quarta-feira, novembro 09, 2011

A CRISE DO EURO. E AS BESTEIRAS QUE ESTÃO DIZENDO POR AÍ

Tem assuntos que, de tão manjados, já dá para dizer exatamente o que vão falar a respeito. É o caso da crise do euro, que esta semana pareceu chegar a um ponto culminante, com a idéia aparentemente tresloucada do primeiro-ministro grego, George Papandreou, de convocar um referendo para decidir sobre o pacote de resgate financeiro decidido no dia 27 de outubro com o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Européia (a chamada "troika"), para evitar que o país vá à falência.

A idéia de convocar um referendo para perguntar à população se concorda que o governo corte empregos, aumente impostos e diminua salários e aposentadorias – as condições impostas pela "troika" para liberar uma parcela de 8 bilhões de euros de um empréstimo de 130 bilhões de euros acordado no ano passado e renovado em julho último – é, obviamente, um disparate, e tem mais a ver com a política interna grega, onde reinam a demagogia e o populismo, do que com qualquer verdadeira disposição de enfrentar as raízes da crise e reconduzir o pais ao eixo da racionalidade econômica, num momento em que sua permanência na zona do euro e na UE está em perigo. Mas não é sobre isso que quero falar.

O que me chama a atenção nesses momentos, em que o euro parece fazer água e o exemplo grego ameaça contagiar outros países do bloco europeu, como Itália e Espanha, é a quantidade pantagruélica de besteiras que alguns auto-proclamados "especialistas" começam a despejar por aí, e que passa, nesses dias turbulentos, por sabedoria e racionalidade.

Vejamos a principal linha de raciocínio desse pessoal: segundo os sábios de plantão, a crise grega, como a do próprio euro, seria uma prova (mais uma vez!) da (novamente) falência do (lá vamos nós de novo...) "modelo neoliberal" e da "irracionalidade dos mercados". Esta é a tese favorita (na verdade, a única) dos anticapitalistas empedernidos, que botaram a culpa igualmente nos mercados pela crise americana de 2008 (e na de 1987, de 1973, de 1929, de 1873...).

É a turma do "mais Estado, menos mercado", que parece ainda não ter engolido – e parece que não vão engolir nunca – a derrocada da finada URSS, na qual viam um paradigma de racionalidade econômica (!) e de (não riam!) justiça social (o que, segundo dizem, não existiria no capitalismo).

Quanta bobagem! Quanta besteira!

Fico me perguntando o que esses devotos da estatolatria e inimigos figadais da sociedade livre andaram bebendo para dizer o que vai aí em cima. Culpar o "neoliberalismo" e a "irracionalidade dos mercados" (ou "a voracidade do capital financeiro", como também gostam de dizer) pelo estado lastimável das finanças da Grécia é coisa de quem não consegue enxergar um palmo à frente do nariz, só conseguindo "pensar" em bloco, no modo automático.

Para começo de conversa, a crise da Grécia não é uma crise do setor bancário (como na Islândia e, até certo ponto, Portugal), tampouco o resultado do estouro de uma bolha imobiliária (como nos EUA em 2008), mas uma crise de insolvência, decorrente de décadas de populismo e de gastança irresponsável por parte de um Estado inflado ao máximo. A dívida pública grega, que chega a mais de 160% do PIB do país, saiu do controle por causa não de políticas "neoliberais", mas, exatamente ao contrário, devido a práticas assistencialistas e paternalistas do Estado-protetor, organizado em padrões quase bolcheviques (aliás, o partido que está no poder em Atenas, é bom lembrar, atende pelo nome de "socialista", e seu líder, George Papandreou, é presidente da Internacional Socialista).

Durante décadas, essa crise foi-se gestando, à medida que governo após governo se dedicava a fazer aquilo que os populistas mais gostam de fazer: gastar, gastar muito, para acomodar suas clientelas políticas. Em 2009, a farra acabou, e desde então os que bancavam a festa resolveram cobrar a conta. Sem condições de honrar a dívida, com as contas em frangalhos, o governo grego viu-se obrigado, então, a fazer o que nenhum governo gosta de fazer: adotar medidas de austeridade econômica, obviamente impopulares.

Se existe um país na Europa em que a palavra "neoliberal" é praticamente desconhecida, é a terra de Péricles e de Homero. O Estado grego é mastodôntico, e controla praticamente 70% do PIB do país, cuja economia gira basicamente em torno do turismo e da navegação. Para se ter uma idéia do tamanho da mamata, filhas solteiras de funcionários do governo gozam de pensão vitalícia (!) e a folha de pagamento do Estado grego é tão grande e o descontrole das contas públicas tão generalizado que o governo não sabe sequer quantos funcionários tem – o número é estimado em algo como 700 mil (quase 10 por cento da população, que é de 11 milhões de habitantes), muitos em funções redundantes e irrelevantes. Para piorar, o poder quase absoluto dos sindicatos impede qualquer reforma e deu origem a aberrações, como dezenas de profissões "fechadas", ou seja, vedadas à concorrência interna ou externa, como taxistas, médicos, farmacêuticos e caminhoneiros. Soa como "neoliberal" para você?

Aí vão outros dados importantes: assim como no Brasil, a burocracia estatal é enorme, e as privatizações são um anátema (simples rumores de venda de empresas pelo governo são suficientes para levar milhares às ruas e causar um terremoto político no país). As universidades, todas estatais – a Constituição proíbe universidades particulares –, são de baixa qualidade, e viraram há décadas redutos de agitação política de grupos radicais de esquerda, onde "estudantes eternos" que vivem às custas do dinheiro público dedicam-se a realizar protestos e enfrentar a polícia nas ruas (se você lembrou da USP, acertou em cheio). Para complicar as coisas, a poderosa Igreja Ortodoxa grega (que é, na prática, oficial) não paga impostos, e os milhares de padres são sustentados pelo Erário, com óbvias conseqüências para o equilíbrio das contas públicas.

O sistema político também não ajuda. Desde 1974, quando terminou a ditadura militar, os dois principais partidos do país – o PASOK, socialista, e a ND, de centro-direita – criaram uma máquina político-estatal clientelista de fazer inveja ao PT e ao PMDB. Com a entrada da Grécia na UE, em 1981, e com a adoção do euro em lugar da dracma, em 2000, a brincadeira simplesmente ultrapassou todos os limites, e a corrupção atingiu níveis quase petistas. Em vez de aproveitar o dinheiro da UE para diversificar a economia, o governo preferiu viver de renda. Resultado: as coisas fugiram completamente do controle, enquanto a evasão fiscal aumentava e as estatísticas da economia – para garantir a ajuda dos demais Estados da UE – eram maquiadas. Até hoje não se sabe, por exemplo, quanto custaram as Olimpíadas de 2004 em Atenas (as estimativas variam de 7 a 50 bilhões de euros).

Pois bem. Foi essa situação - hipertrofia do Estado, gastos excessivos, fiscalização deficiente, clientelismo político, populismo desenfreado - o que levou à atual crise grega. É uma crise, portanto, do welfare state keynesiano, e não do "neoliberalismo". Se há uma solução para a Grécia, é menos, e não mais, intervencionismo estatal. É mais, e não menos, capitalismo (ou "neoliberalismo", como queiram – aliás, isso é extensivo a outros países).

Os fatos acima, claro, são e serão ignorados por quem já resolveu substituir o senso crítico pelo pensamento em bloco (neste caso, de cunho antiliberal e anticapitalista - na verdade, mais antiliberal do que anticapitalista). É mais um exemplo de como a ignorância e a soberba costumam andar juntas, encontrando-se no discurso esquerdista. Este, na verdade, só se sustenta atualmente por meio da dissonância cognitiva, como já afirmei: quanto mais desacreditado pelos fatos, mais ele se renova, adiando para a próxima crise o anunciado fim iminente do capitalismo.

Se os devotos do culto marxista e inimigos da liberdade deixassem de lado, por um instante, os slogans e os preconceitos ideológicos e enxergassem a realidade como ela é, teriam a chance de aprender alguma coisa. Mas adianta explicar o que está acima para quem não quer saber? Afinal, para quê investigar, se o culpado já foi escolhido?

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