Você já foi um inimigo do povo? Quero dizer, já foi execrado, atacado, denunciado como o cúmplice de um crime nefando? Já se viu praticamente sozinho, remando contra a maré, acusado dos piores delitos de lesa-pátria e de lesa-humanidade? Já se tornou um pária, um proscrito, um Judas, por causa de uma opinião sua? Já viu as pessoas em sua volta se afastarem de você como se tivesse lepra ou alguma outra doença infecciosa? Já mereceu um dia ganhar o prêmio nacional de inconveniência e impopularidade? Eu já.
Aconteceu em 2003. O deflagrador de tudo foi a invasão anglo-americana do Iraque, em março daquele ano. Naquela ocasião, todos se recordam, o mundo inteiro pareceu estar contra os EUA, a começar pela ONU, que rejeitou categoricamente as justificativas da Casa Branca para invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein. O Conselho de Segurança, a União Européia, o Papa, o Greenpeace, Noam Chomsky, todos se levantaram contra esse gravíssimo desrespeito de Bush, Rumsfeld, Rice, Wolfowitz e Cia. pela ordem internacional, um atentado à independência de um país soberano. E o que era pior: por motivos falsos ("fictitious", como disse o Michael Moore naquela inesquecível cerimônia do Oscar), pois, afinal de contas, nunca se comprovou que o Iraque possuía armas de destruição em massa ou tinha qualquer ligação com a Al-Qaeda. Todos foram contra, menos eu. Todos denunciaram o imperialismo de Bush e dos neocons, menos eu. Naqueles dias, eu me senti um Tony Blair, um Aznar, um Berlusconi.
Aquele foi um momento decisivo para mim, um verdadeiro turning point. Desde então, meu isolamento opinativo só aumentou, com as notícias diárias das baixas norte-americanas e da guerra civil entre sunitas e xiitas no Iraque. Compreendo perfeitamente que as pessoas que se indignaram vendo-me aplaudir de forma entusiástica os tanques norte-americanos entrando em Bagdá e os marines derrubando a estátua de Saddam devem estar esfregando as mãos de satisfação ao verem, hoje, as previsões mais sombrias sobre o Iraque pós-invasão se realizarem. Acredito que imaginam que eu estaria mordendo a língua, arrependido e envergonhado pelas barbardidades que disse em favor da guerra. Se é esse o caso, sinto desapontá-las. Sim, o Iraque hoje é um campo de batalha, um inferno de morte e destruição. Nem por isso, porém, arredo pé de minha convicção de 2003, de que a guerra era, sim, justa e necessária.
Quê? Justa? Necessária? Isso mesmo. Apesar das mentiras do Bush, dos milhares de mortos, dos atentados diários, ainda espero ser convencido por alguém de que a guerra foi um crime ou um erro. Ainda aguardo me explicarem por que teria sido melhor não intervir militarmente e esperar o regime de Saddam Hussein - duas guerras nas costas, milhões de mortos em 24 anos de tirania, milhares de curdos massacrados com gás mostarda - cair por si só, e não ter o final que teve. Unilateralismo norte-americano? Ainda espero que alguém me esclareça por que razão o Conselho de Segurança da ONU, integrado por países como a China e a Rússia, com óbvios interesses na manutenção do regime de Saddam, aprovaria a invasão do Iraque. Armas de destruição em massa? Espero um dia alguém me convencer de que Saddam permitiria tranqüilamente aos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), depois de 12 anos e 17 resoluções não-cumpridas da ONU, descobrirem, sem nenhuma ação militar, o que ele fingia esconder, até como uma forma de dissuasão. Terrorismo? Aguardo os que se opuseram à invasão responderem onde morreu Abu Nidal, o terrorista mais procurado do mundo nos anos 80, e de onde vinham os 20 a 25 mil dólares pagos a cada família de homem-bomba palestino que levasse o maior número de israelenses consigo em atentados em Tel-Aviv e Jerusalém. Abu Ghraib? Após os americanos, virou um centro de torturas; sob Saddam, era um campo de extermínio, como bem lembrou Christopher Hitchens. A invasão estimulou o terrorismo e o antiamericanismo? Como se estes precisassem de algum estímulo. Fallujah? Hallabja.
Para alívio dos que acham que me vendi por um prato de lentilhas ao imperialismo ianque ou que entrei para a folha de pagamento da CIA, convertendo-me num americanófilo fã de John Wayne e de Ronald Reagan, esclareço que essa minha decisão não foi livre de dúvidas. Incomodou-me profundamente, por exemplo, o caráter unilateral da operação, pois sempre achei que era tarefa da ONU - ou seja, da comunidade internacional -, e não deste ou daquele país, defender a democracia e os direitos humanos, em qualquer parte do mundo. Quando percebi que da ONU não sairia nada mesmo, assim como ocorreu em Ruanda e ocorre hoje em Darfur, e que o único jeito de a humanidade se livrar de Saddam era pela via do unilateralismo de Bush, descobri que essa conversa de multilateralismo não passava de uma cortina de fumaça para justificar a perpetuação de uma tirania. Quando li que o Chávez e o pessoal do MR-8 estavam elogiando a ditadura do Saddam, então, não tive dúvida: apoiei abertamente a invasão.
Mas e a soberania? Sim, como fica a soberania de um país invadido, ainda que seja pelas mais nobres intenções? Essa questão insistiu em freqüentar os debates naqueles dias, e continua a se fazer ouvir hoje. A soberania, dogma maior das relações internacionais... Respondo com uma pergunta: onde está a soberania de um país submetido a uma ditadura brutal, sem eleições livres nem alternância de poder, sem pluralismo político nem qualquer respeito às normas mais elementares da democracia e aos direitos humanos? A soberania, num caso como esse, seria de quem, cara-pálida? Do povo, que se encontra acorrentado e não pode manifestar-se livremente? Ou do tirano no poder, de sua família e sua camarilha? A defesa da soberania, no caso do Iraque de Saddam, não seria um pretexto para justificar a manutenção da tirania, logo do oposto da soberania popular? Em nome da soberania, desse dogma imutável, estamos dispostos a aplaudir tiranos, a fechar os olhos para as brutalidades mais horrendas, desde que não venham dos EUA e seus aliados imperialistas, claro...
Tal raciocínio, está certo, não vale somente para o Iraque ou o Afeganistão. Fico pensando o que eu faria se fosse um preso político em Cuba ou na Coréia do Norte, por exemplo, ou uma mulher no Irã dos aiatolás. Certamente, não estaria muito preocupado com coisas abstratas como soberania ou multilateralismo, nem estaria interessado em escarafunchar os interesses ocultos do Pentágono e do Departamento de Estado. Para ficar num exemplo que nos é mais próximo, basta lembrar das ingerências do governo Jimmy Carter, nos anos 70, pedindo respeito aos direitos humanos no Brasil. Que preso político brasileiro do período colocou-se ao lado do general Ernesto Geisel contra os gringos imperialistas? Como disse certa vez o falecido escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, se não há outra maneira de derrubar ditaduras, que vengan los marines!
Sei que, ainda hoje, tais posições são controversas. Aliás, que bom que o são! Se existe uma questão que é camuflada no Brasil, se existe algo que é continuamente colocado debaixo do tapete, é o antiamericanismo. Ficar ao lado dos EUA, em um país como o Brasil, é sempre uma temeridade. E isso não é de hoje. É assim com Bush, assim como foi com Clinton, Bush pai, Reagan, Carter, Nixon... O misto aversão-admiração pelos EUA, o Blame America First, continua sendo uma força constante entre nós. Os EUA se calam diante do genocídio na Bósnia pelos sérvios? São omissos e coniventes. Mudam de idéia e bombardeiam a Sérvia? São imperialistas. Derrubam o regime Talibã no Afeganistão? Petróleo!, gritam os que se opõem à intervenção, ainda que o Afeganistão não produza uma gota do produto. Invadem o Iraque? Mais uma vez o petróleo. Querem estabelecer a democracia no Afeganistão? Alguém lembra do apoio da CIA a Osama Bin Laden contra os soviéticos nos anos 80. Desejam o mesmo no Iraque? Sacam do fundo do baú uma foto do Rumsfeld apertando a mão de Saddam, vinte e poucos anos atrás (além do mais, lembram os inimigos de Bush, os EUA são aliados de regimes autocráticos e obscurantistas, como a Arábia Saudita e o Paquistão... vêem assim como hipocrisia o que pode ser, no caso do Afeganistão e do Iraque, o início da revisão de sua política externa, um bom começo, afinal). No quesito antiamericanismo, somos muito pouco originais. Ainda copiamos o que diz a esquerda norte-americana e européia, servindo alegremente de papagaios de um Noam Chomsky ou um Ignácio Ramonet. Além do mais, parece que temos uma verdadeira ojeriza ao pensamento discordante, seja sobre o que for, cultuando a unanimidade, esse túmulo da razão. Daí porque, sempre que há unanimidade sobre qualquer assunto, vejo que alguma coisa ali não está certa e não resisto à tentação de bagunçar tudo.
Até hoje é difícil para mim dizer exatamente quando me descobri "do contra". Teria sido depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando minha caixa de correio eletrônico ficou lotada com mensagens de júbilo pela morte de quase 3.000 pessoas nos atentados? Teria sido quando li os textos de Leonardo Boff e de Celso Furtado sobre a queda das Torres Gêmeas? Não sei. Só sei que, sob o regime totalitário de Saddam, o Iraque não tinha nenhuma chance de dar certo. Hoje, pelo menos, tem uma remota chance de virar uma democracia caótica. Sei também que os e-mails com abaixo-assinados contra o tratamento brutal das mulheres afegãs pelo Talibã sumiram.
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É por isso que continuo a acreditar que as intervenções no Afeganistão e no Iraque foram justas e necessárias. Prefiro um milhão de vezes ser "do contra" e pagar o preço da impopularidade a ter de conviver com Saddam Hussein ou o Talibã. Desses já nos livramos. Graças a Bush. Graças ao imperialismo. Alguém pode negar-lhes esse mérito?
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2 comentários:
você é um grande filho da puta alienado,que já nasceu fascista pela ascendência familiar,sendo um servo indigno do imperialismo americano e seus lacaios escroques internacionais.
fascista,fala em liberdade e censura as matéria que são aquí postadas...
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