"Você não pode ser neutro diante da morte. Não fazer nada já é tomar uma posição". (do filme No Man's Land - Terra de Ninguém)
Quem já correu os olhos em algum texto meu publicado neste blog já deve ter percebido que meu forte não é a imparcialidade. Aliás, para ser bem honesto, devo dizer que imparcial não sou mesmo, nem tenho qualquer pretensão a ser neutro. Pelo menos no que concerne ao governo Lula. Quanto a ele, assumo abertamente minha parcialidade, meus preconceitos políticos elitistas e minha visão enviesada ideologicamente. Sou um inimigo figadal e inconciliável do petismo e de tudo que ele representa, e me recuso, teimosamente, a ficar em cima do muro. Portanto, se você está em busca de uma análise isenta, bem-comportada, anódina, burocrática do fenômeno petista e lulista, recomendo que páre de ler este texto agora e entre em outro blog.
Um dos traços mais irritantes - e mais desonestos - do discurso esquerdopata que vem tomando conta do País desde que o Apedeuta chegou ao Palácio do Planalto é a defesa da "imparcialidade". É mais uma forma de enganação travestida de bom-mocismo, no que os petistas são mestres. O que isso significa, exatamente? O seguinte: que, na análise das ações ou omissões do governo atual, a imprensa ou qualquer um que quiser ter uma opinião devem guiar-se não por preferências, digamos, "ideológicas", ou quaisquer outras, mas única e exclusivamente pelo "compromisso com a verdade", ou seja, com a "imparcialidade" e a "neutralidade". Acima de tudo, segundo esse tipo de discurso, é preciso sempre "ver os dois lados" e evitar ao máximo possível emitir "juízos de valor preconceituosos". O "tomar partido", o definir-se, aberta e inequivocamente, contra ou a favor, é considerado um pecado dos mais graves. A neutralidade, tida como sinônimo de honestidade, é vista como uma virtude máxima a ser perseguida.
É claro que tudo isso não passa de uma máscara para tentar encobrir a desfaçatez e a hipocrisia. Durante anos os petistas e seus aliados martelaram a idéia de que a imparcialidade em política era um ideal inalcançável e mesmo desonesto, pois o importante era colocar-se "ao lado do povo", contra "os opressores", os ricos, a burguesia, os latifundiários, o FMI etc. Afirmavam, com todas as letras, que não era possível ser neutro entre os "exploradores" e os "explorados". O próprio nome do partido - dos Trabalhadores - revelava esse viés ideológico. Do mesmo modo, a teologia da libertação - uma das vertentes fundadoras do petismo, ao lado dos sindicalistas e da intelectualidade marxista - trazia em seu bojo a idéia de escolha, de parcialidade, na forma pleonástica da "opção preferencial pelos pobres". Coerentes com isso, os petistas se acostumaram a cobrar da imprensa e de quem quer que seja uma tomada de posição em relação aos problemas nacionais e internacionais, arvorando-se em patrulhas ideológicas e em censores morais da sociedade. Agora que estão do lado de lá da disputa política, tendo enfim botado a mão no pote de ouro - literalmente - do poder, os petistas e seus "companheiros de viagem" pedem compreensão e imparcialidade, quando não a adesão incondicional a seus objetivos. De ardentes críticos da pretensão jornalística à imparcialidade ideológica, passaram a defensores do "nem contra nem a favor, muito pelo contrário".
Em termos práticos, tal atitude - ou, mais apropriadamente, falta de atitude - tem-se expressado em episódios como o da abstenção do senador petista Aloízio Mercadante na votação da cassação de Renan Calheiros, que tanta indignação suscitou nos meios soi-disant oposicionistas. Para não votar contra o atual presidente do Senado, nem comprometer-se com a oposição votando a favor, o distinto senador paulista, tido como uma das faces "respeitáveis" do petismo, preferiu bancar o "gay cívico" e abster-se na votação. Ao fazer isso, quem ele beneficiou? A imparcialidade, a honestidade intelectual? Nada disso. Beneficiou a Renan Calheiros. Este não precisava do voto a favor do senador petista. Sua abstenção bastava.
Outro exemplo: o "acidente" (e só posso colocar a palavra entre aspas) do avião da TAM em São Paulo, em julho passado. Mal foi revelado que a tragédia poderia ter sido evitada caso a ANAC e a INFRAERO, aparelhadas com companheiros petistas, tivesse feito seu dever de casa, e se ouviu o coro dos defensores do governo gritando que se estava tentando "politizar" a questão. Ora, e não é o caso exatamente de se politizar, visto que o desastre provavelmente só ocorreu porque os companheiros trataram de politizar a ANAC e a INFRAERO? "Não politizar" seria, nesse caso, o mesmo que ser "imparcial" na questão. Mas é possível ser imparcial diante da morte de 199 pessoas causada pelo descaso e pela incompetência oficiais, decorrentes do aparelhamento partidário de um órgão público?
Do mesmo modo, no plano internacional, o governo brasileiro vem adotando há anos uma postura abstencionista na Comissão de Direitos Humanos da ONU, sempre que regimes como o de Cuba são chamados a responder pelas violações aos direitos humanos na ilha. O Brasil tenta justificar seu abstencionismo alegando ser contrário à "politização" do assunto. Quem ganha com isso? Fidel Castro, claro. Qualquer semelhança com o caso do avião da TAM e o de Renan Calheiros não é mera coincidência.
Já afirmei, em outra ocasião, que a tese da existência de "duas esquerdas", uma, moderada e moderna, e outra, radical e demagógica, tão em voga na América Latina de hoje, não passa de uma monumental farsa que só beneficia a esquerda "carnívora", mais radical. O mesmo pode ser dito da retórica da "imparcialidade". Esse tipo de discurso de eunucos tem sido responsável pela anestesia política e moral que passou a caracterizar a sociedade brasileira de uns tempos para cá. Assim como a falsa idéia das "duas esquerdas" constitui apenas uma forma de dar cobertura às patacoadas de demagogos como Hugo Chávez e Evo Morales, o apelo à neutralidade, no caso de governos como o de Lula da Silva, serve apenas para fortalecê-lo, impedindo o surgimento de um verdadeiro movimento de oposição. O "compromisso com a verdade", aqui, transforma-se em pura e simples propaganda oficial.
Um dos erros mais grosseiros que se pode cometer é acreditar que a imparcialidade não favorece nenhum lado. A História política do século XX demonstra exatamente o contrário. Tudo que os inimigos da democracia querem não é, num primeiro momento, a adesão de todos, mas a simpatia discreta, ou mesmo, a indiferença condescendente da "maioria silenciosa". É sempre bom lembrar: os comunistas e os nazistas não tomaram o poder porque eram maioria, ou porque gozavam do apoio entusiasmado do conjunto da sociedade. A exigência de adesão total, de uniformidade de pensamento, veio depois, com a tomada do poder. Na primeira fase, precisam apenas que se lhes faça vista grossa, com os "cidadãos de bem" e a grande massa da população indiferentes a suas ações. Uma vez no controle do Estado, aí sim, tratam de tentar impor a todos sua visão de mundo totalitária. No Brasil, estamos ainda na primeira fase desse processo, mas já começam a aparecer sinais, com as articulações para a mudança da Constitução para garantir o terceiro mandato presidencial e a criação de uma TV pública, por exemplo, de que começamos a marchar rumo à segunda fase, a da consolidação do Estado totalitário petista.
O discurso da imparcialidade só se justificaria caso não conhecêssemos Lula e o PT. Mas há muito tempo eles já deixaram de ser uma incógnita. Seus desígnios claramente antidemocráticos e inclinações pró-totalitarismo, revelados pela atuação junto ao Foro de S. Paulo, estão aí para quem quiser ver, e somente a cumplicidade de uma mídia vendida ou temerosa impedem que sejam melhor divulgados. O apoio de Lula a Hugo Chávez e a Fidel Castro - a ponto de devolver de bandeja a este último, como um presente, dois atletas que ousaram tentar desertar da ilha-prisão caribenha - deixa isso claro como água. Além do mais, a corrupção petista, assim como a incapacidade de Lula e de seus comparsas de governar o que quer que seja, já está mais que demonstrada. O que falta para perceber que não se pode confiar numa única palavra de Lula? Logo, não há razão alguma para dar a Lula e ao PT o benefício da dúvida.
Morro de rir quando vejo algum petista ou simpatizante do petismo falando no "dever de imparcialidade" dos jornalistas. Que tipo de imparcialidade se pode esperar da imprensa comprometida com o petismo, como a Caros Amigos e a Carta Capital? Por que somente a imprensa "do contra", de oposição, como a Veja e o Estado de S. Paulo, devem ser imparciais? Então ser "imparcial", no Brasil da estrela vermelha, é ser a favor do governo? Nesse caso, assumo mais uma vez minha parcialidade. E os petistas, quando vão sair do armário?
Não somente em relação ao petismo é preciso ter a coragem de tomar partido. É possível manter-se neutro e imparcial diante do extermínio de milhares de tutsis pelos hutus em Ruanda, ocorrido em 1994? Ou dos bósnios muçulmanos pelos sérvios cristãos-ortodoxos e croatas católicos na Bósnia? Ou dos cristãos pelo governo muçulmano do Sudão? Ou, ainda, diante de tiranias como a de Saddam Hussein no Iraque e de Fidel Castro em Cuba? A ONU acha que sim. O governo brasileiro, tanto o atual quanto o anterior, também. Eu não. Ao contrário da ONU e do governo do Brasil, acredito que ver impassivelmente alguém ser massacrado e sangrar até a morte não é imparcialidade. É covardia. Pior: é cumplicidade com o crime.
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Se olharmos para a História, vamos perceber vários outros exemplos em que a neutralidade constituiu apenas uma desculpa covarde para fugir à ação e à responsabilidade, e que só beneficiou, no final, regimes tirânicos e opressores. Nos anos 30, os governos dos países democráticos como a França e a Inglaterra, temendo parecer "parciais" ou "facciosos", negaram-se a tomar partido na guerra civil que assolava a Espanha, o que só ajudou as tropas do general Franco a esmagar a então nascente República espanhola. Em nome da não-intervenção, acabaram favorecendo a intervenção das forças fascistas. Também em nome dos mesmos princípios de neutralidade e imparcialidade, receando emitir "juízos de valor preconceituosos", fecharam os olhos voluntariamente para a crescente ameaça nazista, abrindo o caminho para o avanço do expansionismo alemão. Querendo aparecer como neutros, terminaram como cúmplices de alguns dos piores crimes cometidos contra a humanidade.
No Brasil de hoje, com os lulistas no poder, não há espaço para imparcialidades de conveniência e neutralismos estéreis. Ou se está contra o petismo ou a favor dele. Não há meio-termo, pois não há outra alternativa entre os que defendem a democracia e os que querem tirar proveito dela para destruí-la. Assim como não há neutralidade diante da morte, não é possível ser neutro diante desse fenômeno.
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