longe de ser verdade. Em 1964, a totalidade da direita - inclusive a imprensa - apoiou, sim, a derrubada do governo Goulart. Mas logo se desencantou com o regime, passando para a oposição. Um setor considerável, em especial a UDN, esperava que os militares devolvessem o poder rapidamente aos civis e restabelecessem a normalidade constitucional. Por se opor ao governo Castello Branco, o maior direitista brasileiro do período, Carlos Lacerda, foi cassado pelo regime, tendo de amargar o exílio. Logo, uma afirmação claramente falsa, logo no início. Continuemos.

A tese ignora que uma ação política pode gerar resultados não intencionais de grande repercussão. Assim, a luta armada contribuiu para o enfraquecimento da ditadura e o retorno da democracia, em que pese as intenções iniciais de seus agentes.

Esse pessoal não perde tempo. Diante de provas irrefutáveis, apresentadas pela própria esquerda armada, trata de refutar o que a História diz com todas as letras. Não sendo mais capazes de sustentar, com fontes e documentos, a mitologia criada em torno das esquerdas no período - derrubada pela simples leitura dos documentos das organizações armadas de esquerda, reunidos por Daniel Aarão Reis e Jair Ferreira de Sá em Imagens da Revolução, dos quais nenhum (nenhum!) fala sequer remotamente em restaurar a democracia -, os órfãos da ilusão marxista tentam tapar o sol com a peneira. Agora falam em "superestimação de fontes documentais" (?) - como se as fontes documentais não fossem a base de qualquer estudo histórico sério. Mais: apelam para os supostos "resultados não-intencionais" da luta armada no Brasil.
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Trocando em miúdos, a tese dos autores é a seguinte: os guerrilheiros não eram democratas, não queriam a democracia; eram autoritários, queriam a ditadura. Mas as suas ações, a luta armada em si, teve efeitos democráticos de longo prazo. É isso mesmo que você leu: não queriam saber de democracia, desprezavam-na, mas sua luta, apesar disso e deles próprios, teria contribuído para a volta da liberdade; era, portanto, uma luta democrática... É a velha teoria vanguardista, dos guerrilheiros como a "vanguarda da sociedade contra o arbítrio". Pura balela.

Assim como não era objetivo dos terroristas restaurar a democracia, e sim instaurar outra, comunista, em seu lugar, a conseqüência prática de suas ações não foi o enfraquecimento, mas o fortalecimento, da ditadura militar. Ou, usando um linguajar jurídico, inexiste liame causal entre uma coisa (a luta armada) e outra (a redemocratização).

Basta ver as datas. A luta armada ocorreu entre 1965 e 1974, quando então foi totalmente aniquilada. É justamente nesse período que o regime dos generais se consolida e, sobretudo após 1968, com o AI-5, atinge seu ponto culminante. É somente após a destruição dos grupos guerrilheiros, em 1974, que o regime começa a dar sinais de fraqueza, e começa o processo de abertura política. Esta não teve nada a ver com a luta armada, até porque esta já havia deixado de existir.

Muitos grupos de esquerda simpáticos à luta armada antes de 1968 não desprezavam a luta política e somente após o AI-5 escolheram o caminho militarista. A barbárie repressiva não foi uma resposta à luta armada, embora esta tenha sido utilizada como justificativa para o recrudescimento da política repressiva, que foi ampliada desde 1964 de acordo com a resistência da sociedade, da qual fizeram parte os grupos de esquerda.

Mentira. Nada disso inviabiliza a tese de Villa. O fato de haver grupos que optavam pela via política e não pelo caminho armado, como o PCB e a AP, não retira da luta desses o caráter totalitário. Podiam diferir dos grupos armados nos métodos, mas não no objetivo final, que era um regime comunista ou socialista, logo não-democrático. É verdade que as ações armadas se intensificaram depois de 1968, mas é uma mentira afirmar que foi somente após o AI-5 que a esquerda armada fez sua opção pelo caminho militarista: é no período 1964-1968 que surgem as principais dissidências armadas de esquerda, como a ALN (surgida em 1967), a VPR e o PCBR (ambos em 1968). Já em 1966, a AP realiza a primeira ação terrorista do período, o atentado à bomba contra o general Costa e Silva no aeroporto do Recife, em 25 de julho, que deixou dois mortos e dezenas de feridos. Além disso, como deixam claro autores inclusive ligados à esquerda, como Daniel Aarão Reis e Denise Rollemberg, o projeto guerrilheiro é anterior ao próprio golpe de 64: já em 1961 - em pleno regime democrático, portanto -, as Ligas Camponesas de Francisco Julião mantinham vários acampamentos de guerrilha espalhados pelo País, e muitos de seus integrantes iam regularmente fazer treinamento guerrilheiro em Cuba. Isso aconteceu - é bom lembrar - três anos antes do golpe de 64.

Aliás, é bom que se diga: a luta armada jamais esteve fora dos planos da esquerda, mesmo da mais moderada. O PCB de Luiz Carlos Prestes, por exemplo, mesmo duramente criticado como "reformista" e "pacifista" pelos que se lançaram à aventura da guerrilha, sempre deixou claro, em seus documentos e resoluções, que se opunha ao foquismo castro-guevarista por razões táticas, e não porque era contra, por princípio, a luta armada. Nunca é demais recordar que foi justamente ele, o partido de Prestes, que desencadeou a primeira tentativa de revolução armada comunista no Brasil, em 1935. Nos anos 50, em pleno governo constitucional, o partido estimulou uma guerrilha camponesa na região de Trombas e Formoso (GO). Sobretudo após 1958, com a perspectiva de assalto pacífico ao poder, o PCB adota uma linha cada vez mais legalista. Mas, a exemplo do que ocorre até hoje com partidos como o PT, a guerrilha jamais esteve fora de seus cálculos para a tomada do poder.
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Sobre a afirmação de que a repressão não veio como resposta à luta armada,mais uma mentira. Após a "limpeza" de 1964, a repressão política só atingiu seu ponto culminante a partir de 1968, justamente como reação aos atentados da esquerda. Pode-se discutir se o AI-5 foi ou não conseqüência direta da luta armada, mas é inegável que, não fosse essa, ele dificilmente teria ocorrido. Não é por acaso que os "anos de chumbo" do terrorismo, 1968-1974, coincidem perfeitamente com os de maior repressão política. A luta armada serviu tanto aos interesses da linha-dura militar, como fato ou como pretexto, que, mesmo quando o terror de esquerda já havia sido dominado, sempre que os milicos queriam justificar o endurecimento do regime, apelavam para o fantasma da guerrilha (leiam as memórias do ex-presidente Geisel, nas quais ele afirma claramente que foi o espectro da luta armada que alimentou a linha-dura e ajudou a prolongar a ditadura). Mesmo tendo desaparecido, o terrorismo de esquerda continuou colaborando para justificar a repressão sobre a sociedade - e não para abrir o regime.
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A ampliação do autoritarismo após 1968 foi antecedida por instabilidades políticas e crises nas Forças Armadas. O ambiente de contestação se expressou na Frente Ampla e na derrota do governo no caso Moreira Alves, nas greves operárias em Osasco (SP) e Contagem (MG) e nas passeatas estudantis e protestos da classe média liderados pela esquerda.

A violência sempre foi cultivada pelos dirigentes militares, situando-se no centro da estratégia para consolidar o autoritarismo, cujo propósito era desmobilizar e despolitizar a sociedade e impor um modelo econômico que privilegiasse a rápida acumulação capitalista naquele contexto de Guerra Fria.

Típica bobagem retórica esquerdóide para fazer a cabeça de alunos de oitava série. Passemos adiante.

A escolha da força para obter obediência levou os órgãos de segurança a uma posição de destaque. Os órgãos da polícia política eram um dos núcleos centrais do poder. Destacava-se o SNI, comandado por generais do Exército, entre eles Golbery, o seu criador em 1964 e idealizador da distensão posteriormente executada por Geisel, chefe da Casa Militar de Castelo Branco, que negou a existência de abusos cometidos pelo regime e primeiro presidente a admitir, após deixar o cargo, a tortura como meio necessário para obter confissões.

Os dirigentes buscaram ampliar as bases do regime com a liberalização, pois, além da eficácia econômica dos anos 70, emergia o problema da legitimidade. A distensão/abertura estava condicionada à institucionalização de um regime pós-autoritário com restrições democráticas. A retirada das Forças Armadas implicava sua substituição por um esquema civil de confiança baseado no partido do governo, de modo a preservar os interesses institucionais dos militares.

Idem. Prossigamos.

Um bom exemplo é a Lei da Anistia, aprovada em 1979, que não permitiu a revisão das ações do aparelho militar, protegeu sua autonomia e reforçou o sentimento de impunidade das Forças Armadas. A sociedade deixou de conhecer os agentes e as engrenagens da repressão, a instituição militar não foi colocada em debate sobre os papéis que vinha desempenhando na política e a opinião pública não discutiu os valores necessários à construção de uma democracia.

Independentemente da discussão sobre a justeza ou não da Lei de Anistia, o fato é que ela perdoou os crimes cometidos pelos dois lados, tanto da repressão como da luta armada. A impunidade, portanto, não foi unilateral. Não sei de onde os autores retiraram a afirmação de que "a sociedade deixou de conhecer os agentes e as engrenagens da repressão" - a quantidade de livros, artigos e depoimentos que citam os torturadores nominalmente, e os métodos da repressão política, são suficientes para, enfileirados, dar uma volta completa na Terra. Os nomes dos torturadores, e seus métodos, até mesmo pela hegemonização da História do período militar pela esquerda acadêmica, são de todos conhecidos. Ao contrário de muitas ações da esquerda armada no período, como os chamados "justiçamentos" - o assassinato a sangue-frio de militantes por seus próprios companheiros de luta armada, por simples suspeita de traição -, sobre os quais, até o momento, a esquerda prefere manter um silêncio de pedra. Do mesmo modo, a instituição militar, por causa dessa propaganda, jamais foi tão denegrida e vilipendiada. Concordo apenas com a última frase: de fato, a sociedade não discutiu os valores necessários à construção da democracia. Isso porque esse debate vem sendo monopolizado, há uns trinta anos, pela esquerda, que de democrática tem muito pouco, como a luta armada.

Todas as formas de luta contra a ditadura devem ser vistas como um direito legítimo contra a opressão política. Até Locke, o mais liberal dos liberais e um dos inspiradores das revoluções americana e francesa, sustenta que o povo tem o direito à resistência quando o Estado usa a força sem direito e sem justiça.

Todas as formas? Têm certeza? Inclusive o terrorismo? Inclusive fazer em pedaços o corpo de um recruta de 19 anos na explosão de um carro-bomba? Inclusive esfacelar a coronhadas o crânio de um tenente da PM capturado após render-se? Inclusive exterminar, a queima-roupa, um militar norte-americano pelo único crime de ele ser militar e norte-americano? Que vínculo existe entre esses atos de terror ensandecido e a volta das liberdades democráticas no Brasil?

Uma das teses preferidas da intelligentsia esquerdista é que a luta armada serviu para demonstrar a insatisfação da sociedade com a ditadura. A tese é furada, em primeiro lugar, porque a sociedade, pelo menos até o fim do "milagre" econômico, em meados dos anos 70, não estava descontente com o regime coisa nenhuma. Pelo contrário: embalada pelos altos índices de desenvolvimento econômico, ela, sobretudo a classe média, aplaudia a ditadura. O presidente Médici, por exemplo, era extremamente popular. Por isso que a luta armada não passou de uma luta isolada, sem apoio da população. Foi por isso, também, que a sociedade buscou outras formas de resistência ao arbítrio dos militares, todas legais, como bem explica Marco Antonio Villa. Desde quando explodir bombas e seqüestrar diplomatas estrangeiros era a única forma de expressar essa insatisfação, aliás inexistente? A luta armada não se fez sob a égide de Locke ou de qualquer outro pensador liberal. Seus referenciais eram outros: eram Lênin, Stálin, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro.

Alegar que a redemocratização teria alguma relação com a luta armada já é de uma desonestidade sem tamanho. Tentar usar Locke para justificar uma luta que era pela implantação, nestas terras, de uma ditadura totalitária, é simplesmente demais. Não tem nem como qualificar isso. É cascata da grossa. Pura safadeza.

As regras não eram legítimas, como hoje são as da democracia, reconquistada após os projetos dos militares serem derrotados no campo institucional, a partir da pressão de uma ampla mobilização de oposição que se formou entre 1974 e 1985 e da qual participaram os grupos de esquerda.

O fato de as regras políticas não serem legítimas em um regime autoritário não diz nada a favor dos que quiseram substituí-lo não pela democracia, mas por uma ditadura totalitária. Os próprios autores se contradizem, ao reconhecerem que a derrota da ditadura ocorreu no campo institucional, e não por qualquer outra via. Admitem que a mobilização da oposição que teria posto fim à ditadura ocorreu entre 1974 e 1985, o que é inegável. Justamente no período em que a luta armada já havia sido dizimada, não tendo, portanto, capacidade alguma de influir no processo político. Como, então, dizer que a luta armada teve, como uma de suas "consequências não-intencionais", o fim da ditadura?
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Esse é o método dos esquerdistas: baseiam-se em verdades para propagar mentiras. Baseiam-se no fato de que o Brasil vivia um regime autoritário (verdade) para dizer que todos que se opunham aos militares eram democratas (mentira). Daí, defendem que a luta armada, por ser contra a ditadura militar (verdade), era, no fundo, democrática (mentira). Com isso pretendem aparecer como os campeões da liberdade e da democracia, tolhendo o debate e rotulando qualquer um que denuncie suas imposturas, como Marco Antonio Villa, como um defensor da ditadura e do autoritarismo. Não conheço nada mais desonesto do que isso.

Se a esquerda reconhece os equívocos da luta armada após 1968, a ela não devem ser atribuídas certas responsabilidades políticas cujo objetivo primeiro é enfraquecê-la moralmente como aliada do atual governo.

Falso. O próprio texto é uma demonstração de que a esquerda - pelo menos a fração da esquerda nostálgica da guerrilha - não reconhece os equívocos do passado ("só" equívocos? não seriam crimes?). Pelo contrário: os enaltece e os reivindica.
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Restabelecer a verdade dos fatos, e não reforçar velhos mitos revolucionários, é uma questão de honestidade intelectual, e não de enfraquecer moralmente os aliados do atual governo. Até porque, convenhamos, este mesmo trata de criar, diariamente, farto material para se desmoralizar a si próprio.
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E, para isso, não precisa da ajuda de nenhum historiador.

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