quinta-feira, agosto 09, 2007

VOTANDO COM OS PÉS


Quem lê jornais e acompanha o noticiário já sabe da história dos dois pugilistas cubanos que, aproveitando-se da vinda ao Rio de Janeiro para os Jogos Pan-Americanos, resolveram desertar e foram apanhados pela Polícia Federal no litoral do estado, sendo imediatamente deportados de volta a Cuba. Ao caso dos dois boxeadores, soma-se o de mais dois atletas cubanos, que também fugiram da vila olímpica e foram para São Paulo. A delegação de Cuba, inclusive, temerosa diante de um rumor de deserção em massa, e obedecendo às ordens de um furioso Fidel Castro, tratou de antecipar-se às outras delegações e embarcou às pressas de volta à ilha caribenha, deixando de participar da cerimônia de encerramento dos Jogos e, em alguns casos, até mesmo de receber as merecidas medalhas.

O caso dos dois boxeadores mandados de volta à ilha de Fidel - e, quando digo ilha de Fidel, não o digo de forma figurada, metafórica, mas literal: é a ilha dele, Fidel Castro, sua propriedade particular - é paradigmático para se compreender o tipo de relação que o atual governo brasileiro mantém com o regime cubano, a única ditadura comunista do hemisfério ocidental.

Em nota, o Ministério da Justiça, comandado pelo comissário Tarso Genro, chegou a dizer que os dois atletas cubanos teriam se apresentado voluntariamente à PF, e que desejavam retornar a seu país. Que estavam com saudades de casa, enfim. Estavam tão ansiosos para voltar que, inclusive, não lhes foi permitido sequer falar com a imprensa, e as autoridades brasileiras, ansiosas para despachar os dois fujões, nem se preocuparam em seguir os trâmites burocráticos necessários para a deportação. Agora, chega a notícia de que o Comandante Fidel Castro os proibirá de participar em competições fora de Cuba, encerrando para sempre a carreira internacional dos dois. Fica a pergunta: se queriam mesmo voltar a Cuba, como alega o governo, desejavam igualmente jogar suas carreiras no lixo? Seriam masoquistas?

O fato é que a Polícia Federal do companheiro Tarso Genro e do governo Lula, nesse caso, agiu como uma extensão da polícia política cubana, a G-2. Pior ainda: atuou como um capitão do mato*, correndo atrás de fugitivos de uma tirania totalitária para entregá-los de bandeja a seus algozes. Agiu de forma semelhante à ditadura de Getúlio Vargas, que entregou, nos anos 30, a judia e comunista alemã Olga Benario, mulher de Luiz Carlos Prestes, ao regime nazista para ser assassinada num campo de concentração na Alemanha. Ou como a ditadura militar brasileira que, nos anos 70, seqüestrou e deportou secretamente dois estudantes, Lilian Celiberti e Universindo Díaz, que viviam exilados no Brasil, fugidos da ditadura militar no Uruguai.

Uma diferença, porém, separa o caso dos boxeadores cubanos dos de Olga Benario e dos estudantes uruguaios: estes últimos eram acusados da prática de atos terroristas e subversivos - Olga, aliás, fora enviada ao Brasil pelo Comintern, a Internacional Comunista controlada por Moscou, para ajudar na preparação da malfadada insurreição comunista de 1935, a famosa intentona. Ainda que não tivessem cometido crime algum, eram pelo menos acusados dos mesmos em seus países de origem, o que em tese justificaria a deportação. E os atletas cubanos, que crime cometeram? De que delito eram acusados? Queriam fugir de uma ditadura. A conclusão lógica é que, para os companheiros no poder no Brasil hoje, abandonar uma tirania e tentar uma vida melhor no exterior é um crime passível de deportação imediata. Enquanto isso, o ex-padre Olivério Medina, o homem das FARC no Brasil, continua leve e solto, participando, dizem, de animados convescotes com os companheiros petistas.

O erro dos pugilistas cubanos foi terem acreditado que, ao decidirem não retornar à ilha-prisão, permaneceriam num país livre e democrático. Num país cujo governo coloca os direitos humanos e a democracia acima das simpatias ideológicas por uma ditadura falida e brutal. Erraram de país. No Brasil lulista, as autoridades não se contentam em justificar as peripécias de um Evo Morales ou de um Hugo Chávez: agora se prestam também a servir de capitão do mato de um tirano senil e assassino.

Privado há quase 50 anos do direito elementar de escolher livremente seus governantes, obrigado a aplaudir em bem orquestradas manifestações "espontâneas" as arengas intermináveis de um ditador, vigiados de perto pela polícia política, sufocados em seus direitos fundamentais, reduzidos à mais abjeta pobreza e submissão, não restou outra alternativa ao povo cubano senão escapulir na primeira oportunidade. Desde 1959, cerca de 2 milhões de cubanos e seus descendentes escolheram o caminho do exílio, numa população total de 11 milhões. Com isso, não fogem apenas da tirania mais antiga do planeta, nem buscam somente escapar da penúria em que vivem: estão votando com os pés. Ou com os remos. Deus nos livre de destino tão triste.
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* Capitão do mato - nome que se dava, na época do Brasil-Colônia e do Brasil-Império, ao sujeito, geralmente um escravo liberto, que se dedicava a caçar e aprisionar escravos fugidos, devolvendo-lhes, a troco de dinheiro, a seus donos. Um dos serviços mais degradantes a que um indivíduo pode dedicar-se, agora reproduzido, em nível internacional, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

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