"É tão bom que dá vontade de ficar doente só pra ser internado", disse Lula, com a fanfarra habitual, em um comício-inauguração no ano passado, em Recife. Entre confetes e aplausos da platéia domesticada, ele estava falando de uma UPA, unidade de pronto atendimento, que acabava de inaugurar na capital pernambucana, com ares de quem estava cortando a fita de um hotel cinco estrelas.
No mesmo dia, provavelmente preocupado porque sua escolhida para ocupar a Presidência demorava a emplacar nas pesquisas, Lula sofreu uma crise de hipertensão. Teve, assim, a oportunidade de provar o que dissera horas antes. Aproveitou a chance indo correndo internar-se no Hospital Real Português, um dos melhores do Nordeste. E privado.
Esta semana muita gente se deixou comover com a revelação de que o líder mais importante da História desde Moisés e consultor-geral do mundo tem câncer na laringe. Poucos foram, porém, os que lembraram do fato acima. Assim como poucos foram os que viram qualquer incoerência no fato de o inventor do Brasil Maravilha ter escolhido para tratar-se, em vez de um leito do SUS, o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Quem o fez foi acusado de “insensível” e – vejam só – de querer “explorar politicamente” a doença de Lula…
É esse tipo de coisa que me convence cada vez mais que está tudo de pernas para o ar no Brasil da era lulopetista. Leio na imprensa elogios à "transparência" de Lula, que, ao contrário de tiranos populistas como Hugo Chávez e Fidel Castro (outros dois acometidos pela moléstia nos últimos anos), revelou logo que tem a doença etc. e tal. A vontade de alguns jornalistas de que Lula seja diferente dos seus dois maiores aliados (um deles, ele não esconde, seu maior ídolo) é tão grande que os leva a esquecer fatos de ontem. Lula está usando a doença, assim como a usaram e usam Castro e Chávez. Usando politicamente. Demagogicamente. Como sempre fez, diga-se.
A doença sensibiliza as pessoas, e Lula sabe disso. Torna-as menos racionais e mais emotivas, portanto menos propensas ao espirito crítico e mais facilmente manobráveis, abrindo uma brecha para a manipulação sentimentalista das emoções do público. É uma tática comum aos grandes atores e também aos canastrões. Em um povo supersticioso como o brasileiro, ainda atrelado ao pensamento mágico, a doença (ou a morte) vira uma especie de álibi, uma licença para não pensar.
A coisa é tão óbvia que me bate até certa vergonha em lembrar: se o enfermo é um político, a doença adquire, inevitavelmente, um aspecto político, ainda que ele não queira (o que não é o caso do doente em questão). Se o político é Lula, vira mais que isso: torna-se mais um tijolo no edifício da santificação. Lula aproveitou sua internação no Sírio-Libanês para pedir apoio à companheira Dilma. A doença pode mudar a vida de alguém, mas não muda seu caráter.
Se há algo que a doença de Lula vem provar, é que não há limites para a demagogia. E a demagogia está no sangue de Lula. É parte indispensável de seu mito pessoal. Não há momento de sua vida que não tenha virado objeto de uma sistemática, planejada, mistificação. Desde a infância pobre em Garanhuns, até a estréia para os holofotes no sindicato, passando pela mãe "que nasceu analfabeta" (e que ele honrou escolhendo permanecer semiletrado, quando poderia ter estudado), as greves, a chanchada da prisão e da "greve de fome" com balas Paulistinha em 1980, a fundação do PT, a passagem apagada e hoje esquecida pelo Congresso Nacional, a oposição ao Real e ao governo FHC, chegando ao show do mensalão e à imposição da sucessora – toda a trajetória de Luiz Inácio, enfim, é uma grande farsa, um conto da carochinha (ou do vigário) a serviço de um culto grotesco de sua personalidade, como demonstra o filme hagiográfico e lacrimoso que fizeram sobre ele. Toda a vida de Lula é um novelão mexicano, que, como escreveu um de seus ex-colaboradores, exala o mau cheiro das mistificações. Com a doença não poderia ser diferente.
É por isso que acho tão engraçado quando vejo tanta gente dizendo-se horrorizada com a sugestão, que ganhou as redes sociais, de que Lula vá se tratar no SUS e não no Sírio-Libanes, como são obrigados a fazer milhões de cidadãos comuns. Ora, nada mais lógico. Desde que passou a faixa presidencial, Lula é, afinal de contas, um cidadão comum, ou não?
Sem falar que, se até os ex-presidentes do regime militar se trataram em hospitais públicos após terem deixado seus cargos, por que Lula da Silva não poderia fazer o mesmo? Afinal, o câncer iguala a todos, certo?
Lula passou oito anos dizendo-se o reconstrutor do Brasil, inclusive na área da saúde. Gastou litros de saliva enaltecendo o “seu” sistema de saúde como o melhor do mundo etc. Agora, em uma hora delicada, perde novamente a chance de provar o que disse. Afinal, sob a era lulopetista, o SUS virou ou não uma maravilha?
Os jornalistas que condenaram a exploração política da doença de Lula como vergonhosa estão cobertos de razão. Só se esqueceram que essa exploração demagógica é feita pelo próprio. Mais uma vez, revela-se que, até no câncer, o Apedeuta é diferente dos demais mortais. Que o digam os sem-Sírio-Libanês.
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