quinta-feira, junho 25, 2009

USP: A HORA DOS INTOLERANTES


Guardas Vermelhos humilham um "inimigo do pensamento do camarada Mao Tsé-tung" durante a "Revolução Cultural" na China, nos anos 60: qualquer semelhança com os "grevistas" da USP que intimidam professores e estudantes NÃO é mera coincidência


Ainda não escrevi nada a respeito da atual "greve" da USP, na qual uma minoria destrambelhada de radicais e profissionais da baderna tenta, há semanas - com o apoio de parte da imprensa idiotizada ou avermelhada -, em nome da "universidade pública, gratuita e de qualidade", impedir no braço o acesso da maioria dos estudantes à... educação pública, gratuita e de qualidade. Mas venho acompanhando o assunto pelo jornais e pela internet. O tema me interessa de perto, pois, embora tenha deixado há anos de freqüentar os bancos escolares, tive uma experiência breve, porém marcante, com esse tipo de gente e suas "reivindicações". Acho que já falei aqui dessa minha experiência. Mas vou retomar o assunto.

Aconteceu em 2001. Eu era professor substituto no curso de História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde me graduei no mesmo curso. Foi quando estourou mais uma "greve", nem me lembro mais por quê (somente durante o período em que fui estudante, devo ter enfrentado umas três greves semelhantes, no mínimo). As, digamos, "reivindicações" eram as de sempre: melhores salários, vagas exortações contra a "privatização" das universidades federais etc. Por trás do, digamos, "movimento", estavam os nomes e as siglas de sempre: o sindicato dos funcionários e dos professores, ligado à CUT, e alguns "estudantes" que nunca apareciam para estudar, geralmente militantes de alguma agremiação de esquerda, como o PSTU ou o PCdoB. Rapidamente, pelos métodos que depois eu mesmo pude constatar em sala de aula, o movimento tomou conta da universidade, e as aulas no setor em que eu lecionava estavam paralisadas. Foi então que eu, em minha ingenuidade, cometi um erro.

Meu erro foi ter feito uma pequena reunião com meus alunos, em duas turmas para as quais eu dava aula - de manhã e à noite. Na ocasião, tentei explicar, sem tentar influenciar ninguém, que a paralisação das aulas cobraria um alto preço no futuro, que o ano letivo seria fatalmente prejudicado e que seria necessário um esforço hercúleo para repor o tempo perdido. Enfim, dei minha opinião, tentando mostrar, da forma mais fria e desapaixonada possível, que os maiores prejudicados com a "greve" não seriam nem o governo FHC (era a época de FHC), nem o "neoliberalismo", nem o FMI etc., mas os próprios estudantes, em nome dos quais supostamente estaria sendo feito o "movimento". Mesmo assim, deixei claro que acataria a decisão da maioria. Concordei, então - E ESSE FOI MEU MAIOR ERRO -, em fazer uma votação democrática com os alunos. Uma das turmas, a da manhã, votou a favor da paralisação e da adesão à "greve", decisão que acatei imediatamente e sem discutir. Outra turma, a da noite, votou pela manutenção das aulas. Decisão esta que também acatei, e esperei ser respeitada.

Foi então que meus problemas começaram. Na noite seguinte, enquanto eu me dirigia para dar mais uma aula com a turma que concordara, democraticamente, em prosseguir com os estudos, fui surpreendido por uma pequena turba, umas 20 pessoas mais ou menos, concentradas em frente à minha sala de aula. Compreendi logo que era um "piquete", formado por pessoas que, em sua maioria, eu nunca tinha visto antes na vida (soube depois que o "líder" deles era um funcionário da universidade, membro do sindicato), e que estavam lá para, de alguma maneira, me intimidar. Não me fiz de rogado: entrei na sala, atravessando um corredor polonês à porta, depus meu material de ensino sobre a mesa e comecei a aula. Na verdade, tentei começar, pois, nesse exato instante, o "piquete" entrou no local e pediu a palavra. Democraticamente (MAIS UMA VEZ: FOI MEU GRANDE ERRO!), permiti que eles dissessem o que queriam. Começou então uma arenga histérica e desarticulada de um dos piqueteiros, em favor da "luta dos explorados" etc. e tal. Falaram, inclusive, em "democracia universitária". Ouvi tudo atentamente e, após uns vinte minutos, pedi educadamente que se retirassem para dar prosseguimento à minha aula, conforme tinha sido acordado pelos próprios estudantes em votação democrática. Foi aí que percebi a enormidade de meu erro.

O "líder" dos piqueteiros, o tal sindicalista, sem pedir licença nem me deixando falar, começou a vociferar, em altos brados, contra "esse professor fura-greve", berrando a plenos pulmões que "jamais tinha visto um caso de um professor assim" (que permitia a seus alunos escolherem participar ou não de uma "greve", deve ter querido dizer). Elevando a voz, com a veia do pescoço quase saltando, ele espumava de raiva, dando-me a nítida sensação de que estava prestes a pular sobre minha garganta e beber meu sangue como se bebe refrigerante. Nisso, ele era seguido por outros integrantes do "piquete" - jamais vou esquecer da cara de ódio de uma das piqueteiras, militante do PSTU, única aluna minha, aliás, que fazia parte do grupo grevista, e cujos olhos pareciam soltar faíscas contra mim. Fiquei uns minutos tentando argumentar com aquele bando de fanáticos - um deles, ao que parecia, estudante, tentou me dar uma lição de História, balbuciando alguma coisa sobre o levante revolucionário dos marinheiros alemães em 1919... (!) Nesse trabalho, fiquei sozinho, pois meus alunos, petrificados, certamente com medo de dizerem o que pensavam diante de tamanha ferocidade, assistiam a tudo em silêncio. Finalmente, consegui que se retirassem da sala e tentei retomar minha aula. Não durou dois segundos e as luzes da sala (lembrem que era de noite) se apagaram, deixando a todos nós imersos no breu total. Eu mesmo, ou um dos alunos (esse detalhe não lembro bem), religuei a energia, mas em vão: sempre que tentávamos reacender a luz, esta era cortada. E assim foi, umas três ou quatro vezes, até que desistimos da aula, por absoluta falta de condições materiais...

Foi assim que os "grevistas" demonstraram todo seu amor à democracia e à educação: desrespeitando a decisão democrática de uma turma de alunos e cortando a energia de uma sala de aula para evitar que um professor lecionasse. Para eles, deixar uma sala às escuras era a sua forma de "protestar" pela "melhoria da educação"...

Naquela noite, aprendi uma dura lição: nunca tente argumentar racionalmente com gente capaz de fazer algo assim. É inútil. Pior: é até perigoso. Por muito pouco, não acabei como uma daquelas vítimas dos Guardas Vermelhos durante a Revolução Cultural chinesa, nos anos 60. Jamais se deve ser tolerante com os intolerantes. Para eles, a Lei!

Com essa experiência em mente, foi impossível para mim evitar a sensação de déjà vu ao ler as notícias da "greve" na USP: a mesma intolerância, o mesmo radicalismo idiota e o mesmo autoritarismo travestido de "luta pela educação", é o que se verifica naquela universidade. Há semanas, uma minoria intolerante e autoritária vem intimidando, pela violência, a maioria silenciosa dos estudantes. Estes, por temor de parecerem "de direita" - o que revela uma clara patologia esquerdóide vigente nas universidades -, preferem se calar, dando a falsa impressão de que não são a maioria.

O grupo de baderneiros que vem infernizando a vida dos estudantes e professores sérios na USP é liderado por um tal Claudionor Brandão, funcionário antes encarregado da manutenção dos aparelhos de ar-condicionado da universidade, que se diz "marxista-revolucionário" e é militante de uma tal LER-QI (Liga Estratégica Revolucionária - Quarta Internacional), grupelho trotskista que se encontra à esquerda do PSTU e do PCO. O sindicato dos funcionários da USP é controlado pela tal LER-QI e pela LBI (Liga Bolchevique Internacionalista), que professam a necessidade da revolução socialista, a mesma que deixou 100 milhões de mortos no século XX. Seus militantes são principalmente funcionários públicos como Brandão e "estudantes", e por alguma razão acreditam que os campi das universidades são o cenário ideal para tentar derrubar o capitalismo e instaurar a ditadura do proletariado... Uma das exigências dos "grevistas" da USP é a readmissão de Brandão, demitido no ano passado por justa causa, e a renúncia da reitora, que teve a ousadia de tentar aplicar a Lei na universidade, punindo baderneiros que depredem o patrimônio público. Outras exigências são meros pretextos, como o slogan em defesa da "universidade pública e gratuita" ou a exigência insólita de pôr fim aos cursos à distância... Numa clara demonstração de inversão total de valores, os grevistas marcaram um tento junto a um setor facilmente manipulável da opinião pública, quando, para cumprir a Lei, a reitora solicitou e a Justiça concedeu o envio de uma tropa da PM para o campus. A PM lá esteve para fazer cumprir a Lei e garantir a liberdade de os estudantes e professores que discordam da "greve" se movimentarem livremente. Era, portanto, a DEMOCRACIA FARDADA, contra a qual os "grevistas" investiram, com paus e pedras, em moldes verdadeiramente fascistas. Mas não foi assim que entendeu parte do jornalismo, para quem PM em universidades remete automaticamente aos piores anos do regime militar. Resultado: os "grevistas" passaram a ter uma nova bandeira: contra a "repressão" da PM na USP... A LER-QI e a LBI, esses campeões da liberdade e da democracia! Pois é...

O uso da violência - física e psicológica - por parte dos baderneiros da USP para atingir objetivos que não têm nada a ver com a melhoria da educação não é nenhuma novidade. Como tampouco é novidade a forma absolutamente idiota e condescendente com que parte da imprensa aceita e até justifica a baderna, preferindo centrar fogo nas "autoridades" - a reitora ou a PM. Os "grevistas" da USP, assim como os piqueteiros que tentaram impedir minha aula oito anos atrás, não querem melhorar a educação nas universidades públicas do País coisa nenhuma. As palavras de ordem que utilizam, como a "defesa da educação pública, gratuita e de qualidade", não passam de meros pretextos para darem vazão a seus delírios de revolução ou para a velha política partidária vagabunda de sempre. Para tanto, não hesitam em empregar meios autoritários, tolhendo a liberdade de ir e vir dos outros estudantes e professores que não aderiram à "greve" - a maioria. São fascistas travestidos de grevistas, inimigos da democracia e da educação. A reitora fez muito bem em chamar a PM para impedir que essa canalha impeça os outros de estudar! Democracia neles!

O trabalho destrutivo desses esquerdopatas é facilitado por um clima ideológico propício a suas sandices. Não por acaso, seus principais recrutas entre os estudantes vêm das faculdades de ciências humanas e de comunicação, verdadeiras madraçais do esquerdismo mais bocó, onde o que se ensina há décadas, em vez de História ou Filosofia, é um misto de marxismo vulgar e anticapitalismo ginasiano, sem nenhum contato com a realidade. Há alguns dias, um esquerdista nonagenário, Antonio Candido, deu uma "aula" aos "estudantes grevistas", ao lado da petista Marilena Chauí, em que os exortou a continuarem e a radicalizarem a "luta". "Sejam justos e injustos", afirmou o venerando crítico literário, para o delírio da platéia. Quando um senhor de 91 anos incita uma turba de jovens a deixarem de lado a noção de justo e injusto, é porque algo vai mal, muito mal.

É fácil entender por que os extremistas de esquerda escolheram as universidades públicas para suas demonstrações de intolerância e proselitismo ideológico: sendo funcionários públicos ou "estudantes", eles sabem que dificilmente seus atos terão consequências, pois não correm o risco, como ocorre na iniciativa privada, de irem parar no olho da rua. Gente como Claudionor Brandão sabe que sempre terá o sindicato a lhe dar sustentação, enquanto os remelentozinhos mimados que participam do "movimento" poderão saciar, por alguns instantes, sua fantasia infanto-juvenil de participar da "luta dos explorados" e - suprema glória! - atirar algumas pedras na polícia, que será, obviamente, acusada dos piores crimes da época da ditadura se revidar e cumprir a Lei. Nisso tudo, ainda conquistarão alguns momentos de fama na "mídia". Para eles, é um jogo em que somente têm a ganhar. Os estudantes sérios, que não querem nada com esses malucos e têm mais o que fazer na vida - a imensa maioria dos estudantes, em qualquer universidade -, só têm o que perder com esse tipo de "movimento".

Assim como ocorreu naquela "greve" de 2001, da qual ninguém mais se lembra, o resultado prático do movimento na USP é bem conhecido. Encerrada a paralisação, a rotina será a seguinte: depois das férias forçadas, os professores fingirão repor as aulas, os funcionários voltarão a seus sindicatos e à politicalha de sempre, os "estudantes" da LER-QI e da LBI continuarão a sonhar em serem os novos Lênins e os novos Trotskys (e Stálins) e os estudantes que querem estudar, os mais prejudicados, tentarão correr atrás do tempo perdido. Enquanto isso, os responsáveis pela paralisação, que não têm nada a ver com o ensino, independentemente do resultado, irão cantar vitória, alegando terem alcançado uma grande "conquista" (e se não tiverem alcançado nada, dirão que ao menos a "categoria mostrou união e saiu fortalecida", ou outra coisa qualquer do gênero). E, assim, estarão preparando o terreno para mais uma "greve", mais uma "luta em favor da educação e dos excluídos"... Quantas vezes veremos esse filme?