Acreditem, acho um saco escrever sobre política. Se dependesse unicamente de minha vontade, eu estaria gastando neurônios com coisas mais amenas, como cinema ou literatura. Mas Lula não deixa. Os lulistas não deixam. Marco Aurélio Garcia não deixa. Tarso Genro não deixa. Renan Calheiros não deixa. Por mais que eu não queira, sou obrigado a ocupar-me neste espaço de assuntos desagradáveis, como mensalões, Hugo Chávez e cotas raciais. Já estava prestes a começar um texto sobre um dos meus filmes preferidos, Casablanca, quando fui novamente chamado à dura e feia realidade.
A última dos companheiros, depois de terem tentado "despolitizar" o acidente da TAM, causado exatamente pela politização da ANAC e da INFRAERO, e de terem entregue em tempo record os cubanos fugidos no Pan a Fidel Castro, lembrando assim casos como o de Olga Benario e de Lilian Celiberti, é minimizar a importância dos arremedos de movimentos de oposição que estão surgindo no país, como esse tal de movimento "Cansei", surgido em São Paulo. A estratégia agora é tachar a todos como movimentos de setores da classe média, descontentes por não terem sido contemplados pela cornucópia da política oficial lulista. A grande imprensa já mordeu a isca direitinho, reproduzindo, talvez sem o saber, o discurso oficial, ao mesmo tempo em que acredita estar agindo de forma independente de preconceitos ideológicos.
Há dois objetivos subjacentes a essa estratégia dos lulo-petistas: primeiro, incutir na mente de todos que o governo Lula é um governo voltado para os mais pobres; segundo, desqualificar qualquer crítica vinda da classe média, como uma demonstração de setores acomodados que estão se lixando para o aumento do nível de vida dos mais humildes.
Ambos os objetivos, claro, são falsos como uísque paraguaio. Primeiro, porque - foi o próprio Lula que disse em discurso recente -, se alguém deveria estar vaiando o governo, são os pobres, porque "nunca na história deste país" os ricos ganharam tanto, o que não deixa de ser verdade (vide a farra com dinheiro público que foram as obras do Pan no Rio de Janeiro, por exemplo). Segundo, porque, ao rotular todos que se lhe opõem como membros da classe média, o que os lulistas fazem é retomar a velha discurseira ideológica bolchevique, segundo a qual a legitimidade de uma demanda é determinada não por critérios subjetivos como honestidade, integridade etc., mas objetivos como a origem de classe de quem as faz.
Qualquer pessoa com um nível de inteligência acima do dos protozoários já deve ter percebido que os dois objetivos citados acima são completamente contraditórios. Afinal, se quem deve vaiá-lo são os pobres, como afirmou o Apedeuta, o que diabos seus defensores estão fazendo ao querer desqualificar a classe média? Sem querer, o Grande Molusco confessou em público seu fracasso, ao dizer que seu governo encheu as burras das elites, enquanto tratou de distribuir esmolas aos miseráveis. Trocando em miúdos, Lula e sua curriola conseguiram uma proeza: aumentaram ainda mais a desigualdade social no Brasil, o que contraria frontalmente toda a lengalenga sobre "o governo que mais fez pelos pobres" etc.
Não engulo a falácia de que a oposição a Lula deve ser desqualificada por causa da origem social dos que estão tentando se mobilizar, aliás em váo, porque as ruas já estão ganhas pelo monopólio esquerdista há pelo menos quatro décadas. Que o "Cansei" reúne principalmente pessoas oriundas da classe média, entre as quais familiares dos mortos no acidente da TAM, está mais que claro. Mas desde quando uma crítica é menos pertinente porque vem da classe média? Esta, como disse o Reinaldo Azevedo, é o negro do Brasil de hoje: não tem, para defendê-la, nenhum partido, nenhum sindicato, nenhuma ONG. E ainda por cima tem que ouvir cretinices como a pronunciada pelo ex-governador de São Paulo, o ridículo Claudio Lembo, que disse que "Cansei" está mais para dondocas entendiadas... (certamente, as madames dos ricos citados pelo Grande Molusco, que devem estar fazendo a festa). Se não podem rebater as críticas de seus adversários, os lulo-petistas os condenam por sua origem social, como nos tempos de Stálin. Pelo menos numa coisa o velho Marx tinha razão: a História realmente se repete. Sempre como farsa.
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