terça-feira, julho 03, 2007

O REI DA EMBROMAÇÃO


"Não se enfrenta bandido com pétalas de rosas".
(Presidente Luiz Inácio Lula da Silva)
"Não se pode ficar 70 dias sem trabalhar e depois querer receber o salário".
(idem)

As duas frases acima, pronunciadas com um intervalo de alguns dias uma da outra, referem-se, respectivamente, à mega-operação policial ora em curso contra traficantes no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e a uma manifestação de grevistas do serviço público que tirou momentaneamente do sério o atual mandatário da Nação, durante cerimônia no Palácio do Planalto.

À primeira vista, as duas frases seriam um divisor de águas, um turning point da trajetória política de Lula. Pela primeira vez, desde o início de sua ascensão política no final dos anos 70, ele estaria rompendo abertamente com a orientação do partido e da ideologia que o levaram ao poder, em dois pontos essenciais: a criminalidade e o abuso do direito de greve. Segundo essa visão, que já começa a ser voz corrente, Lula teria despertado para esses dois problemas, os quais sempre negligenciou, assumindo finalmente uma postura presidencial. Uma análise mais detida, porém, deixa claro que não é nada disso.

Há pelo menos duas outras maneiras de interpretar o que Lula disse. Ei-las:

1) Ao afirmar, alto e bom som, a necessidade de tratar de forma dura os criminosos que trocam tiros com a polícia nos morros do Rio de Janeiro e de enquadrar os grevistas que chantageiam a população com a suspensão de serviços públicos essenciais, Lula estaria fazendo a autocrítica de décadas de corpo mole em relação à questão da violência, bem como se redimindo de seu passado de agitador grevista. Seria uma forma de pedir desculpas ao povo brasileiro; ou

2) Lula estaria tão-somente realizando mais uma de suas famosas enbromações retóricas, tentando capitalizar o descontentamento popular com o avanço do crime e com as greves. Tendo descoberto, por fim, que a população não agüenta mais a rotina de tiroteios e de paralisações, ele estaria apenas usando as duas questões para fazer demagogia, coisa que mais sabe fazer.

Pelo que se viu até agora da teodicéia lulista, essa última opção é a mais próxima da verdade. Há motivos de sobra para se concluir que estamos diante de mais uma tentativa de enrolação, mais uma patacoada do Grande Molusco e da companheirada. Não pelo conteúdo das frases em si - diga-se de passagem, a coisa mais sensata que Lula já disse, em mais de quatro anos de (des)governo -, mas pelos antecedentes de quem as pronunciou.

Em toda sua carreira política, Lula e o PT se notabilizaram pela complacência com que sempre trataram os bandidos ("vítimas da sociedade") e os grevistas ("companheiros de luta"). Mesmo quando no governo - vide Rio Grande do Sul, por exemplo - os petistas sempre se opuseram a medidas de força para enfrentar a bandidagem, preferindo o discurso fácil e demagógico de que "o crime é o resultado da injustiça social", o que corresponde a considerar os pobres bandidos em potencial e a equiparar os narcotraficantes a vingadores sociais. Do mesmo modo, o direito de greve, com que muitas vezes se busca acobertar o corporativismo e a manutenção de privilégios, sempre foi algo sagrado para as esquerdas. Seria preciso acreditar em conversão damascena para crer que Lula, de fato, rendeu-se aos argumentos da razão e do bom senso.

Para ficarmos apenas na questão da criminalidade, seria preciso ser muito ingênuo ou idiota para cair na esparrela de que Lula enfim abriu os olhos para o problema, sobretudo depois de a tropa de choque do governo ter feito tudo para barrar no Congresso um projeto de lei que previa a redução da maioridade penal, medida autoritária já adotada em países fascistas como a Inglaterra, França e Japão. "Daqui a pouco vão querer prender o feto", disse Lula sobre o assunto, mostrando toda sua aguda percepção e sensibilidade social...
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Não é segredo para ninguém que a segurança pública jamais constituiu prioridade para as esquerdas. Basta lembrar a política do "socialista moreno" Leonel Brizola à frente do governo do estado do Rio, nos anos 80, quando a violência nas favelas tornou-se fora de controle, em grande parte devido ao discurso populista que evitava a repressão policial e fazia vista grossa ao narcotráfico. É público e notório o tipo de relação promíscua que muitas ONGs de "defesa dos direitos humanos" mantêm com bandos armados de traficantes de drogas nas favelas do Rio de Janeiro. Aliás, ainda nem chegou ao fim a operação policial nos morros cariocas e esse pessoal já se antecipou, acusando a polícia de cometer todo tipo de barbaridade e de massacrar indiscriminadamente a população civil, pega no meio do fogo cruzado entre policiais e bandidos. A questão dos direitos humanos, para os lulistas, sempre foi uma via de mão única, na qual qualquer ação enérgica do Estado para combater o crime é imediatamente rotulada como ação repressiva e excessiva, como se ainda vivêssemos sob ditadura militar.

Também seria preciso ter um acesso de amnésia para esquecer todos os anos de apologia da criminalidade pelos intelectuais de esquerda que se dedicaram a lapidar o culto lulista, desde o "seja marginal, seja herói" dos anos 60 até o tráfico de drogas da atualidade. Desde a década de 30, na verdade, as esquerdas, capitaneadas então pelo Partido Comunista, dedicam-se a um constante, sistemático culto da marginalidade como uma forma de "revolta social", um preparativo para a revolução comunista. Não foi por outra razão que o antigo PCB considerava os bandos de cangaceiros que então infestavam o sertão nordestino como "guerrilheiros" ou "bandidos sociais" - termo com que facínoras como Lampião foram consagrados nos livros didáticos de História. Também não foi por coincidência que grupos criminosos como a Falange Vermelha (atual Comando Vermelho) se tornaram o que são hoje depois de uma bastante didática convivência nas cadeias dos anos 70 com presos políticos - muitos dos quais, membros de organizações terroristas, que passaram para os presos comuns seu know-how em assaltos a bancos e seqüestros. Quem achar que estou exagerando, recomendo a leitura de CV-PCC: A Irmandade do Crime, de Carlos Amorim, que descreve em detalhes as origens e a forma como se deu essa simbiose.

O mesmo no caso dos grevistas no setor público. Aqui, não é preciso dizer muito para revelar a falta de sinceridade das palavras de Lula. Vale frisar, apenas, que a aparente mudança do discurso lulista em relação a esse tópico tem sua causa mais profunda não em qualquer preocupação com a qualidade dos serviços públicos (a título de exemplo, lembremos a famosa frase de Lula sobre a saúde brasileira à beira da perfeição...), mas com a lógica comum a todos os governos esquerdistas: tendo estabelecido para si mesmos a conquista e manutenção do poder como objetivo primordial, acima de todos os outros, não é de surpreender que mudem o discurso assim que o alcançam, atirando no lixo o que disseram antes. Mal saiu vencedor nas urnas, Lula disse para quem quisesse ouvir que, até aquele momento, não faria mais "bravatas" (dando a entender que fora somente isso que fizera até aquele momento: bravatear...). Do mesmo modo, os comunistas, onde quer que chegaram ao poder, proibiram as greves e fuzilaram como sabotadores quem se atrevesse a parar as fábricas. O Brasil ainda não é uma República Soviética, mas seus dirigentes não hesitam em usar o mesmo discurso dos tempos stalinianos.

O que se deduz disso tudo é que estamos diante de mais uma lorota, mais uma balela lulista. Em suas declarações, Lula parece até o personagem principal do filme Zelig, de Woody Allen: muda o discurso de acordo com a platéia, adaptando-se camaleonicamente a quem estiver na sua frente. Não é diferente dessa vez.
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P.S.: No mesmo discurso em que afirmou que não se pode combater os bandidos com pétalas de rosas, Lula cometeu mais uma de suas gafes. Na verdade, um ato falho: segundo ele, o Estado precisa "competir" com o crime organizado. Fiquei matutando... Primeiro, o Estado não tem que competir com a bandidagem coisa nenhuma. Tem que eliminá-la. Ponto. Segundo, ao dizer que deseja "competir" com a criminalidade, o Grande Molusco deu margem a muitas interpretações maliciosas. Estaria o governo querendo superar os traficantes cariocas em malandragem? Tendo em vista os antecedentes de mensalões, valeriodutos e renans calheiros, esta é uma interpretação bastante plausível...

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