segunda-feira, fevereiro 09, 2009

OUTRAS GUANTÁNAMOS

No post anterior, falei do paradoxo de se condenar a decisão da Igreja Católica de readmitir um arcebispo antissemita e saudar, ao mesmo tempo, o início de conversações "de paz" entre os EUA e o Irã do antissemita Mahmoud Ahmadinejad. Lembrei que os acenos do governo de Barack Obama a Teerã não estão sendo acompanhados de nenhum compromisso, por parte de Ahmadinejad, de que irá abandonar seu programa nuclear (alguém duvida para que este serve?), ou de que deixará de patrocinar o terrorismo palestino de grupos como o Hamas, ou de que reconhecerá o direito de Israel à existência. Logo, a possibilidade de que o resultado de tais conversações seja "a paz" no Oriente Médio é, sendo bastante otimista, algo mais do que remoto.
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Bem mais perto de nós, aqui mesmo na América Latina, um outro processo de conversações para "a paz" me chamou a atenção. Assim como no caso do Irã, trata-se de algo que está sendo celebrado pelos bem-pensantes e admiradores do novo presidente norte-americano, ou simplesmente pelos Cândidos da vida, como uma nova "esperança". Barack Obama, como se sabe, defende o início do diálogo com o regime de Cuba, capitaneado pelo primeiro-irmão, Raúl Castro. Também prometeu rever as políticas de seu antecessor, George W. Bush, no tocante ao combate ao terrorismo. Para assinalar que uma nova era estava começando, o novo Messias ungido anunciou, no primeiro dia de seu mandato, o cumprimento de uma promessa de campanha: o fechamento, no prazo de um ano, da prisão de Guantánamo, em território cubano. É a "mudança" em ação. (O que se fará dos prisioneiros, alguns dos quais já retornaram à faina terrorista, é, claro, assunto para outros resolverem...)

Pois bem. O anúncio do fechamento de Guantánamo está sendo celebrado por todos os que se opuseram à administração Bush como uma vitória dos Direitos Humanos. Em certo sentido, é mesmo, já que a tal prisão era mantida ao arrepio da lei internacional etc. e tal. Até aí, beleza. A essa altura, creio eu, todos querem o fechamento da prisão, onde, como fomos insistentemente bombardeados pela imprensa nos últimos oito anos, a tortura, ou algo parecido com a tortura, rolava solta. O.k., juridicamente, Guantánamo era uma aberração. O.k., os direitos humanos dos prisioneiros eram violados. O.k., havia mesmo alguns inocentes entre os detidos. O.k., a prisão precisava mesmo ser fechada. Tudo isso é certo. Mas tem uma coisa aí que não encaixa direito...

Não encaixa direito o fato de que a decisão de fechar a prisão tenha sido acompanhada do anúncio do começo de conversações com o regime de Cuba, um país que, como se sabe, tem não uma, mas cerca de trezentas Guantánamos, funcionando a todo vapor, há mais de cinquenta anos. Aliás, a ilha inteira é uma imensa prisão. No entanto, não se vê o mesmo tipo de pressão internacional sobre o regime de Havana para que feche suas cadeias e liberte os presos políticos. Pelo contrário. No final do ano passado, o governo do "democrata" Luiz Inácio Lula da Silva patrocinou a entrada de Cuba no Grupo do Rio, organização dos países da América Latina, sob a alegação de que é preciso evitar o "isolamento" de Cuba e "trazer de volta" a ilha para o "convívio democrático". Com um detalhe importante: não foi exigido absolutamente NADA do regime cubano para que fosse aceita sua entrada no tal Grupo. O que revela que há muito mais por trás de tais movimentos além de amor pela democracia e pelos direitos humanos...
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Do mesmo modo, os acenos de Obama em direção à ditadura cubana vieram acompanhados de alguma exigência de democracia e de respeito aos direitos humanos na ilha? Nenhuma. Nada, absolutamente nada, foi pedido a Havana. Pelo contrário: a exemplo do que ocorreu com Ahmadinejad, o regime castrista de Cuba não perdeu a chance de espicaçar o Grande Satã imperialista. Ao braço estendido de Obama, Havana respondeu com algum sinal de que irá permitir a liberdade de expressão e realizar eleições livres? Não. Em vez disso, apresentou uma longa lista de exigências à Casa Branca: entrega de Guantánamo a Cuba; fim do "bloqueio" à ilha; soltura de cinco cubanos presos nos EUA acusados de espionagem; e, de quebra, entrega de um cubano, Luís Posada Carriles, acusado de terrorismo contra o regime (será preciso dizer qual tipo de "justiça" será aplicada a Carriles, caso ele seja entregue à ditadura cubana?). Sobre permitir eleições livres e a livre circulação de opiniões, bem como libertar dezenas de pessoas presas há anos por desejarem a democracia para a ilha, nenhuma palavra, nem um pio sequer.

A ideia de que Cuba se tornará um dia uma democracia em função do que fará ou deixará de fazer o ocupante da presidência dos EUA é um dos mitos mais fortemente arraigados na psique coletiva ocidental nos últimos cinquenta anos. É uma forma de desviar a atenção dos verdadeiros culpados pela falta de liberdade no país, que são os irmãos Castro e sua camarilha, e, ao mesmo tempo, atirar a redemocratização da ilha para as calendas gregas. De acordo com essa visão, países como Cuba, Irã e Coreia do Norte só são ditaduras como uma forma de "reação" ao que os EUA fazem (os EUA são os culpados por tudo de ruim que acontece no mundo, desde as ditaduras e o terrorismo até a AIDS e a crise econômica). A conclusão daí decorrente é que, para que se tornem democracias, basta que os EUA "ajam". Na verdade, não há nada, exceto as teorias conspiratórias ou o wishful thinking, que corrobore essa tese. Cuba e o Irã não são regimes tirânicos porque assim determinou a política externa dos EUA, mas tão-somente porque seus líderes - os irmãos Castro e Ahmadinejad - não têm qualquer compromisso com os direitos humanos e a democracia. Daí que tais regimes não chegarão ao fim sendo adulados. Pelo contrário: é somente uma ação firme e decidida da comunidade internacional, mediante a pressão sobre tais regimes, o que poderá levar, um dia, à liberdade.

Alguns dias atrás, o ator Benicio Del Toro, que interpreta Che Guevara num filme, enrolou-se ao tentar justificar numa entrevista os fuzilamentos comandados por Che em Cuba, pois, segundo ele, muitos dos executados eram "terroristas". Essa, aliás, tem sido a justificativa-padrão repetida pelos defensores da tirania castrista para os fuzilamentos na ilha: "eram terroristas" etc. etc. Del Toro foi imediatamente desmentido, de maneira humilhante, pela entrevistadora, de origem cubana, que lembrou que a maioria dos fuzilados era de presos de consciência, não terroristas. Disso fica uma lição importante: em Guantánamo, até onde se sabe, nenhum dos acusados de terrorismo presos foi morto. Já em Cuba, o tratamento para aqueles acusados de terrorismo, como Posada Carriles, e mesmo para os que apenas se opõem ao regime, é o paredão, e isso é visto por muitos como algo plenamente justificável. Fico pensando o que diriam os "defensores dos direitos humanos" se alguém no governo dos EUA propusesse o fuzilamento sumário dos detidos em Guantánamo... Seria um escarcéu, sem dúvida. Essa diferença demonstra claramente quem está do lado da civilização e dos direitos humanos, e quem está se lixando para as duas coisas, usando-as apenas como armas de propaganda.

É por essas e outras que eu não canso de dizer que o mundo virou mesmo de cabeça para baixo (ou de ponta-cabeça). Graças, em grande parte, aos Lulas e Obamas da vida. Raúl Castro e Ahmadinejad podem ficar sossegados. Se depender do novo presidente dos EUA, eles ficarão no poder por muito tempo ainda.

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