segunda-feira, setembro 15, 2008

EVO, O AMORALES


Obs.: Prometo que, até o final deste texto, eu não vou falar em FORO DE SÃO PAULO, nem em COMUNISMO, nem em CONSPIRAÇÃO ESQUERDISTA etc. - afinal, todos sabem que tudo isso é mera invenção de um bando de reacionários a soldo da CIA e liderados pelo líder da conspiração direitista mundial, Olavo de Carvalho. Vamos lá.

Esqueçam as ofertas milionárias de Wall Street. Deixem para lá aquela oportunidade maravilhosa de trabalho como CEO daquela poderosa multinacional. Podem esnobar o cargo de confiança oferecido por aquele dono de agência publicitária badaladérrimo. O melhor emprego do mundo é o de presidente da Bolívia. Se seu nome é Evo Morales, então, pode ficar sossegado: aí você estará no Paraíso, com as mãos livres para fazer o que quiser, pois estará cercado de amigos que virarão o mundo - e a lógica - pelo avesso para justificar suas trapalhadas.

Desde que assumiu o poder na Bolívia, Evo Morales mergulhou o país no caos, amparado num discurso fajuto de líder messiânico indigenista - ele é apresentado como "o primeiro presidente índio da história da Bolívia" - que pretende recriar, em terras bolivianas, a fantasia de um suposto reino encantado quéchua ou aymará, como supostamente foi um dia - uma imensa reserva Raposa Serra do Sol, com tintas vagamente socialistas. Com uma retórica antiimperialista e pró-cocaleiros, o índio de araque Morales vem concentrando, desde 2006, poderes em suas mãos, seguindo os passos de seu guia e mentor, Hugo Chávez. Para tanto, ele vem instigando a divisão do país entre o Altiplano andino, pobre e de população majoritariamente indígena, e a chamada "meia-lua", os cinco estados (departamentos) do leste, mais ricos e mais brancos. É na região da meia-lua que se concentra a maior parte do gás boliviano, a maior riqueza do país. Morales vem transferindo recursos do leste para seu curral eleitoral andino, o que tem provocado a revolta dos governadores dessa região, que agora explodiu em protestos violentos contra o governo central. Os habitantes dos departamentos de Pando, Beni, Tarija, Chuquisaca e Santa Cruz estão revoltados pelo que julgam uma série de atentados contra a autonomia regional e uma transferência indevida de recursos pelo governo de La Paz. Diante dessa situação, Morales não se fez de rogado: expulsou o embaixador dos EUA. Afinal, sempre haverá quem culpe a Casa Branca pela baderna em que se transformou o país desde que ele, Morales, chegou ao poder, e além disso esse discurso costuma ser muito eficiente para desviar a atenção do envolvimento com narcoterroristas e com malas suspeitas de dinheiro - daí porque Hugo Chávez, o patrono venezuelano de Morales, fez o mesmo, expulsando também o embaixador estadunidense de Caracas. Para que procurar as causas da bagunça, se há um bode expiatório bem ali, dando sopa? Na ausência de quem culpar, culpe os gringos, ora!

Por que digo que Morales tem o emprego mais cobiçado do mundo? Não por causa da Bolívia, claro. Como país, a Bolívia está para o mapa político mundial mais ou menos como o Nepal ou Tuvalu: um lugar exótico, mas sem nenhuma relevância, a não ser, claro, pelo gás. Nossos vizinhos não sabem fazer outra coisa a não ser confusão. Mesmo assim, o cocaleiro bolivariano tem vários motivos para considerar sua posição invejável: para começo de conversa, ele sabe que tudo que fizer, desde cortar o fornecimento de gás para o Brasil até expulsar o embaixador norte-americano, terá o respaldo imediato de uma legião de aliados e simpatizantes em outros países. Já foi assim há dois anos, quando ele resolveu mandar os tanques tomarem, à força, duas refinarias da PETROBRAS, e recebeu, em troca, uns tapinhas nas costas de seu colega brasileiro, Lula, sempre compreensivo com o "companheiro" Morales... Sendo presidente de um país pobre, o mais pobre da América do Sul, ele sempre poderá usar a própria pobreza nacional como pretexto ("coitados, precisamos ajudá-los..."), mais ou menos como o ditador da Coréia do Norte, Kim jong-il, faz com o mundo, chantageando-o com a própria miséria do país e com a ameaça nuclear para obter ajuda financeira. Tendo, ainda, algum sangue indígena - como a maioria dos bolivianos, aliás um povo essencialmente mestiço -, ele possui ainda o trunfo do exotismo, podendo posar, como faz com freqüência, de "índio legítimo", que veio para vingar os quinhentos anos de domínio pela "elite branca" - um discurso que faz muito sucesso, paradoxalmente, entre as elites instruídas sul-americanas e européias, que adoram entregar-se morbidamente ao esporte da auto-flagelação e da expiação de pecados passados da Europa colonialista... Gente, enfim, que já está perfeitamente adestrada a justificar qualquer desmando do cocaleiro bolivariano. Em circunstâncias assim, quem não teria inveja de Morales?

No exato momento em que escrevo, os governantes sul-americanos estão reunidos em Santiago do Chile para tentar chegar a uma solução para mais essa crise. Lula, inclusive, já se ofereceu, ou foi convidado, a "mediar" o conflito entre Morales e a oposição. Muitos se perguntam: já que Lula é tão amigo de Morales, por que ele não usa de sua influência para "moderar" seu aliado?... Como se os dois não fossem fechados um com o outro há muito tempo, e inclusive como se não fizessem parte da mesma organização, o Fo... (ops, quase que eu disse!). Não importa. De qualquer maneira, mais uma vez, veremos um exercício de enxugar gelo e ensacar fumaça. Pelo menos até a próxima crise. Esta tem um nome. É Evo Morales. É Chávez. É Lula.

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