quarta-feira, fevereiro 04, 2009

AINDA SOBRE O PORCO FEDORENTO - UM VERMELHO-E-PRETO COM DOIS "CHEDÓLATRAS"


Um devoto do culto a Santo Che Guevara, em luta contra um cruel agente do imperialismo da Terra-do-Nunca


Ainda no embalo da imperdível entrevista em que a jornalista Marlen Gonzalez fez picadinho do idiota útil Benicio Del Toro, resolvi fazer uma rápida pesquisa na internet, em busca de artigos sobre Che Guevara. Procurei sobretudo artigos sobre uma reportagem de capa da revista VEJA, publicada em setembro de 2007, a qual desconstrói o Porco Fedorento. A reportagem, para quem lembra, causou alvoroço e indignação entre muitos esquerdistas. Alguns deles, tomados de Síndrome de Peter Pan e revoltados com esse crime de lesa-divindade, até então inédito na imprensa brasileira, reencarnaram Torquemada e fizeram uma fogueira com a revista em frente à editora Abril - é assim que os totalitários costumam reagir diante de algo que leram e não gostaram (ou que não leram e não gostaram, dá na mesma).
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Pois bem. Não tive dificuldade em achar vários artigos e textos em blogs de esquerdiotas que saíram em defesa de El Chancho, o fuzilador-mor de La Cabaña. Resolvi analisar um deles, com um titúlo até vistoso - "Che, a Veja e a amnésia seletiva"-, de autoria de um tal Bruno Fiuza e de uma certa Maíra Kubík Mano. Peguei-o como exemplo, pois os "argumentos" utilizados no texto são basicamente os mesmos repetidos por outros chedólatras ou guevaradólatras. Aí vai o texto, em vermelho, com meus comentários em preto.
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A revista Veja traz, na capa da edição corrente, um perfil de Ernesto Che Guevara, com o suposto objetivo de desconstruir o mito criado pela esquerda em torno do revolucionário argentino.
Não foi um "suposto" objetivo, mas o objetivo claro e declarado da matéria a desconstrução do mito Che Guevara. O que não é algo difícil de fazer, é preciso admitir.
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A tese apresentada pelos jornalistas Diogo Schelp e Duda Teixeira é a de que Che não foi o herói romântico e idealista de um mundo melhor, mas sim um assassino “cruel e maníaco”. E ponto.
Acham pouco? Só para lembrar: foram necessárias décadas para que se revelasse o caráter cruel e maníaco de outro assassino cultuado pela esquerda, Stálin. Até então, ele era visto também como um herói romântico e idealista, lutando por um mundo melhor... Sempre a cantar e a dançar alegremente, como escreveu um dia desses um de seus maiores fãs, Oscar Niemeyer.
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Para defender seu argumento, os autores da matéria fazem, na verdade, o oposto do que se propõem: ao invés de desconstruírem um mito e apresentar um ser humano complexo e contraditório, eles criam um outro mito.
Vejamos que "outro mito" seria esse que a revista estaria criando. Adiante.
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O Che Guevara apresentado por Veja é unidimensional. Para chegar a isso, é preciso uma brutal descontextualização. Apenas alguns pontos:
Antes de entrar no mérito do tema, é bom nos concentrarmos nessa palavra, "unidimensional". O que seria isso? Simples: a VEJA, assim como todos os que denunciam os crimes de Che, estaria pecando por ver apenas um lado do personagem, o lado mau, esquecendo-se de uma outra sua dimensão, positiva, seu lado bom, enfim. Eu fico aqui pensando se alguém teria a coragem de tentar reabilitar Hitler, por exemplo, criticando a visão "unidimensional" que esquece que o ditador nazista gostava, por exemplo, de doces e cachorros... Alguém aí se habilita a, em nome de uma visão, digamos, "multidimensional" do Führer, deixar de lado, por um momento, questões como o Holocausto?
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1) Em nenhum momento os autores apresentam o cenário político cubano antes da revolução de 1959. A ditadura de Fulgêncio Batista e suas ações são completamente ignoradas.
A matéria era sobre Che Guevara, não sobre Cuba antes de 1959. Mas tudo bem, eu faço a vontade dos adoradores de Che, e lembro alguns fatos sobre Cuba antes da tomada do poder por Fidel e seus barbudos. Eis alguns dados interessantes sobre a realidade cubana antes da revolução:
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- A ditadura de Batista perdera o apoio dos EUA; aliás, foi por isso que caiu;
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- A luta contra Batista, encabeçada pelo Movimento Revolucionário 26 de Julho (M-26-7), pelo Diretório Revolucionário e por uma miríade de organizações políticas visava, primordialmente, ao restabelecimento da democracia e das eleições diretas, com a restauração da Constituição liberal de 1940. Todas essas promessas foram convenientemente esquecidas por Fidel Castro após tomar o poder;
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- No plano econômico e social, Cuba detinha o terceiro lugar entre os países com o maior PIB e estava entre os cinco com o melhor padrão de vida na América Latina em 1958, inclusive em setores como saúde e educação.
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Como se vê, se a revista tivesse citado esses dados, teria reforçado sua tese, ajudando a desconstruir ainda mais o mito do revolucionário argentino.
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2) Em todos os cenários de luta armada apresentados (Cuba, Congo e Bolívia), a situação local e as forças envolvidas nesses combates não são apresentadas ao leitor eo “instinto assassino” de Guevara surge quase como uma segunda natureza, imanente à sua personalidade. A frase de Jon Lee Anderson é pinçada entre as mais de mil páginas de seu livro, uma importante e completa biografia de Che, para justificar isso: “para ele, a realidade era apenas uma questão de preto e branco. Despertava toda manhã com a perspectiva de matar ou morrer pela causa”. Num contexto de guerrilha, chega a soar engraçado esperar que a atitude de um combatente não fosse essa.
Mais uma vez, façamos a vontade de quem escreveu o que está aí em cima, e falemos um pouco sobre a situação local em cada cenário e as forças envolvidas. Já falei sobre a situação em Cuba pré-1959. No Congo, onde Guevara esteve em 1965, ele colocou-se ao lado de forças guerrilheiras lideradas, entre outros personagens, por um tal Laurent-Desiré Kabila, que se tornaria ditador do país em 1997 e estaria à frente do massacre de milhares de pessoas, até ser, ele mesmo, assassinado em circunstâncias misteriosas. Na Bolívia, o maior fracasso de Che, que acabaria custando-lhe a vida, ele esbarrou na desconfiança e hostilidade da população indígena local, que via os guerrilheiros não como libertadores, mas como invasores (em certo momento, como está em seu famoso diário, ele chegou a cogitar usar a "tática do terror" para conquistar o apoio dos camponeses). Sem falar no Partido Comunista local, que lhe deu as costas, e de uma até hoje mal-explicada omissão por parte do governo de Havana (segundo um dos três únicos sobreviventes da guerrilha boliviana, Dariel Alarcón Ramírez, "Benigno", Che teria sido "traído" por Fidel Castro). Enfim, esses eram os cenários em que Che queria deslanchar sua "revolução internacional".
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Uma correção: o tal instinto assassino de Che, citado pela revista - cerca de 400 prisioneiros, a maioria presos de consciência, executados no paredón em alguns meses em 1959 -, ao contrário do que está escrito aí em cima, não era sua segunda natureza: era a única que ele tinha. Era sua própria personalidade. Se têm alguma dúvida, então por favor me expliquem como deve ser classificado quem louva "o ódio como fator de luta, o ódio intransigente ao inimigo, que o impulsiona além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar". Convenhamos, até no contexto da luta guerrilheira, deve-se esperar que haja limites. É nesse contexto que a frase retirada do livro de Jon Lee Anderson deve ser analisada.
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3) Em determinado trecho da matéria, Guevara é acusado de ser o responsável pelo colapso econômico do país: “No comando do Banco Central e depois do Ministério da Indústria, Che começou a nacionalizar a indústria e foi o principal defensor do controle estatal das fábricas. ‘Che era um utópico que acreditava que as coisas podiam ser feitas usando-se apenas a força de vontade’, diz o historiador Pedro Corzo, do Instituto da Memória Histórica Cubana, em Miami. Como resultado de sua ‘força de vontade’, a produção agrícola caiu pela metade ea indústria açucareira, o principal produto de exportação de Cuba, entrou em colapso. Em 1963, em estado de penúria, a ilha passou a viver da mesada enviada pela então União Soviética”. Pois bem, o que os autores não falam é que no ano anterior, em 1962, foi decretado o embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba, que continua até hoje apesar de ter sido vetado inúmeras vezes pela Assembléia Geral da ONU.
A ideia por trás dessa última afirmação é de que a culpa pelo descalabro econômico da ilha, e dos desmandos na área por parte de Guevara, seria do tal embargo econômico dos EUA a Cuba, que teria, inclusive, levado a ilha para a dependência em relação à URSS. É mentira. A ajuda econômica da ex-URSS a Cuba começa antes de qualquer embargo norte-americano à ilha, datando de 1960, quando o então Ministro do Comércio da URSS, Anastas Mikoyan, visita o país a convite de Fidel e Raúl Castro. Não há qualquer relação entre o embargo e a dependência de Cuba da URSS, assim como não há qualquer relação entre qualquer ação do governo dos EUA e a falência econômica do regime cubano, que é o resultado única e exclusivamente da incompetência crônica da ditadura castrista.
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Como mostra a citação acima, uma das fontes consultadas é um professor que vive em Miami. No início, o texto já diz que mesmo cheios de rancor, os cubanos dissidentes são uma fonte “da maior credibilidade”. Assim como os agentes da CIA que capturaram e assassinaram Guevara. Isso demonstra o outro pilar essencial para construir a tese da matéria: ouvir apenas um dos lados da história.
Aqui está em ação um dos instrumentos mais caros à esquerda: a velha argumentação ad hominem. As fontes consultadas pela revista, como se compõem de dissidentes que vivem em Miami, não mereceriam nenhuma credibilidade porque, afinal, trata-se de... dissidentes que vivem em Miami! Assim como os "agentes da CIA que capturaram e assassinaram Guevara" - como se todos os exilados em Miami pertencessem a essa categoria. Desqualifica-se, assim, toda uma comunidade - cerca de 2 milhões de pessoas -, simplesmente por fazerem parte dessa mesma comunidade de exilados. Se fosse para levar esse tipo de argumentação a sério, nenhum exilado deveria ter suas palavras levadas em conta. A começar por José Martí, herói nacional cubano, que passou boa parte de sua vida no exílio.

Sem falar que não foram "agentes da CIA", mas sim o Exército boliviano, que capturou e matou Guevara em 1967 (havia apenas um agente da CIA na operação, Félix Rodríguez, que chegou ao local onde Guevara foi fuzilado depois de sua captura e não teve qualquer participação em sua execução).

Os autores gostariam que a revista ouvisse "o outro lado" da história. O outro lado é o governo cubano. Seu ponto de vista já é por demais conhecido. Basta ler o Granma. A reportagem busca exatamente ir além da visão heroica oficial e revelar o verdadeiro Che, o Che por trás do pôster e da camiseta. E o consegue.

Refugiando-se na afirmação de que o regime castrista é “policialesco” e não permite a livre circulação de informações, a matéria se desincumbe de entrar em contato com qualquer fonte igualmente próxima de Che mas que tivesse outra visão sobre os acontecimentos.
Notaram as aspas em "policialesco"? Pois é. Os autores dessa fábula devem acreditar que Cuba é uma democracia em que todos têm livre direito de expressar seu pensamento. Mas deixemos isso de lado, por ora. Acharam estranho que VEJA não tenha entrado em contato com qualquer fonte próxima de Che com "outra visão" sobre o personagem? Quem seria? Um dos filhos de Che, que morreu quando eram todos ainda crianças pequenas e só sabem do pai aquilo que a propaganda oficial cubana repete? Ou Fidel e Raúl Castro? A opinião desses já é sobejamente conhecida. Ah, esse pretenso jornalismo isentista, que pretende ouvir todos os lados e que cultua a neutralidade....

Isso porque nem entramos aqui no mérito do “tom” do texto, que desqualifica com adjetivos seus personagens e se distancia de um jornalismo equilibrado: “Enquanto Che foi cristalizado na foto hipnótica de Alberto Korda, ele próprio, o supremo comandante, aparece cada dia mais roto, macilento, caduco, enquanto se desmancha lentamente dentro de um ridículo agasalho esportivo diante das lentes das câmeras da televisão estatal cubana”.
Viram só? O problema agora é com o "tom" do texto, que se distanciaria de um - vou repetir a expressão - "jornalismo equilibrado"... Fica a pergunta: que "jornalismo equlibrado" seria esse? Não é a VEJA, certamente, pois esta tem, sim, lado, e não esconde isso de ninguém. Provavelmente, claro, os autores devem estar se referindo a monumentos de imparcialidade jornalística como a Caros Amigos...

Não deixo de ficar intrigado com esse tipo de, vá lá, "argumento": "não gostei do 'tom' do texto, achei desrespeitoso etc.". Como se um órgão de imprensa devesse prestar reverência a um dos maiores engodos do século XX e a um tirano assassino e caduco, cada vez mais ridículo e deplorável diante do mito, eternamente jovem, que ele criou para dar sustentação a seu regime totalitário. Os autores devem estar tristes porque, infelizmente para eles, os tiranos envelhecem, ainda não encontraram um meio de fazer o tempo obedecer a suas ordens.

Por fim, a visão de história apresentada é, no mínimo, discutível. Ao afirmar que Che Guevara deveria ser “jogado na lata de lixo onde a história já arremessou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro”, os autores assumem uma perspectiva que reúne o pior da escola positivista do século XIX - como se a história fosse uma sucessão de etapas, uma melhor que a outra - ea notória concepção de Francis Fukuyama, segundo a qual “a história acabou” com o triunfo do capitalismo.
Finalmente, a cereja do bolo: a afirmação da revista, de que Guevara deve ir para o lugar onde já estão outros próceres do totalitarismo esquerdista, seria o resultado de uma "perspectiva que reúne o pior da escola positivista do século XIX" - como se o Positivismo, na verdade, não fosse uma doutrina filosófica com traços em comum com o marxismo, em especial a crença nas etapas sucessivas e progressivas da História (feudalismo, capitalismo, socialismo... até a pretensa "sociedade comunista perfeita"). Enfim, tenta-se atribuir aos inimigos do totalitarismo - como a VEJA - uma visão que é, ironicamente, partilhada pelo marxismo. Assim, a frase de Fukuyama é distorcida - na verdade, ele fala em triunfo das ideias liberais - para tentar "recuperar" algo de legitimidade ao totalitarismo marxista, do qual Guevara foi um dos representantes. O mesmo poderiam dizer os seguidores de outros líderes totalitários, como Hitler e Mussolini. Qual visão histórica não seria discutível para os autores do texto? A marxista, ora.
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Certamente, o culto de Che Guevara continuará, e os mesmos que queimaram exemplares da VEJA dois anos atrás encherão páginas e páginas de blogs com protestos contra a jornalista Marlen Gonzalez e a favor de Benicio Del Toro. É algo normal, e acharia até estranho se fosse diferente. Afinal, a Síndrome de Peter Pan é uma doença que atinge a muitos, que se recusam a crescer e se apegam, doentiamente, a seus mitos de infância. Não lembro bem, mas eu certamente devo ter levado um choque tremendo quando descobri, com cinco ou seis anos, que Papai Noel não existe. Quem sabe um dia os esquerdóides e idiotas úteis que idolatram Che Guevara cairão finalmente na realidade?
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Enfim, toda a lengalenga contra a reportagem de VEJA, assim como contra qualquer um que tenha a coragem de desmascarar o verdadeiro Che, não passa de uma tentativa desesperada e ideológica de preservar um mito, semelhante a outros mitos que alguns idiotas ainda insistem em idolatrar, como Stálin e Mao Tsé-tung. Uma simples questão de propaganda. Mas contra os fatos não há propaganda que resista. Pelo menos enquanto houver imprensa livre.

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