quarta-feira, agosto 15, 2007

MEDO DA RESPONSABILIDADE


Karl Popper, em seu clássico A Sociedade Aberta e seus Inimigos, descreve de forma até agora insuperável os mecanismos mentais e filosóficos que levam alguns indivíduos a renunciarem voluntariamente à liberdade e preferirem sociedades totalitárias. Em sua análise demolidora de Platão, Hegel e Marx, o filófoso austríaco faz uma defesa rigorosa e, ao mesmo tempo - por que não dizê-lo? - apaixonada da democracia, a única forma de organização política e social em que os valores individuais podem florescer abertamente, livres das amarras coletivas (tribais, religiosas, estatais etc.).

Dentre os mecanismos, digamos, psicológicos que Popper denuncia como a origem da compulsão de alguns indivíduos por teses anti-democráticas - a chamada "tentação totalítária", título aliás de outro livro essencial e pouco lido, do desgraçadamente pouco conhecido entre nós Jean-François Revel -, estão aquilo que se poderia chamar de "medo da competição" - o temor de certos indivíduos de perderem privilégios em função da livre concorrência, e que está na raiz das práticas protecionistas e intervencionistas - e o "medo da responsabilidade". Este último geralmente se manifesta na atuação de indivíduos que, pegos em flagrante numa ação delituosa, tratam de fugir à qualquer responsabilidade por seus atos, atribuídos quase sempre a fatores externos ao próprio indivíduo (os bandidos "vítimas da sociedade", que já cansamos de ver sendo justificados pela retórica esquerdista, por exemplo). Nessa concepção, a culpa ou o mérito individuais se diluem completamente, só podendo ter lugar em sociedades democráticas, regidas por valores liberais.

Atualmente, estamos vendo um exemplo bastante ilustrativo de medo da responsabilidade, tal como descrito por Popper. Quem o está dando, qualquer observador mais atento já percebeu facilmente, é o governo de Lula e dos companheiros.

O exemplo a que me refiro diz respeito à maneira como a companheirada que gravita em torno do Apedeuta vem tentando, a todo custo, transferir responsabilidades no caso do desastre com o avião da TAM em São Paulo. A reação pornopolítica de Marco Aurélio "Top, Top, Top" Garcia é o símbolo dessa estratégia lulista: a culpa foi do reversor, ou dos pilotos, logo o governo, a ANAC, a INFRAERO não têm qualquer responsabilidade pela tragédia. Mesmo sabendo-se que, no governo dos companheiros, a ANAC, a INFRAERO e demais órgãos responsáveis foram aparelhados com indivíduos escolhidos por critérios político-partidários, e não técnicos. Mesmo sabendo-se que tais indivíduos, que deveriam estar fiscalizando os serviços das empresas e cuidando da infra-estrutura aérea, estavam mais ocupados viajando com passagens pagas pelas mesmas companhias que deveriam fiscalizar, e torrando milhões do dinheiro do contribuinte em reformas cosméticas, em vez de cuidar da segurança dos aeroportos, por exemplo. Nada disso importa. Segundo a linha adotada pelo atual governo brasileiro, e que, ingênua ou cinicamente, já começa a virar voz corrente, não há nenhuma relação entre esses desmandos e a morte de 199 pessoas. Nenhuma responsabilidade. Nada.
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A mesma saída cínica e imoral - tendo politizado e partidarizado os órgãos encarregados de regulamentar e fiscalizar a aviação civil, agora o governo da companheirada se opõe à "politização" da questão - vem sendo adotada pelos companheiros no poder desde praticamente o dia da posse do Apedeuta no Palácio do Planato. Foi adotada quando estourou o escândalo do mensalão, dois anos atrás, e em todos os outros semelhantes Tentou-se de todas as maneiras possíveis desviar a atenção do fato de que a corrupção lulista decorreu logicamente de uma visão ideológica que considerava válidos quaisquer meios, desde que conduzissem ao "poder". Apenas para lembrar: "não sei nada", "não vi nada", "todos fazem igual" e "fui traído" tornaram-se verdadeiros mantras do atual mandatário para tentar livrar-se de qualquer responsabilidade nesses episódios. Além disso, ao optarem por "blindar" o atual governante, em vez de fazê-lo encarar as críticas, seus assessores acabaram admitindo, sem o querer, sua parcela de responsabilidade - afinal, só se blinda o que é frágil.

Os lulo-petistas são pródigos em declarações de amor à democracia - na verdade, proclamam-se mesmo seus mais ardentes defensores, e convenceram a muitos de que o são de fato -, mas carecem de um pré-requisito fundamental a quem deseja viver numa sociedade democrática: a coragem para assumir suas próprias decisões, a disposição de arcar com as conseqüências de seus atos. Não hesitam em apropriar-se das conquistas de governos passados (como na área econômica), recusando-se a fazer qualquer autocrítica séria, mas se negam até não mais poderem a assumir qualquer responsabilidade pelas conseqüências de suas lambanças. Assim como a tendência ao dirigismo e ao intervencionismo estatal na economia, a ausência de capacidade moral de reconhecer a responsabilidade dos indivíduos por suas próprias ações é uma característica do discurso esquerdista.
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Desse modo, os lulo-petistas comprovam aquilo que Popper colocou tão brilhantemente em sua obra: que as noções de responsabilidade individual e de livre concorrência são incompatíveis com quem nutre simpatias por ideologias e regimes antidemocráticos, como os de Cuba e da Venezuela. Não esperem ver nenhum membro do governo ou alto dirigente petista admitindo qualquer culpa sobre o que quer que seja. É o medo da responsabilidade e a atração pelo totalitarismo, mais do que qualquer outra coisa, o que guia essa gente.

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