sábado, março 31, 2012

E SE FOSSE MAOMÉ?


Um leitor, o David, enviou-me um link para um comercial de Red Bull que foi tirado do ar pelo Conar, o Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária. Ele mostra a famosa passagem bíblica em que Jesus está no barco com Pedro e outros apóstolos, que estão pescando. Jesus começa a andar sobre as águas. É por que ele é santo e coisa e tal? Não, é porque ele toma Red Bull, diz o próprio Cristo, com uma voz meio chapada, que está mais para Bob Marley do que para o Messias. Ah, então é por isso que ele anda sobre as águas? Não - responde o Filho de Deus -: é só escolher as pedras. E lá vai ele, o Salvador, aos saltinhos, entre um gole e outro do energético.

Não vi nada de ofensivo no comercial, que achei até engraçado. Sendo ateu, esse tipo de coisa não me afeta. Acho divertidíssimo, por exemplo, o filme A Vida de Brian, do grupo inglês Monty Python, uma das obras mais sarcásticas que já vi, que tira um tremendo sarro da história de Jesus. Proibi-lo seria uma estupidez, além de um óbvio atentado à liberdade artística (ao contrário de uma campanha da Benetton, veiculada há alguns anos, em que um padre e uma freira aparecem se beijando na boca). Mas admito que há quem se sinta ofendido em sua fé religiosa. E que veja no comercial de Red Bull uma afronta. Nesse caso, além de simplesmente não consumirem o produto - ainda somos livres para fazer escolhas, não? -, essas pessoas têm, sim, o direito de reclamar. Pesquisei e descobri que em outros paises democráticos, como a África do Sul e a Itália, esse e outros comerciais do mesmo produto e de teor semelhante também foram retirados do ar a pedido de cristãos mais sensíveis.

"Ah, mas isso é censura", apressa-se a bradar quem acredita que a liberdade não tem limites. Nada mais forçado. Censura seria se fosse uma imposição arbitrária do Estado, determinada não pela Lei, mas pela discricionaridade do governante - ou dos militantes de algum movimento político que querem colocar o Estado a seu serviço. Ou seja, se fosse um ato de uma ditadura - como aquela que os esquerdistas veneram e que o papa Bento XVI visitou esta semana (e onde a festa de Natal, por exemplo, ficou proibida por trinta anos, e rezar em público até há alguns anos dava cadeia, como ocorria em todas as tiranias comunistas). Nem a África do Sul de hoje nem a Itália são, ao que eu saiba, ditaduras. Além disso, a Constituição brasileira protege a liberdade de religião, punindo a profanação de símbolos religiosos (algo que se tornou comum, por exemplo, nas paradas gays). Pode-se dizer que é uma Constituição autoritária? 

Antes de criticarem a suposta intolerância de católicos ou protestantes, seria bom perguntarem a si mesmos: e se fosse Maomé? Há alguns dias, o chefe da BBC de Londres confessou publicamente que a emissora só aceita fazer piadas ou críticas a Jesus, mas não a Maomé. Sua justificativa: é que os cristãos, ao contrario dos muçulmanos, não reagem quando provocados... Acho que jamais vi confissão de cinismo e covardia maior do que essa, um claríssimo duplo padrão moral. O fato de os cristãos não reagirem quando insultados (talvez levando ao pé da letra a máxima de que é melhor dar a outra face) é, a meu ver, um ponto a seu favor, uma prova de que estão habilitados a viver numa sociedade democrática. Ao contrário dos islamitas que se explodem em mercados lotados e matam crianças.  

Sejamos honestos: nenhuma religião é mais combatida, atacada, vilipendiada, execrada, espinafrada, esculhambada (com ou sem motivo, não importa) do que a cristã - e, em especial, a fé católica. Muitos que reclamam de intolerância na retirada do comercial de Red Bull esquecem que, de todas as liberdades de que gozamos em uma democracia, a pioneira, a mãe de todas as demais, é a liberdade religiosa, de crença e de culto. Liberdade que é afrontada praticamente todos os dias no Brasil, por "movimentos" que, a pretexto de defender o caráter laico do Estado e os direitos de minorias, querem impor suas ideologias totalitárias, tentando calar a boca de padres e pastores e banir, por exemplo, crucifixos de repartições públicas. Em um país cultural e majoritariamente (a seu modo, mas ainda assim) cristão, não há como não ver nisso uma clara imposição autoritária de uma minoria organizada. Pior: uma intromissão numa questão de foro íntimo, pessoal, que é a religião. Não se trata, portanto, de uma rendição ao politicamento correto, mas exatamente do oposto.
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Muitos que enxergam censura na decisão do Conar sobre o comercial de Red Bull que faz troça com Jesus não vêem nenhum problema em pedir prisão para um humorista por uma piada considerada sexista ou preconceituosa (aqui sim, pode-se falar de patrulha politicamente correta). Geralmente são os mesmos que acham plenamente normal e compreensível muçulmanos queimarem embaixadas - e pessoas - por causa de uma charge do profeta Maomé. Anestesiados por um entorpecente mental chamado multiculturalismo, são implacáveis ao atacar severamente o suposto machismo ou casos de pedofilia na Igreja Católica, enquanto fecham os olhos ou mesmo procuram justificar crimes semelhantes ou piores cometidos em nome do Islã. 
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Só para dar um exemplo mais ou menos próximo: na Faixa de Gaza, hoje dominada pelos terroristas islamitas do Hamas e transformada numa cabeça-de-ponte do Irã, meninas de 8 anos de idade são forçadas a se casarem com homens mais velhos, em cerimônias de casamento coletivo. Se fossem cristãos, seriam acusados de pedófilos e estupradores. Mas não se vê quase ninguém denunciando-os como tal. Para a maioria dos que torcem o nariz para o cristianismo, as prescrições - e são apenas prescrições, sem qualquer efeito legal impositivo - de um velhinho vestido de branco sobre aborto e homossexualismo causam mais revolta do que o apedrejamento de mulheres acusadas de adultério e o estupro de crianças - de ambos os sexos - pelos devotos de Maomé. Tampouco os que se dedicam a criticar o papa e a Igreja se dão conta de que a religião mais perseguida do mundo, hoje, é o cristianismo.

Querem dados? Então lá vai. No Iraque, até 2003 havia cerca de 1 milhão de católicos; hoje sobraram menos da metade. São todos os dias atacados por   terroristas islamitas, e praticamente não restou nenhuma igreja intacta no país. No Egito, que passou recentemente por uma revolução tida por democrática, os cristãos coptas, a comunidade religiosa mais antiga do país - muito mais antiga do que o Islã -, sofre perseguições diárias dos fanáticos salafitas, que ganharam bastante poder depois da queda do ditador Hosni Mubarak. Critica-se George W. Bush por ter invadido o Iraque e despachado Saddam Hussein para o inferno, mas não se diz uma palavra sobre esse holocausto cristão. Em outros lugares - Sudão, Índia, Paquistão, Arábia Saudita, China - os cristãos são diariamente ameaçados e atacados, sendo proibidos de professar o culto livremente. Não por acaso, muitos desses países são muçulmanos ou ditaduras. Cristãos são impedidos de professar sua fé e assassinados todos os dias no mundo. Mas quem se importa?
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Como já disse, sou ateu, mas nem por isso anticlerical, o que não é nenhuma contradição. O direito à heresia, como sabia Voltaire, é uma conquista da civilização. Mas não significa o fim da liberdade de crença. Ironicamente, hoje o anticlericalismo é uma ideologia aliada das formas mais extremas de fundamentalismo religioso (no caso, islâmico), sendo um traço comum à esquerda mais "progressista" e "sofisticada" e aos fanáticos da Al Qaeda. Já perceberam como os que adoram jogar lama em 2000 anos de cristianismo - ou seja: na própria civilização ocidental, que não seria a mesma sem os papas e os afrescos da Capela Sistina - não dizem uma palavra sobre as atrocidades cometidas em nome do Islã? Pelo mesmo motivo por que repudio a intolerância e o fanatismo de certos pastores evangélicos e mulás, acho a militância antirreligiosa e, sobretudo, anticristã, uma tolice. É por isso que concordo 110% com a frase do Diogo Mainardi: "Em Deus eu não acredito, mas na Igreja, sim".

Nessa questão do comercial do Red Bull, assim como em todas as outras que envolvam a liberdade religiosa, estou com os cristãos, embora eu seja uma ovelha desgarrada. Aliás, exatamente por isso: se for para ficar a favor apenas da liberdade dos que pensam igual a mim, que espécie de democrata seria eu? A liberdade, numa democracia, é sempre a de quem pensa diferente de nós mesmos. Não vou deixar de tomar um Red Bull na balada, mas nem por isso vou escarnecer da crença alheia. Até porque, não há nada de democrático nisso. 

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