Deixo um pouco de lado as análises politicas e as denúncias da corja petralha que se apossou das mentes e dos cofres públicos para me juntar ao imenso coro dos que desde ontem choram a morte de um grande artista.
Chico Anysio foi - e com isso creio estar repetindo uma platitude - o maior comediante brasileiro de todos os tempos. Seus 209 - duzentos e nove! - personagens registrados, cada qual com voz, jeito e vida próprios, são um retrato fiel deste imenso caldeirão de tipos humanos chamado Brasil, um país que, além do futebol e do carnaval, tem (ou, pelo menos, deveria ter) no humor um de seus maiores tesouros.
Chico Anysio não tinha apenas talento de sobra, além de grande generosidade, traços que são destacados por todos os que o conheceram e que a ele devem suas carreiras. Tinha irreverência. Coragem, mesmo. Foi ele o primeiro humorista brasileiro a criticar abertamente, com o personagem Salomé, um presidente militar, o general João Baptista Figueiredo, em plenos anos 70. (Nos últimos tempos, com Chico já doente, o personagem foi retomado, mais a título de homenagem, no Zorra Total, programa que não chega nem aos pés do Chico City ou do Chico Anysio Show, a que eu assistia quando criança.) Era, enfim, um exemplo, infelizmente cada vez mais raro, de comediante afrontando os poderosos de plantão, fazendo perguntas que o povo gostaria de fazer.
Talvez a morte tenha escolhido a hora certa para levar Chico Anysio. No Brasil de hoje, cada vez mais pautado pela idiotia do politicamente correto ou pelo nonsense imbecilóide do tipo jackass de programas outrora inovadores como o Pânico na TV, o humor sutil e inteligente de Chico tem cada vez menos espaço na TV aberta. Ele mesmo, aliás, teve de amargar anos de geladeira na Rede Globo, por causa de comentários que fez sobre alguns diretores da emissora (alguns deles aparecem agora dando depoimentos sobre a genialidade do falecido).
Se fosse hoje, personagens como Haroldo, o gay enrustido que quer virar hétero, ou Painho, o pai de santo afrescalhado (do abaitolá da Bahia), seriam rotulados pelas patrulhas como "homofóbicos". Outros, como o malandro Azambuja, entrariam na mira dos militantes negros (esse povo vê racismo em tudo!). Tavares, o bebum que deu um golpe do baú, e Nazareno, o canalha que humilha a mulher por ser feia, seriam linchados pelas hordas anti-álcool e feministas, inimigas do riso. Outros ainda, como o mentiroso Pantaleão, ou o garanhão feioso Silva, provavelmente seriam acusados de transmitirem uma imagem negativa dos nordestinos... E por aí vai.
.
Contra essas tentativas descaradas de censura - é este o nome desse tipo de coisa -, o humor de Chico Anysio era um lembrete constante de que a matéria-prima da arte é a liberdade, e que nenhum comportamento humano está acima da crítica. E isso incluía seus colegas do meio artístico (quem não se lembra do impagável canastrão Alberto Roberto?)
.
Contra essas tentativas descaradas de censura - é este o nome desse tipo de coisa -, o humor de Chico Anysio era um lembrete constante de que a matéria-prima da arte é a liberdade, e que nenhum comportamento humano está acima da crítica. E isso incluía seus colegas do meio artístico (quem não se lembra do impagável canastrão Alberto Roberto?)
Chico Anysio deixa como legado várias gerações de fãs, entre os quais me incluo, e, ao mesmo tempo, um imenso vazio. Porque sabemos que ele era insubstituível. No país em que piada sobre gravidez de cantora e até comercial de lingerie passaram a ser alvos de ações do Ministério Público, a morte de Chico nos lembra que a função do humor é, simplesmente, fazer rir. E nisso ele era um gênio, um dos poucos que apareceram na Terra dos Papagaios. Chico Anysio fará falta. Muita falta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário