No Brasil, como todos sabem, ninguém é de direita. Quase todos - e só digo "quase" porque sempre há alguns excêntricos, como este blogueiro - rezam pela cartilha da sinistra. Uns mais, outros menos, pouco importa. Impera entre nós um esquerdismo hegemônico, arraigado, onipresente, sufocante, implacável.
Vejam a chamada "elite" brasileira, tão demonizada pelo pessoal da canhota: nada mais intrinsecamente esquerdista. Pense numa causa, qualquer causa, como o casamento gay e a liberação da maconha, ou a manutenção da menoridade penal, que provocam repulsa instintiva ao "povão": a "elite" é a favor. Os petralhas adoram falar mal da dita-cuja, mas o fato é que têm nela um forte aliado ideológico. Provavelmente em nenhum outro lugar do mundo a classe dominante, por assim dizer, é tão marxista.
Mais de quarenta anos atrás, Nelson Rodrigues já apontava esse fenômeno - ele escreveu certa vez que tinha encontrado, num sarau de grão-finos, uma auto-proclamada "noiva espiritual de Guevara"... Vá a um sarau de grã-finos, ou à sua versão atual, o jantar inteligente. Se sobreviver a algum, você assistirá, invariavelmente, a um desfile de profundas consciências sociais. Na verdade, quanto mais se sobe na escala da sociedade, menor a chance de ver alguém defender as virtudes da liberdade capitalista, da livre iniciativa e da economia de mercado. Em vez disso, ao lado dos elogios àquele filme iraniano chatíssimo que ninguém quer admitir não ter visto para não passar por desatualizado, é grande a chance de receber uma aula sobre o importantíssimo papel da ONG tal no combate à fome em algum país da África.
Façam um teste, se duvidam de mim. Tentem achar, em algum desses ambientes, alguma opinião, algum ponto de vista, que destoe do que vem a seguir. A probabilidade de ouvir um comensal dizer alguma das frases listadas neste post é bastante grande. São verdadeiros mantras, repetidos ad nauseam por essas cabeças privilegiadas, as "pessoas maravilhosas":
- "Acho um horror a política de Israel quanto aos palestinos; sou antissionista, mas não antissemita".
- "Não sou antiamericano, mas os EUA são um país imperialista, responsável por grande parte das mazelas do mundo; Barack Obama é um sopro de esperança e renovação para a humanidade".
- "Concordo com o Arnaldo Jabor: o PT renegou suas origens de esquerda, deixando-se contaminar pelo fisiologismo e pela corrupção da política brasileira".
- "Lula é um político genial e carismático, um estadista vindo do povo, e um exemplo de superação individual; criticá-lo pelos erros de português é preconceito elitista".
- "Dilma Rousseff é um exemplo de mulher corajosa e competente, uma ex-guerrilheira que lutou pela democracia; criticá-la é machismo da direita fundamentalista".
- "Sou contra as invasões de terras produtivas, mas não se pode criminalizar os movimentos sociais".
- "Não sou contra a propriedade privada, mas acho que ela deve cumprir uma função social; o Estado deve controlar setores estratégicos da economia, como o petróleo".
- "Funcionando ou não, as cotas cumprem uma função importante, pois o Brasil tem uma dívida histórica a ser paga aos afro-descendentes".
- "Apóio o movimento GLBTT, pois o Brasil é um país extremamente homofóbico".
- "Tenho minhas dúvidas sobre o desarmamento da população, mas acredito que vai diminuir a violência - afinal, armas matam".
- "Não adianta criminalizar o usuário; as drogas deveriam ser legalizadas, pois a guerra ao narcotráfico fracassou no mundo inteiro".
- "Estou dando minha contribuição ao combate ao aquecimento global, tentando emitir menos carbono andando de bicicleta".
- "Odeio ditaduras! Todas elas! Cuba? A culpa é do bloqueio. Se os EUA acabassem com ele, haveria liberdade na ilha".
Com poucas variações, é isso que se costuma ouvir numa roda de pessoas "inteligentes" e "progressistas": um esquerdismo aguado, "moderado" - o que significa: moderadamente anticapitalista e pró-totalitário. Um conjunto de chavões e clichês esquerdóides, repetidos com ar de sabedoria profunda e de superior "neutralidade". É esse tipo de opinião bom-mocista, repetidora automática de chavões politicamente corretos, que constitui o mainstream no Brasil, sendo replicado por dez em cada dez "formadores de opinião". Tente discordar, colocando um ponto de vista mais à direita, e você correrá o risco de passar por chato e estraga-prazer, ou mesmo de ser linchado pela patrulha do pensamento, como um reacionário ou "fascista".
A hegemonia desse esquerdismo diluído - que predomina na maior parte da imprensa (para não falar das universidades, onde o que impera mesmo é o esquerdismo hardcore, de foice e martelo) - resulta, em parte, de um ranço ideológico, que se mantém meio por inércia, e, em parte, de pura covardia moral e intelectual. Muitos já perceberam há tempos que a esquerda é uma canoa furada, coisa de imbecil, mas, por medo de cruzar o Rubicão, de romper com velhas fantasias de adolescência, recusam-se a evoluir e a abraçar as idéias liberais. Temem, acima de tudo, ficar sozinhos, apartados dos companheiros de geração e de utopia. Acreditam, para se consolar, que diluindo o discurso preservam o gosto da utopia juvenil e evoluem, ao mesmo tempo, para uma forma de esquerdismo mais "moderno" e tolerante. Como se um veneno diluído também não fizesse mal.
Seria somente um problema de carência afetiva e de infantilismo, de necessidade psicológica de pertencer a um "coletivo", se essa insistência nos clichês esquerdóides não fosse, também, algo extremamente funesto, com conseqüências nefastas para a democracia. Ditadores como os irmãos Castro e tiranetes como Hugo Chávez não precisam de nada mais do que essa espécie de "neutralidade" para continuarem mandando e desmandando.
Do mesmo modo, terroristas como o recém-falecido Osama Bin Laden (acreditem: houve, por aqui, quem chorasse a morte dele, invocando altos princípios morais e éticos) não fazem a menor questão de que se concorde totalmente com seus métodos: basta culpar o alvo principal de seus ataques, os EUA, pela existência do terrorismo. Por exemplo: responsabilizando a política externa norte-americana no Oriente Médio ou israelense pelos atentados do Hamas e do Hezbollah. Essa justificativa cai como uma luva para os objetivos genocidas dos islamofascistas.
Na época da Guerra Fria, cunhou-se a expressão "companheiros de viagem" para designar aquelas pessoas, geralmente artistas ou intelectuais, que, embora não fossem comunistas, agiam objetivamente a favor dos interesses comunistas, servindo, por ingenuidade ou não, de porta-vozes voluntárias ou involuntárias da propaganda do KGB. Hoje, os companheiros de viagem são a maioria no Brasil. Minha única dúvida é se o são de forma inconsciente. (Acredito que sim, pois a ingenuidade e a ignorância são irmãs siamesas, ainda mais quando acompanhadas da soberba.)
Faço questão de repetir: não existe esquerda light, moderada, "vegetariana", "democrática": existe esquerda ingênua ou dissimulada. Cada vez menos ingênua, e cada vez mais dissimulada, diga-se de passagem. Nesse ponto, creio mesmo que a esquerda radical, raivosa, "carnívora", tem a vantagem de certa honestidade: pelo menos esta não se esconde detrás de um discurso untuoso e floreado, e assume abertamente sua idiotice. Quanto à outra, das duas uma: ou é cúmplice ou é idiota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário