Falar sobre pena de morte e narcotráfico sem apelar para velhos chavões esquerdistas é algo difícil de fazer no Brasil. Na verdade, trata-se de duas não-questões, dois verdadeiros tabus. Em ambos os assuntos, ainda se sente o peso sufocante das duas décadas de ditadura militar, com qualquer argumento a favor da pena capital ou de uma maior ação repressiva contra os narcotraficantes sendo automaticamente rotulado como "autoritário" e até mesmo "fascista". O resultado é que o debate sobre esses dois temas ficou totalmente truncado, sendo hoje algo praticamente inexistente, com a troca de argumentos sendo substituída em geral por acusações de reacionarismo e por muita histeria e irracionalidade. Como se quem quer que ouse levantar o debate fosse um Amaral Netto ou um nostálgico da época em que os milicos prendiam e arrebentavam.
Comecemos pela pena de morte. Antes que alguém me chame, pela enésima vez, de "direitista" e "reacionário", quero deixar claro que minha opinião sobre o assunto está baseada na idéia de responsabilidade do indivíduo. Quero dizer o seguinte: se o sujeito tortura e mata friamente uma família inteira, ou arrasta intencionalmente o corpo de um garotinho por vários quilômetros, está cruzando uma linha, está rompendo completamente qualquer possibilidade de convivência com a humanidade. Mais que um assassinato brutal, ele está expressando seu total desprezo pela vida humana e pela sociedade. Não importa se ele teve uma infância difícil, se seus pais o batiam, se ele veio da miséria etc. (muita gente tem uma infância difícil, é espancada pelos pais e vem da miséria, e nem por isso se transforma num serial-killer). Como indivíduo adulto e consciente, em pleno domínio de suas faculdades mentais e dono de sua razão (daí porque excluo desse raciocínio os mentalmente insanos e incapazes), ele deve saber perfeitamente que seus atos têm conseqüências, e que ele é responsável perante a sociedade. No momento em que entra na vida social, o indivíduo se compromete a respeitar suas regras e a vida alheia, a maior regra de todas. Se ele descumpre essa regra de forma bárbara, se está clara sua incapacidade de conter seus instintos homicidas, ele está se excluindo do convívio com seus semelhantes. Por que a sociedade então deveria manter algum compromisso com ele? Por que deveria sustentá-lo durante anos - ou a vida toda - na cadeia?
A vida é um direito, o primeiro direito de todos. Ninguém duvida disso. Tirar a vida de alguém com intencionalidade, de forma cruel e desumana, significa rasgar o contrato que regulariza esse direito. E quem rasga um contrato deve estar ciente que sofrerá uma penalidade por causa disso. No caso, trata-se de assegurar que a pena será compatível e proporcional ao delito cometido. É justo deixar 20 ou 30 anos preso alguém que devastou uma família inteira, com requintes de crueldade e sadismo? Não seria mais justo e proporcional privá-lo daquilo que ele retirou de sua(s) vítima(s)?
Noves fora todos esses argumentos, resta um, que a meu ver é a principal razão para não querer ver implantada a pena de morte no Brasil: a possibilidade de erro judicial. Este é, certamente, o maior argumento contra essa medida drástica, e se há um bom motivo para não ser a favor da pena capital, é esse. Afinal, ninguém em sã consciência gostaria de arriscar executar um inocente por causa de falhas no processo. E se isso já aconteceu até nos EUA, imagine no Brasil, com nosso Judiciário deficiente. Mesmo aqui, porém, eu me permito uma transgressão. Com o avanço das técnicas e métodos científicos que permitem descobrir a autoria de crimes, quem garante que em breve a possibilidade de erro judicial não seja próxima a zero? Basta lembrar que cinqüenta anos atrás, exame de DNA, por exemplo, era coisa de ficção científica.
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Quanto à questão das drogas, também não vejo como ser "politicamente correto". A idéia da legalização, que é vendida por tanta gente descolada como uma espécie de solução mágica para o problema do tráfico e do próprio consumo, pois retiraria a sedução do proibido, é, para mim, uma falácia. Na verdade, é uma forma de desviar a atenção do cerne da questão. Não é o que é proibido que importa, se faz ou não mal à saúde, ou se é ou não uma questão de "liberdade individual", com a qual ninguém, muito menos o Estado, teria nada a ver. A questão é outra. O que realmente importa é o fato de que consumir e traficar drogas, no Brasil, é contra a lei. E ponto. Pouco me importa se o que é proibido é o consumo de maconha ou de fubá. É o respeito à lei, e não o fato de o sujeito encher os pulmões com fumaça de canabis ou de pó, o que está em jogo. E a lei é para todos, gostem ou não. Em outras palavras, a idéia da legalização (descriminalização) do porte e consumo de drogas, assim como de seu comércio, apenas atesta a existência de uma cultura da contravenção entre nós, algo também herdado de certa visão de esquerda, dos anos 60.
Vou dar um exemplo: a lei que obriga o uso do cinto de segurança nos automóveis, que existe desde algum tempo. No começo, achei essa lei um absurdo, pois, pelo menos no caso do carona e do motorista, é uma clara intromissão na vida privada do indivíduo. Não há dúvida de que usar o cinto de segurança é algo extremamente importante e recomendável, mas de modo algum, eu acreditava e continuo a acreditar, deveria ser algo obrigatório. O raciocínio por trás dessa medida é o mesmo de querer obrigar todo mundo a escovar os dentes ou tomar banho todos os dias, por exemplo. Malgrado as boas intenções que possam estar por trás de sua elaboração, essa lei é, portanto, bastante questionável. Até hoje penso assim, mas nem por isso deixo de usar o cinto. E não somente por medo de levar uma multa, mas sobretudo porque é lei. E lei se cumpre. Mesmo que seja uma lei discutível.
Assim como já fui adversário visceral da pena de morte, já fui a favor da legalização (descriminalização) das drogas, inclusive das drogas mais pesadas, como cocaína e heroína. Não sou hipócrita: assim como Bill Clinton, também fumei em meus tempos de faculdade e, ao contrário dele, traguei, sim. Literalmente intoxicado de literatura esquerdista, eu acreditava, então, que a lei era autoritária e que drogar-se era, enfim, um ato de rebeldia, uma questão individual, quase como escolher esse ou aquele tipo de comida. Afinal, se o sujeito resolve cheirar ou se picar, o que eu tenho a ver com isso?, raciocinava. Cada um na sua, e ponto final. Também pensava que bastaria legalizar o comércio de entorpecentes para que o problema do narcotráfico acabasse, e assim viraríamos uma Holanda ou uma Suiça.
Hoje penso bem diferente. Descobri que as coisas não são tão simples como eu imaginava na minha época de bicho-grilo. Aquilo que eu via como demonstração de rebeldia e de liberdade, percebi logo, era apenas desprezo pela lei e arrogância. Do mesmo tipo do "sabe com quem você está falando?" e outras típicas manifestações de nossa cultura senhorial e escravocrata, de nossa incapacidade atávica de separar os interesses público e privado. O simples imperativo categórico kantiano - se vale para um, precisa valer para todos, sem exceção - é algo estranho à nossa formação social. Daí a nossa cultura do "jeitinho", da malandragem. A lei pode servir para os outros, para os pobres, os que não têm grana para comprar cocaína "da boa" ou uns pontos de LSD para curtir uma rave, jamais para nós, juventude dourada e descolada, herdeira da geração "paz e amor" dos anos 60... Não há nada de "moderno" no comportamento de um usuário de maconha ou de ecstasy. Pelo contrário: há apenas a reverberação de antigos vícios e taras nacionais. Além de muita vaidade, muito narcisismo e imaturidade.
Pode ser que um dia as drogas sejam todas legalizadas, e qualquer pessoa possa comprar uma trouxinha de maconha ou uma dose de cocaína no coffee-shop da esquina, tal como já ocorre, por exemplo, na Holanda. Pode ser que, nesse dia, fumar um baseado ou cheirar uma carreira de puro pó colombiano seja encarado como algo normal e socialmente aceitável, como é hoje tomar uma dose de uísque ou um gole de cerveja com os amigos. Até mesmo se picar na veia poderá um dia, quem sabe, ser visto apenas como um gosto pessoal, uma preferência sem maiores conseqüências para o usuário e a sociedade. Pode ser que esse dia chegue, e, com os avanços da ciência e da medicina, não duvido disso. Mas enquanto vivermos numa sociedade democrática, em que a lei proíba expressamente esses comportamentos, e enquanto o narcotráfico se aproveitar desses vícios para faturar e comprar armas, enrolar um baseado, por mais inocente que pareça esse gesto, estará longe de ser uma atitude individual. É e será um gesto de cumplicidade com a bandidagem. Conservador? Careta? Talvez. Mas é uma realidade que não dá para fingir que não existe.
No final do filme Os Intocáveis, de Briam De Palma, o personagem de Kevin Costner, que interpreta o inspetor do FBI e principal inimigo de Al Capone, Eliot Ness, é perguntado por um repórter o que faria quando a Lei Seca fosse revogada nos EUA."Vou tomar um drinque", é a resposta de Ness, e a última fala do filme. Talvez eu dê um tapinha ou uma fungada quando as drogas forem legalizadas. Mas, até lá, prefiro respeitar a lei e não compactuar com a bandidagem.
Um comentário:
ow, falaram q vc é de direita é? o q eles entendem por direita será?
a galera q convivo na maioria curtiu o filme e concordou com o óbvio: quem financia o tráfico é o usuário
tropa de elite é um sucesso, tomara q os produtores nao se curvem para o politicamente correto na sequencia, ou alguem dúvida q esse filme vai ter continuaçao?
abs
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