terça-feira, junho 23, 2009

A OMISSÃO COMO ESTRATÉGIA DIPLOMÁTICA


Talvez Lula saiba a resposta para essa pergunta...
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A notícia é de ontem, dia 22. Está no Estadão Online. Seguem trechos em azul. Eu vou em preto. Os grifos são meus, como sempre:

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, evitou nesta segunda-feira, 22, opinar sobre a crise política iraniana. Indagado sobre o impasse por jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o chanceler afirmou que “não cabe ao Brasil dizer o que o Irã tem que fazer”. “O país tem o sistema dele. Bom ou mau, isso cabe ao povo iraniano julgar (…) não cabe ao Brasil tomar uma posição.”

Quando alguém tenta sair pela tangente, evitando comentar um assunto espinhoso, diz-se que está pisando em ovos. Amorim, ao falar sobre o Irã, pisa em cadáveres. Ao recusar-se a opinar sobre o assassinato e espancamento de opositores do regime teocrático xiita, ele apela para o clichê mais batido dentre todos os que (des)norteiam a atual política externa brasileira: a "não-intervenção". "Não cabe ao Brasil dizer o que devem fazer" significa, na verdade, o seguinte: "Não damos a mínima para a democracia e os direitos humanos no Irã, assim como estamos nos lixando para os mortos e feridos", ou, em lnguagem mais popular: "Deixa pra lá: isso não é problema da humanidade...". A mesma atitude omissa e covarde é repetida em casos como o de Cuba e do Sudão, entre outros países dominados por ditaduras - no caso sudanês, o governo brasileiro sistematicamente tem-se negado a "julgar" a morte de cerca de 300 mil pessoas desde 2003 (talvez Amorim acredite que cabe ao povo de Darfur, e somente a ele, tomar uma posição; ou seja: cabe somente aos massacrados julgar seus carrascos...).

A frase de Amorim é um primor de cinismo, embalado no relativismo mais tosco e travestido de "respeito às diferenças". Alguns dias atrás, o chanceler do B Marco Aurélio "Top, Top" Garcia tentou justificar a omissão do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra com um argumento semelhante: segundo ele, não cabe ao Brasil sair por aí distribuindo "certificados de bom ou mau comportamento" para este ou aquele país. Acontece que, desde que Lula assumiu o poder, e mesmo antes, a política externa brasileira não tem feito outra coisa senão isso. Lembremos da ofensiva de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza, alguns meses atrás. Na ocasião, o Itamaraty divulgou uma nota em que deplorava - a expressão está lá, não estou inventando - a "reação desproporcional" de Israel ante o terrorismo do Hamas, que quer destruí-lo. Ou seja: tomou uma posição bem clara, distribuindo, como diz Garcia, um certificado de MAU comportamento para Israel. Agora, quando a teocracia islamita do Irã tenta se perpetuar pela fraude e massacra seus opositores, Celso Amorim tenta tirar o corpo fora, e diz que não cabe ao Brasil julgar o regime dos aiatolás... Em outras palavras: julgar pode, mas só se for Israel ou os EUA.

Além do mais, a frase de Amorim é equivocada até no que diz respeito aos fatos: o povo iraniano já está julgando o regime dos aiatolás. Basta ver as imagens dos mortos e feridos nas manifestações contra a fraude eleitoral que confirmou o maluco Ahmadinejad no poder. Aí estão o Twitter e o Youtube que não me deixam mentir.

Sobre a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à crise, que qualificou na semana passada os protestos da oposição iraniana pela anulação do pleito presidencial como demonstrações “de quem perdeu”, Amorim descartou avaliar a opinião como precipitada. “Tudo indicava que naquele momento o resultado estava adequado”, disse. “Ele não tomou posição, deu uma análise com os dados que dispunha.”

Como chanceler de Lula, é dever de Amorim defender seu chefe, mas isso não lhe dá o direito de negar os fatos. Como assim, "naquele momento o resultado estava adequado"? Como assim, "ele não tomou posição, deu uma análise com os dados que dispunha [sic]"? Vamos lembrar o que o Apedeuta disse, no dia 16/06, em Genebra, Suiça:

"Eu não conheço ninguém, além da oposição, que tenha discordado da eleição no Irã. Não tem número, não tem prova. Por enquanto, é apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos"

No dia em que Lula disse essa besteira monumental - uma da maiores barbaridades já ditas por um chefe de Estado em todos os tempos -, as denúncias de fraude nas eleições iranianas já haviam tomado conta do noticiário internacional, e estavam sendo sistematicamente divulgadas por várias entidades de defesa dos direitos humanos. Logo, não há como dizer que, naquele momento, "o resultado estava adequado". Ademais, a frase não deixa dúvidas: Lula tomou, sim, posição na questão eleitoral iraniana. Posição em favor de quem? Dos manifestantes oposicionistas? Dos mortos baleados pela milícia do regime? Não. De Ahmadinejad, cuja vitória Lula declarou legítima já naquele dia. E isso - atentem para esse detalhe! - ANTES mesmo de o aiatolá Ali Khamenei e o Conselho dos Guardiães terem RECONHECIDO a existência de FRAUDE nas eleições, e ordenado uma recontagem parcial dos votos. Resumindo: Lula, o nosso aiatolá, deu seu aval ao resultado das eleições no Irã antes mesmo do que os próprios aitolás iranianos - e Celso Amorim acha que não houve nada demais nisso!

Defendendo a avaliação de Lula, o chanceler destacou que “foi uma eleição em que houve muito debate, muita discussão. Não é muito lógico que em uma votação dessa natureza tenha havido irregularidades tão massivas que conduzissem a um resultado de 63%”, acrescentou, referindo-se aos números oficiais que deram a reeleição ao presidente Mahmoud Ahmadinejad. “Efetivamente, está havendo um reexame dos votos. Nos acompanhamos.”

Mais uma vez, no afã de defender o que Lula diz, Amorim joga a Lógica na lata do lixo. Pior: tentando apelar para a própria lógica. O fato de a votação anunciada de Ahmadinejad ter sido de 63% não demonstra a lisura do pleito. Muito pelo contrário! Foi justamente essa vantagem surpreendente, que contrariou a maioria dos prognósticos, além da rapidez com que foi divulgada, o que levantou as primeiras suspeitas de fraude. Amorim parece esquecer que o Irã é uma ditadura teocrática, na qual as eleições são quase uma formalidade, pois é o Conselho dos Guardiães, e não a voz do povo, quem tem a última palavra sobre os candidatos e o resultado das eleições. Também parece esquecer que, em regimes totalitários, quanto maior a vantagem do "eleito", menor a transparência do processo. É incrível.

Por que tamanha sabujice, tamanho atentado contra a inteligência e a lógica? A resposta está no que se poderia chamar de "estratégia diplomática" do governo Lula. Esta consiste em fechar os olhos deliberadamente, e de forma sistemática, para as piores tiranias do planeta e suas atrocidades, tendo em vista um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU - a suprema obsessão do Itamaraty. O Brasil quer fazer parte do "clube dos grandes", e quer alcançar esse objetivo cortejando ditadores e genocidas. Para tanto, já piscou o olho para o comunismo capitalista da China, assumindo a possibilidade de reconhecer o país como economia de mercado, declarou apoio a um antissemita e queimador de livros para a direção-geral da UNESCO e se faz de cego, surdo e mudo para o genocídio em Darfur, no Sudão, e para as ditaduras de Cuba e do Irã. O governo Lula espera, com isso, angariar os votos desses países para concretizar sua suprema ambição. Dará certo? Tudo indica que não, que o Itamaraty irá dar, mais uma vez, com os burros n'água, como aconteceu no BID e na OMC (a China, por exemplo, já anunciou que não quer nem ouvir falar num Conselho de Segurança ampliado do qual o Japão faça parte). Mas, mesmo que essa tática funcionasse, ficaria a questão: o que o Brasil faria no órgão máximo da diplomacia mundial? No mínimo, seria o porta-voz dos piores déspotas e genocidas da atualidade. Com a frustração desse velho sonho, o Brasil parece parafrasear Churchill: entre a desonra e a derrota, escolheu a desonra - e terá a derrota.

O Itamaraty, sob o governo Lula, adotou a omissão como política, a cumplicidade com tiranias como estratégia diplomática. Amorim deve se achar uma espécie de Henry Kissinger terceiro-mundista, com sua condescendência para com tiranos e assassinos em nome de um mundo "multipolar". Creio que não resta nada a fazer senão repetir uma frase muito antiga e verdadeira: "Quem se cala diante do crime, acaba cúmplice do mesmo".

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