segunda-feira, novembro 19, 2007

A VERDADEIRA CORAGEM


"Mostra-me teus heróis e eu te direi quem és". A frase é de um dos personagens mais controversos do Brasil na atualidade, o filósofo Olavo de Carvalho. Ex-comunista, considerado um dos principais expoentes do pensamento conversador brasileiro, OC, como é também conhecido, é uma das figuras mais odiadas e demonizadas da intelectualidade nacional. Há anos, ele se dedica a fustigar sem tréguas os esquerdistas, em textos recheados de fúria e indignação, que já lhe renderam uma quantidade incontável de desafetos e inimigos jurados nos meios acadêmicos e jornalísticos do País. Dono de um estilo polêmico e virulento, sem papas na língua, ele é o alvo do ódio mortal dos militantes de esquerda e politicamente corretos de todos os matizes. É a bête-noire das esquerdas brasileiras.

Desde pelo menos 1996, quando publicou seu livro O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras (uma bem-humorada e devastadora crítica do besteirol cultural esquerdista, cujo título parodia a idéia de "intelectual coletivo" de Gramsci), OC tem sido uma voz quase solitária na multidão, clamando quixotescamente no deserto contra as empulhações de esquerda. Para se ter uma idéia, ele foi praticamente o único escritor brasileiro a denunciar, de forma sistemática nas páginas dos jornais, durante anos, as maquinações hegemônicas e revolucionárias do Foro de São Paulo, quando muitos até mesmo negavam - e ainda negam! - que tal entidade sequer existisse. O preço, claro, foi alto. Suas denúncias e artigos inflamados custaram-lhe, além de uma legião de inimigos, sua demissão de vários órgãos de imprensa, entre os quais o jornal O Globo e a revista Época, nos quais assinava uma coluna como articulista, quase uma década de ostracismo e centenas de epítetos lançados contra ele por parte de seus inúmeros detratores, dos quais "direitista" e "reacionário" são os mais suaves, e "disiquilibrado" (sic) um dos mais freqüentes.

Estou longe de ser um fã incondicional de OC. Embora suas análises demolidoras sobre as esquerdas sejam quase sempre brilhantes e certeiras, sua militância cristã conservadora, por exemplo, não faz meu gênero. No entanto, uma coisa até seus inimigos devem reconhecer: OC é um dos homens mais corajosos do Brasil. Talvez o mais corajoso. Digo mais: ele é a personificação mesma, entre nós, da verdadeira coragem, algo indispensável a um intelectual.

Há décadas, a esquerda e seus companheiros de viagem nos têm impingido uma noção de coragem e bravura totalmente falsa e enganosa, que não tem nada a ver com a coragem e heroísmo verdadeiros e serve apenas para encobrir uma concepção anti-humanista do homem e do mundo. De acordo com essa visão, "herói" é aquele que sacrifica sua vida e interesses pessoais, sua própria individualidade, família etc. em favor da coletividade, do Partido, do Estado, da Revolução. Estariam nessa categoria os principais líderes e representantes da ideologia comunista, como Lênin (e Stálin), Fidel Castro ou Che Guevara, além de todos aqueles militantes que deram a vida em holocausto pela sagrada causa revolucionária, renunciando a si mesmos, a suas próprias idéias, para se tornarem mártires e santos de um projeto coletivo maior do que eles. A medida de seu heroísmo e de sua coragem estaria, assim, em sua disposição em largar tudo e dar a própria vida por esse ideal, como bons soldados e leais servidores da causa socialista, dispostos a imolar-se em nome desse objetivo supremo. "Melhor errar dentro do Partido do que acertar fora dele", aprenderam a repetir para si mesmos, como um mantra, gerações de militantes comunistas.

Como tudo que diz respeito à esquerda, desde Marx, a noção de coragem por ela cultivada é marcada, do início ao fim, pela mais cínica enganação, pela falsidade mais completa. O que está descrito no parágrafo acima não é coragem. É estupidez. Não é heroísmo, mas servilismo e obediência. Não é independência e insubordinação de pensamento, mas conformismo e acomodação a uma ideologia totalitária que exige de seus crentes, como requisito básico, a regressão a um estágio mental pré-racional, a recusa voluntária ao ato de pensar. Dar a vida pela Pátria ou pela Revolução não é bravura: é seguir ovinamente a multidão, servindo de pasto aos interesses de outros indivíduos, eles mesmos covardes e espertos o suficiente para fazerem outros imbecis se sacrificarem por eles. Pode-se dizer que os soldados alemães ou japoneses que combateram até a morte na Segunda Guerra Mundial, ou os fanáticos islamitas que lançaram os aviões cheios de civis indefesos contra as Torres Gêmeas em 11/09/2001 eram bravos e heróis? Em que consiste a verdadeira bravura e heroísmo: seguir cegamente as ordens superiores (ou a vontade divina, esperando um banquete de 72 virgens no Paraíso como recompensa pela auto-imolação em nome de Deus) ou rebelar-se, como seres conscientes e dotados de razão? A idiotia desse suposto "heroísmo" não tem paralelo nem mesmo no reino animal. Uma besta de carga que, mesmo chicoteada por seu dono, recusa-se a atirar-se num precipício ou a entrar num rio gelado revela-se mais racional e sábia do que muitos membros de nossa intelligentsia, que acham lindo morrer - e, principalmente, matar - pelo Socialismo. É o medo de pensar por si próprios, o culto da unanimidade e do bom-mocismo, a rendição pragmática à força do número, da maioria - enfim, a covardia intelectual -, o que caracteriza essa gente.

Nem Lênin, nem Fidel Castro, nem Che Guevara, nem qualquer outro ídolo do panteão esquerdista, podem ser considerados modelos de coragem e desprendimento. Pelo mesmo motivo por que não se pode considerar honestamente como exemplos de bravura e heroísmo a tiranos, genocidas e assassinos. No caso específico dos três personagens citados, deve-se acrescentar o culto à personalidade decorrente da hábil manipulação histórica, patente na forma como se atribui coragem pessoal a um intelectual rancoroso sedento de vingança e poder (Lênin), a um ditador com medo do próprio povo que escraviza há quase cinqüenta anos, a ponto de mantê-lo sob estrita vigilância policial e negar-lhe o direito de escolher livremente seu destino (Fidel Castro), ou a um carrasco travestido de herói guerrilheiro, cuja mitologia criada em torno de sua estampa busca disfarçar sua sede de sangue como executor de prisioneiros indefesos no paredón e a forma abjeta como implorou pela vida ao ser capturado em combate ("não me matem, não me matem" - Che Guevara). Glorificados e santificados como paradigmas de compromisso revolucionário e heroísmo altruísta, são, na verdade, a antítese exata da bravura.

A verdadeira coragem não nasce da fé cega numa ideologia totalitária, da obediência servil a seus dogmas, mas da consciência individual, que de tudo duvida e que tudo põe à prova. É na mente de cada indivíduo, em seu eu interior, que ela surge, manifestando-se no embate com princípios e idéias feitas coletivamente, os quais quase sempre correspondem não à verdade, mas às conveniências e interesses de grupos ou doutrinas. Por essa razão, a coragem verdadeira não tem outro compromisso senão a própria consciência do indivíduo. Não se deve confundir coragem com fidelidade: um cão pode ser fiel e defender seu dono a mordidas, mas não se pode dizer que este seja um ato de bravura ou coragem. Esta é sempre uma ação consciente, racional, logo pessoal e instransferível, fruto da iniciativa do indivíduo livre e dono de sua vontade, e não da lealdade canina e automática a um partido ou bandeira.

A verdadeira coragem é sempre individual. Logo, não pode coadunar-se com ideologias ou projetos coletivistas. É sempre uma afirmação radical de independência do indivíduo, a fonte e o sujeito de toda liberdade, contra qualquer tentativa de discipliná-lo ou enquadrá-lo em algum esquema ideológico pré-estabelecido. Por esse motivo, é quase sempre um ato solitário, isolado, de pessoas que não se ajustam ou não se conformam com os padrões mentais estabelecidos pela coletividade. Poderemos encontrar exemplos dessa coragem em figuras que não se renderam às pressões de sua época ou do ambiente em que viveram, afrontando e desafiando verdades consideradas imutáveis, como Giordano Bruno, Voltaire, Zola, Reinaldo Arenas ou Alexander Soljenitsin (na ex-URSS, aliás, os dissidentes eram internados à força em hospitais psiquiátricos, pois os burocratas do Kremlin acreditavam mesmo que pensar com a própria cabeça era um gesto de loucura... O que demonstra que a liberdade de pensamento, para as esquerdas, é mesmo para loucos). Em suma, a verdadeira coragem é sempre um ato de dissidência.

Volta e meia, alguém me pergunta por que gasto tanto tempo escrevendo sobre a esquerda e suas fanfarronices. O que eu desejo ganhar com isso, afinal? Respondo que minhas intenções são as mais modestas possíveis. Sei que escrever o que escrevo dificilmente me trará vantagens pessoais. Que isso não vai me fazer ficar mais rico ou mais popular. Mas, sinceramente, não dou a mínima. Não espero, na verdade, nenhuma recompensa pelo que digo. Se o preço a pagar por dizer o que penso, do jeito que eu considero melhor, é o isolamento e a solidão, pago esse preço com prazer. Se um dia me apontarem na rua como aquele maluco com quase tanta coragem quanto um Olavo de Carvalho, eu já me darei por satisfeito.

Alguém disse que o primeiro dever do intelectual é a impopularidade. Se for assim, há um enorme déficit de intelectuais no Brasil.

2 comentários:

Anônimo disse...

nao se iluda tb

a cadeia de blogs direitistas está muito boa

vc deveria voltar a dar aulas de Historia, ajudaria a diminuir a imbecilidade coletivista

abs

Stefano di Pastena disse...

Parabéns pelo excelente texto.

(viu o arranca-rabo entre OC e a blogueira Nariz gelado?...o professor pegou o bonde andando, coitado. Ainda bem que ele é muito maior do que isso, como você muito bem analisou.)