segunda-feira, junho 30, 2008

UMA LEI IDIOTA


Situação 1: uma pessoa heterossexual flerta com outra, do sexo oposto, e é rechaçado(a) por seu objeto de desejo. Ferido(a) em seu orgulho de macho - ou fêmea - heterossexual, a pessoa em questão se sente vítima de preconceito. Pior: sente-se discriminado(a) por sua opção sexual. Ofendido(a) em seus brios, apela para a lei e ganha na Justiça o direito a ser ressarcido(a) pela ofensa sofrida. A pessoa que o(a) repudiou vai parar na cadeia.

Situação 2: numa roda de amigos, alguém brinca com o jeito peculiar de um dos presentes, conhecido por sua fama de "machão", e brinda-o com uma sucessão de piadas, que o retratam como um "porco chauvinista", um "troglodita homofóbico", um "cafa". Considerando-se vítima de preconceito, o sujeito processa o piadista e ganha uma generosa indenização.

Acharam um despautério? Eu também acho. As duas situações descritas acima, claro, são absurdas. Não há lei que obrigue alguém a aceitar as propostas amorosas de outra pessoa, nem que penalize o autor de uma piada de mau gosto. Não há - ainda. Porque, se depender dos militantes gays, não estamos tão longe do dia em que situações semelhantes se tornarão corriqueiras, somente com o detalhe de que as alegadas vítimas de preconceito serão os homossexuais.

O PLC 122/06 - o tal projeto de lei contra a discriminação a homossexuais, que já passou pela Câmara e encontra-se atualmente no Senado, e que tanto barulho tem provocado - abre uma janela para que tais situações absurdas ocorram. O projeto de lei pune com a força do Estado qualquer um que cometer uma ação que possa ser considerada uma manifestação de homofobia. Desde o começo, existe uma questão semântica envolvida. Homofobia, no sentido do dicionário, é aversão a pessoas do mesmo sexo. Não necessariamente, a homossexuais. Logo, é algo mais adequado para descrever o comportamento de certos homossexuais, que têm verdadeiro horror às práticas geralmente associadas ao próprio sexo, do que aos chamados "homofóbicos". No entanto, as palavras "homofobia" e "homofóbico" passaram ao léxico como sinônimos de preconceito e discriminação contra os praticantes de uma determinada modalidade sexual. O que demonstra que, antes mesmo de tal lei ter sido aprovada - e espero, sinceramente, que não o seja -, já conseguiram realizar uma verdadeira revolução no vocabulário.

Isso por si já demonstra o nível de manipulação que cerca o tal PLC. Realmente, há uma grande confusão nessa questão. Prova disso é que se está confundindo, propositalmente ou não, homossexual e gay. Ser homossexual é uma questão pessoal, de foro íntimo. É como preferir este ou aquele tipo de comida, ou professar esta ou aquela religião. Ser gay, ao contrário, é uma postura política, algo bem diferente. O sujeito pode ser homossexual e não compartilhar a causa gay. Pode, por exemplo, viver uma vida homossexual, aberta ou não, ter um companheiro, ser reconhecido como tal e até orgulhar-se de sua condição, sem que nem por isso carregue a bandeira gay ou GLS. Pelo mesmo motivo, há uma Parada do Orgulho Gay, não uma Parada do Orgulho Homossexual. Há militantes gays, não militantes homossexuais.

Os militantes gays, assim como os defensores da política de cotas raciais, construíram um discurso eficiente. Convenceram a muitos de que são os arautos da tolerância e da liberdade, e que todos aqueles que ousarem criticá-los são terríveis homofóbicos e inimigos da civilização. Tentam de todas as maneiras - e estão conseguindo - tachar todos os que discordam do PLC 122/06 como adversários dos direitos humanos. Assim, evitam o debate, desviando a questão.

Na semana passada, um grupo de evangélicos invadiu o Congresso, em protesto contra o PLC 122/06. Alguns pastores levaram Bíblias e gritaram imprecações contra o homossexualismo, condenando a lei que iria transformar o Brasil numa "Sodoma e Gomorra". Ao invadirem o prédio do Congresso, estavam errados, pois tumultuaram um procedimento do regime democrático. Ao invocar a Bíblia para condenar os homossexuais ao fogo do inferno, estavam sendo boçais. Muita gente, certamente, passou a acreditar que o tal PLC é mesmo importante e necessário, diante de tamanha manifestação de intolerância. Os evangélicos, como quaisquer outros, não têm o direito de invadir o Congresso, e isso vale para todos os que já fizeram isso um dia, como os estudantes da UNE e os sindicalistas da CUT. Mas nem por isso se pode querer que sejam penalizados por suas opiniões. A menos que invoquem a Bíblia para insuflar uma turba a se armar de paus e facas e linchar quem pensa ou age de forma diferente deles, estão no seu direito. Têm o direito, inclusive, a ter seus preconceitos.

A questão não é religiosa, como crêem os evangélicos, nem uma questão de vida e morte para garantir os direitos humanos, como querem os militantes gays. É uma questão de liberdade de opinião. É isso, e não uma medida necessária para deter um suposto "genocídio" de homossexuais no Brasil - há quem fale a sério nisso, num país que tem a maior Parada Gay do mundo e em que grande parte dos artistas de TV são homossexuais assumidos. É, enfim, uma conquista da democracia que está sendo ameaçada pelo PLC 122/06, sob o pretexto de impedir-se a discriminação a uma minoria sexual, com base num discurso vitimista. Pelo mesmo motivo por que as leis do País não podem guiar-se por princípios religiosos, não se pode proibir as pessoas de professarem livremente suas crenças. Na verdade, há muito em comum entre os discursos dos gays e dos evangélicos. Ambos são movidos pela intolerância a quem pensa diferente deles. Por já ter exposto meu ponto de vista sobre isso, já fui, inclusive, tachado de homofóbico. O que demonstra a que ponto chegou a manipulação da questão pelos militantes gays.

Sou contra o PLC 122/06 pelo mesmo motivo por que sou contra as cotas raciais nas universidades: porque essa lei, se aprovada, institucionaliza aquilo que pretende coibir - no caso, a discriminação por motivo de opção sexual (contra os heterossexuais) -, é uma clara violação do princípio da igualdade de todos perante a lei e impõe uma polícia da linguagem e do pensamento. Sou contra porque me oponho a qualquer tipo de censura, ainda mais quando travestida de "respeito à diversidade". Porque não aceito a idéia de uma polícia mental ditando regras desde cima, estabelecendo por decreto qual deve ser a expressão mais adequada a ser utilizada para se referir a quem quer que seja, sob pena de multa ou prisão caso se use a palavra errada. Porque, do mesmo modo que não posso aceitar que alguém me diga o que devo ou não devo fazer com meu próprio corpo, não posso admitir que o Estado venha me dizer o que devo ou não dizer, o que devo ou não pensar, para não ferir as suscetibilidades de quem quer que seja. Enfim, porque a lei é um atentado à liberdade de opinião e de expressão. Alguns poetas do politicamente correto chamam isso de "discriminação positiva". Eu chamo de discriminação, pura e simples.

Somos ensinados que as leis existem para tornar a convivência entre os contrários possível, e para evitar que as diferenças - de opinião, de raça, de etnia, sobre futebol - degenerem em guerra civil. É para isso, aliás, que existe o Parlamento, como um espaço da diferença, e não da uniformidade de pensamento. Pois bem. A tal lei anti-homofobia, se aprovada, vai tornar a convivência inviável. Ao determinar o que e como se deve falar sobre o homossexualismo, vai instituir uma polícia da linguagem para regular as relações sociais, vai matar a espontaneidade que lhes deve ser característica, instituindo, em lugar dessa, a ditadura do politicamente correto.

O PLC 122/06 vai na direção da uniformidade, e não da diversidade. Aponta no sentido de impedir a livre expressão do pensamento, e não de garantir a convivência dos contrários. Vai de encontro, portanto, à lei vigente, que garante a liberdade religiosa. O respeito à diversidade, principal bandeira dos grupos gays, ficará permanentemente prejudicado, pois é negado na prática aos que, por um motivo ou outro, não compactuam com essa opção sexual. Estes ficarão impedidos de dizer o que pensam - sempre que quiserem externar uma opinião sobre o assunto, irão primeiro morder a língua e olhar em volta, certificando-se de que não estão sendo vigiados por algum censor de plantão.

Imaginem se fosse baixado um decreto proibindo as pessoas de usarem termos como "judiar" - para se referir aos judeus -, ou "mourejar" - com relação aos árabes. Já estamos bem perto disso, pois, dependendo da interpretação, chamar alguém de "crioulo" ou "negão" já é considerado, graças à praga do politicamente correto, uma ofensa passível de punição penal (tascar um "branquelo azedo", ao contrário, não é visto como manifestação racista). Imaginem se o legislador, em sua sabedoria, resolvesse estabelecer regras para as músicas ou os programas de TV com base em iniciativas como o PLC 122/06. Marchinhas de carnaval como "cabeleira do Zezé" ("olha a cabeleira do Zezé/será que ele é?/será que ele é?"...) e programas humorísticos seriam podados até ficarem irreconhecíveis. Muitos compositores e comediantes terminariam seus dias compondo e contando piadas detrás das grades. Parece exagero? Então leiam o projeto de lei.

Para justificar tamanho engodo, os militantes gays inventaram vários pretextos. Argumentam que a lei anti-homofobia é um avanço na luta pelos direitos humanos, algo semelhante às leis anti-racistas. Dizem ainda que a liberdade de expressão não será prejudicada, pois o que se está tentando coibir é a prática de ações violentas e discriminatórias. Um articulista da VEJA, André Petry, escreveu nesta semana defendendo esse ponto de vista. Os argumentos não se sustentam. Não há analogia com o racismo - os gays, ao contrário dos negros, não estão segregados da sociedade. Não podem dizer que são uma minoria oprimida, como eram os negros no sul dos EUA ou na África do Sul. Em outras palavras: não há escolas segregadas - para heteros somente -, como havia nesses países até há pouco tempo. Também não há qualquer regulamento que impeça a entrada de gays no serviço público - eles estão em todo lugar, e hoje em dia não escondem a cara nem mesmo no Exército, dando-se ao luxo de encenar uma monumental farsa posando de perseguidos e enxovalhar publicamente a imagem da instituição, como ocorreu recentemente no caso dos dois sargentos gays de Brasília. O PLC 122/06 também não irá coibir a violência contra homossexuais, pois para isso já existem outras leis, que garantem os direitos fundamentais do indivíduo. Para que servirá, então?

Não há dúvida de que os homossexuais sofrem discriminação, e inclusive intolerância, por parte de setores da sociedade. É inegável também que certos direitos civis - o de casar-se e adotar filhos, por exemplo - ainda lhes são negados. Pode-se discutir isso. Mas daí a dizer que o Brasil é um país homofóbico, um verdadeiro campo de extermínio de gays e travestis, ou que para conter certos comportamentos é preciso regular a linguagem cotidiana, vai uma grande diferença. Caso seja aprovado, o PLC 122/06 será uma vitória da intolerância, não da civilidade. Uma lei absolutamente idiota, a serviço da cretinice.

Nunca é demais lembrar: a democracia moderna surgiu para garantir a liberdade de opinião. Inclusive, e sobretudo, a liberdade religiosa. Tolher essa liberdade para beneficiar um grupo social é um passo atrás, e não adiante, na luta para tornar reais os princípios democráticos na sociedade. O PLC 122/06 não vai fazer do mundo um lugar melhor. Pelo contrário.

2 comentários:

Leonardo Larrossa disse...

Concordo totalmente. Também sou contrário a esse projeto. Os direitos dos homossexuais devem ser os mesmos dos de qualquer pessoa, como já previsto na constituição, dos direitos e garantias fundamentais; em especial os encisos IV e IX. Isso é mais um lobby de uma minoria organizada e mais uma oportunidade eleitoreira dos congressistas para angariar votos e ganhar visibilidade.

Jonas Vampire Chronicles disse...

Compartilhei agora no meu facebook, artigo escrito com maestria.

"Eu penso que a Lei deve existir pra todos, sou contra estes tipos de Leis que favorecem supostas minorias em detrimento do restante da população e que possuem, ao meu ver, um caráter autoritário inegável.

Como disse o autor, ser homossexual é uma coisa, ser militante gay é outra!

Eu não sou nenhuma defensora da orientação heterossexual, acredito que a orientação ou opção de cada um é algo que precisa ser respeitado (agora a palavra de ordem é orientação, mas eu a questiono)... mas nada de privilegiar uma categoria em detrimento de outra...

Assim como acho um absurdo privilegiarem os negros em virtude de sua etnia. Tratamento igual pra todos!"


Parabéns pelo artigo e pelo blog, já estou seguindo!


Vera Rodrigues-Rath, Alemanha, Donauwoerth.