Quem também matou a pau foi o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Em entrevista à revista VEJA desta semana, o senador pernambucano e ex-governador de Pernambuco desceu o malho em seu próprio partido, o PMDB, classificando-o de corrupto. Entre outras verdades, Jarbas afirmou que a eleição de seu colega José Sarney para a presidência do Senado é um retrocesso e que Renan Calheiros, que atualmente preside a legenda, não tem condições éticas de presidir partido nenhum. Ataca duramente o governo Lula e termina denunciando, meio desesperançoso, o clientelismo e a mediocrização geral da política brasileira. Uma verdadeira paulada.
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Não tenho o hábito de elogiar políticos. Mas abro aqui uma exceção. A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos para a VEJA entrará para a História como um momento de rara honestidade e lucidez na política brasileira. Um verdadeiro desabafo, de um político e parlamentar pertencente à outra época, em que a política era algo mais do que um simples jogo de interesses para conseguir cargos e benesses, não importa de que governo. Minhas passagens favoritas são as seguintes:
A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado. O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.
Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação. O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.
O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes? Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.
A oposição está acuada pela popularidade de Lula? Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.
Como não poderia deixar de ser, os caciques do PMDB e o governo Lula, auxiliados por seus porta-vozes na imprensa dita "imparcial", já começaram a campanha de difamação contra Jarbas. Mal saiu a entrevista, e começou-se a cobrar do senador pernambucano provas do que disse. Como assim, "provas"? Leiam de novo o que está aí em cima, principalmente sobre a mediocridade do governo Lula e o enorme embuste eleitoreiro que é o Bolsa-Família. Isso precisa de provas? Trata-se de uma realidade evidente por si mesma, não há necessidade de provas. Ah, querem nomes? Jarbas denuncia práticas, mas se quiserem nomes, basta lembrar o noticiário nos últimos dez ou quinze anos. É curioso como Collor foi derrubado sem que se apresentasse nenhuma prova concreta contra ele. Foi, inclusive, absolvido pelo STF alguns anos depois. Quando se trata do governo Lula e de seus aliados, porém, a escrita é diferente. Por quê?
Na impossibilidade de refutar o que diz Jarbas, a petralhada de todos os partidos agora está dizendo também que ele só resolveu falar porque está armando alguma jogada. Estaria preparando seu caminho para desligar-se do PMDB e "tucanar", de olho na candidatura à vice-presidência numa eventual chapa com o PSDB de José Serra em 2010. É, pode ser. E daí? Isso por acaso diminui o peso de suas declarações? Na verdade, tais ilações não passam de uma manobra para desviar a atenção e evitar o debate, reduzindo tudo à velha política miúda de sempre, a mesma prática denunciada por Jarbas na entrevista. Jarbas é um dissidente. E dissidentes não costumam ser perdoados pelos medíocres e conformistas.
É raríssimo ver um político, ainda mais de um partido governista, abrir o jogo e chamar as coisas pelo nome. Por isso a entrevista de Jarbas Vasconcelos é tão importante. É um marco. Um verdadeiro desabafo cívico.
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