Ao contrário do hilário personagem Borat, porém, Chomsky não é nenhum simplório. Renomado lingüista e filósofo, professor do prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT) há mais de cinco décadas, desde os anos 60 ele é considerado um dos ativistas políticos mais influentes do planeta. Não por acaso, o New York Times classificou-o simplesmente como o mais importante intelectual vivo no mundo hoje. O jornal inglês The Guardian foi ainda mais além: afirmou que ele é, ao lado da Bíblia e de Shakespeare, a maior referência intelectual do mundo moderno.
Entre nós, Chomsky é venerado como poucas pessoas já o foram, em qualquer época. Hugo Chávez brandiu um livro seu, Hegemony or Survival, quando de seu show particular na Assembléia Geral da ONU, no ano passado, como se fosse a própria Bíblia. Estou terminando de ler o livro. É uma compilação de denúncias do imperialismo norte-americano, desde 1945 até a guerra do Iraque. Está quase tudo lá: Hiroshima, os bombardeios no Vietnã, o apoio a golpes militares na América Latina, os planos de dominação global, as agressões ao meio ambiente... Só não vi nenhuma referência, por menor que seja, ao caráter ditatorial de regimes como o de Fidel Castro ou de Saddam Hussein. Nenhuma palavra sobre a detenção ilegal de presos políticos em Cuba, por exemplo. Só em Guantánamo. Nenhuma menção às atrocidades do Talibã no Afeganistão. Só aos bombardeios norte-americanos.
Diferentemente do que ocorre entre nós, pobres cucarachas, que adoramos malhar o imperialismo da grande potência do Norte mas que não nos preocupamos muito em repetir mecanicamente o que dizem os remanescentes da New Left norte-americana ou européia, Chomsky, que se diz um "socialista libertário", está longe de ser uma unanimidade entre seus pares. Mesmo entre representantes de setores de esquerda ou oriundos da esquerda, seu excessivo antiamericanismo e sua condescendência com o terrorismo são duramente criticados. O inglês Christopher Hitchens, que já foi o algoz de Henry Kissinger, é um deles. Em vários artigos, Hitchens lembrou que Chomsky já chegou a justificar o genocídio promovido pelo Khmer Vermelho no Camboja, na década de 70, e a minimizar o holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial (embora seja judeu de nascimento). Mas nada disso importa para os inúmeros fãs de Noam Chomsky espalhados pelo mundo. Assim como Borat, eles acreditam que Bush e seus assessores estão deliciando-se na Casa Branca com o sangue das mulheres e criancinhas iraquianas, com vinho tinto e queijo camembert.
No Brasil, Chomsky também é visto com o mesmo temor reverencial que os índios geralmente dispensavam a seus totens sagrados, principalmente entre os revolucionários juvenis do toddyinho e do piercing no nariz. Pelo menos duas revistas brasileiras trazem entrevistas suas como matéria principal neste mês (uma delas é a edição local do Le Monde Diplomatique, do impagável Ignacio Ramonet, outro luminar do antiamericanismo chique). Em ambas pode-se ver claramente o selo do patrocínio do governo federal. Ao que parece, os gurus do lulo-petismo, como Emir Sader e outros, não dão mais conta do recado. Trata-se, agora, de importar a idiotice primeiro-mundista. E, nesse particular, Noam Chomsky é um produto de altíssima qualidade. Assim como outros importantes intelectuais que se dedicam a defender causas totalitárias, inclusive vários ganhadores do Prêmio Nobel como Gabriel García Márquez, José Saramago e Harold Pinter, ele é a prova mais contundente de que a inteligência não está necessariamente a serviço da lucidez.
Na capa de uma das publicações dedicadas a Noam Chomsky lê-se, embaixo de uma foto do venerável intelectual norte-americano, a seguinte frase: "Não precisamos aceitar as tiranias". Fica a pergunta: What the hell is this about?
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