sábado, maio 25, 2013

OS QUE SE ORGULHAM E OS QUE NEGAM


Quando foi criada, a assim chamada "Comissão da Verdade" foi bastante criticada por alguns jornalistas e historiadores não-alinhados com o projeto de poder lulopetista. Disseram, então, que a coisa seria uma inutilidade, um desperdício de dinheiro público. Mais que isso: seria uma tentativa de revanche, dirigida para rever a Lei de Anistia. Uma grande bobagem a serviço de interesses ideológicos, enfim.

Também compartilhei desse ponto de vista, e inclusive escrevi alguns textos a respeito. Neles, busquei mostrar que a Comissão - da qual, estranhamente, não faz parte nenhum historiador - não passaria de uma omissão da verdade, uma forma de escamotear os crimes da esquerda para impor a memória seletiva dos fatos e uma versão ideologicamente conveniente. Uma óbvia empulhação, destinada a reescrever cinicamente a História para que se adapte à propaganda esquerdista.  

Pois bem, faço aqui um mea culpa. Eu estava (parcialmente) enganado. Mais de um ano após sua criação, não é que a tal comissão mostrou que tem alguma utilidade? Vejamos.

Há alguns dias, falou perante a Comissão em Brasília o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na verdade, "falou" é maneira de dizer. Ele estava lá para depor, ou melhor, para ser massacrado por seus interrogadores, cumprindo o papel de homem mau, de rosto do porão da ditadura. Comandante do temido DOI-COI do II Exército em São Paulo entre 1970 e 1974, o período mais duro dos chamados "anos de chumbo" no Brasil, quando era então major, Ustra é acusado de ter ordenado e participado pessoalmente de torturas e assassinatos de vários militantes de esquerda. Um dos que passou por suas mãos, hoje vereador, estava presente em seu depoimento para apontar-lhe o dedo e chamá-lo de torturador, assassino etc.  Ustra, mesmo protegido por uma liminar que lhe dava o direito de permanecer calado, confrontou seus acusadores. Entregou-lhes, inclusive, um livro que escreveu, A Verdade Sufocada, no qual conta sua versão da História (o que inclui numerosos fatos que a esquerda gostaria que fossem esquecidos). Aproveitou para lembrar que a atual presidente da República participou de várias organizações terroristas (o que é, diga-se, um fato). Como esperado, houve bate-boca. Um verdadeiro circo, que logo desandou para o grotesco e o ridículo.

Se houve algo que o depoimento de Ustra comprovou é que a Comissão da Verdade, de "da Verdade", não tem nada. Desde o início, ficou clara sua finalidade revanchista: seus integrantes não perdem a chance de lembrar que querem rever a Lei de Anistia para punir os agentes da repressão - e somente estes. Além disso, o objetivo irrealista a que se propôs - investigar as violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil de 1946 a 1988 - fez com que ela, previsivelmente, caísse na irrelevância, o que seus membros tentam compensar apelando para a criação de factóides. A "convocação" de Ustra para depor veio comprovar tal fato.

Paradoxalmente, isso já serviu para alguma coisa: desmascarar o caráter parcial e revanchista de tal iniciativa, que, a pretexto do repúdio a torturas passadas, visa, na verdade, a atender a interesses inconfessáveis do presente (José Dirceu e José Genoíno que o digam...). Mas os membros da comissão, ao convocar Ustra para depor, sem querer lhe deram ainda outra finalidade.    

Ustra é um torturador. Ou ex-torturador, como queiram. Seus crimes, que incluem, além de tortura, assassinatos e desaparecimentos, são por demais conhecidos e estão por demais documentados para serem ignorados. Mesmo assim - e aqui entro na questão central deste texto -, seu depoimento foi importante, principalmente por um detalhe: ele negou cada acusação que lhe foi feita. Negou que tenha torturado algum prisioneiro. Negou que tenha assassinado alguém. Negou, apesar da montanha de evidências em contrário, que o DOI-CODI era um centro de torturas. Negou que os militantes presos eram trucidados no pau-de-arara e na cadeira-do-dragão. Enfim, negou. Negou tudo.   

Chamo a atenção para esse fato - a recusa pertinaz de Ustra em admitir o que fez. Trata-se de algo da maior importância, que faz toda a diferença para o tema de que estamos tratando. Por quê? Porque, visto em comparação com o que dizem os remanescentes da esquerda armada, que praticaram atos de terrorismo como assassinatos ("justiçamentos"), sequestros e assaltos a banco, tal fato revela uma diferença fundamental entre os dois lados da disputa ideológica no Brasil de quarenta e tantos anos atrás. Ustra nega ter cometido qualquer delito. Já os ex-terroristas que ele combateu não somente não negam, como - notem bem! - se orgulham do que fizeram.   

Em outras palavras: Ustra, um ex-torturador, sabe que tortura, assassinato e ocultação de cadáver são crimes terríveis, e por isso nega tê-los cometido. Em seu íntimo, ele sente vergonha pelo que fez. Bem diferente de seus inimigos, que sentem não vergonha, mas orgulho de terem matado e ferido pessoas, muitas delas inocentes. Tanto que, não contentes em vangloriar-se por tais atos de barbárie, fazem questão de falsificar a História, tratando como "luta pela democracia" o que era, na verdade, a tentativa de instaurar, pela força das armas, uma ditadura marxista no Brasil. É isso o que faz, por exemplo, Dilma Vana Rousseff sempre que se pronuncia sobre o assunto.

Desse modo, os ex-militantes da esquerda armada (muitos dos quais, aliás, não abandonaram a militância) rejeitam qualquer sentimento de vergonha, emprestando ares heróicos a uma luta que foi, em essência, antidemocrática. Ao contrário dos ex-agentes da repressão, que ou se escondem ou, como Ustra, negam o que fizeram. Estes últimos, pelo menos, têm consciência de que tortura é algo moralmente errado e inaceitável. Os ex-terroristas, por sua vez, não demonstram qualquer sinal de arrependimento. Para eles, todos os meios - matar, sequestrar, jogar bombas, arrebentar a coronhadas o crânio de um prisioneiro - eram válidos para alcançar a revolução socialista. Mais que válidos, tais métodos eram louváveis. Revelam, assim, não possuírem qualquer senso moral. E ainda posam de democratas, exigindo ser - e são! - indenizados pelo Erário...

Essa diferença fica ainda mais marcante quando se compara a natureza dos regimes políticos pelos quais cada lado se batia. Como sabe qualquer pessoa que já leu algum documento de qualquer organização terrorista de esquerda atuante no Brasil de 1961 a 1979, o modelo da luta armada não era a Suécia ou a Dinamarca, mas países como Cuba, China ou a Coréia do Norte. Ou seja: ditaduras totalitárias, de partido único. Já a ditadura militar brasileira era um regime autoritário, que se auto-intitulava "de exceção", e chegou ao fim há mais de 25 anos. Bem diferente da ditadura comunista cubana, que já dura 54 anos, sem dar qualquer sinal de que vai acabar um dia (já tinha cinco anos de existência quando os militares derrubaram o governo de João Goulart, em 1964, e 26 quando o regime militar chegou ao fim, em 1985). Sem contar o número de mortos de cada lado: em Cuba, foram cerca de 17 mil fuzilados até agora (além de uma quantidade incontável de afogados ao tentar fugir da ilha-prisão, o que pode elevar o número de vítimas do castrismo para estratosféricos 100 mil cadáveres). No Brasil, foram 424 mortos pelos órgãos de segurança da ditadura militar (muitos deles, em tiroteios com agentes da repressão). Não são números que devem ser desprezados. Tampouco o objetivo dos militares de impedir que o Brasil se transformasse numa nova Cuba parece ter sido mero delírio ou paranóia (ao contrário do alegado caráter democrático da luta armada, na verdade um mito criado pela esquerda).

Ao negar fatos sobejamente conhecidos, Ustra certamente mentiu, mas demonstrou, pelo menos, algum resquício de vergonha. Colocou-se, assim, um degrau acima de seus acusadores na escala de valores da humanidade. Demonstrou, portanto, superioridade moral em relação aos ex-terroristas.  Com isso, a Comissão da Verdade, de forma involuntária, prestou um serviço ao esclarecimento da verdade histórica. Por vias tortas, já justificou sua existência.

Um comentário:

Fabiano disse...

Dez mentiras que a direita quer tornar verdades
Postado por Juremir em 25 de maio de 2013 - Uncategorized
A direita brasileira é tão bobinha que faz rir.

Sofisma sem o menor constrangimento.

E ainda cita a frase nazista sobre mentiras que se tornam verdades.

É o que gostaria de fazer.

Não consegue.

Dez mentiras da direita que não emplacam:

1) Capa da Forbes mostra Lula como bilionário.

Era uma montagem rastaquera.

2) Não há liberdade de imprensa na Venezuela.

Os jornais El Nacional e El Universal provam o contrário.

3) Cristina Kirchner quer calar o Clarín

O Clarín tem mais de 200 concessões de televisão. A lei dos meios, inspirada na lei americana, quer evitar a concentração de mídia.

4) Os dois lados precisam ser investigados pela Comissão da Verdade.

Um lado, o dos que resistiram à ditadura, foi investigado pela justiça militar do regime, submetido a processo, condenado, preso, torturado, morto, exilado.

A história dos processos e condenações dos resistentes está em documentos, livros, depoimentos, relatos, reportagens, etc.

Por que o lado dos resistentes deveria ser condenado duas vezes?

Os torturadores é que nunca foram investigados nem condenados.

5) O Brasil estava à beira do comunismo em 1964.

Trata-se de uma tese sem fundamentação histórica.

6) O bolsa-família torna as pessoas preguiçosas e dependentes.

Um milhão e seiscentos mil beneficiados saíram espontaneamente do sistema.

7) Alunos cotistas não conseguem acompanhar o ritmo dos outros.

A média dos cotistas, numa escala comprimida, é 5.4, a dos não cotistas, 6.0. Uma diferença mínima, estatisticamente irrelevante.

8) Não havia corrupção no regime militar.

O historiador Carlos Fico e muitos outros mostram o tamanho da corrupção ao longo da ditadura. Só não se podia falar sobre ela nos jornais.

9) Jango foi um presidente fraco.

Jango foi um visionário que se dispôs a antecipar reformas que teriam melhorado tanto o Brasil que os conservadores trataram de derrubá-lo.

10) O Estado mínimo produz o máximo de benefícios e não existe a divisão esquerda/direita.

Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, tem surrado os que acham, por ignorância ou ideologia, que a crise de 2008 nada tem a ver com Estado mínimo e com neoliberalismo.

“EXAME - Os defensores do Estado mínimo não estão agora na defensiva?

Paul Krugman – Claramente estão. É preciso muita ginástica intelectual para defender que o livre mercado estabiliza a si mesmo. Muitos economistas até criaram explicações para que as persistentes e elevadas taxas de desemprego não sejam mais consideradas deficiência do mercado. Mas certamente esse não é um ambiente muito amistoso a quem defenda o rigoroso funcionamento do livre mercado.”

A crise de 2008 enterrou essa vulgata de manual do neoliberalismo. A ideia de que não existem mais esquerda e direita é uma ideia de direita.