sexta-feira, novembro 25, 2011

HOMENAGEM A QUEM MERECE




Tenho verdadeiro horror a homenagens, honrarias, panegíricos, essa coisa meio Rolando Lero, tão ao gosto de nossa cultura bacharelesca, em que a rasgação de seda é uma espécie de esporte nacional. É uma característica do Brasil, infelizmente, o discurso elogioso, pomposo, reverente, servil mesmo, com que muitos intelequituais e subintelequituais de botequim tanto se empenham em cair nas graças e ganhar os favores dos poderosos de plantão, não raro perdendo o senso do ridículo no meio do caminho. Considero tudo isso uma palhaçada, um dos aspectos mais nefastos de nossa cultura (outro, igualmente pernicioso, é a ausência completa de qualquer firme convicção moral).

Um dos motivos que me levaram a criar este blog foi justamente a necessidade de me contrapor a essa discurseira vazia e obsequiosa, que revela em cada adjetivo pomposo o desejo irrefreável de bajular, a vocação para cortejar os donos do poder e o puxa-saquismo, que, na era lulopetista, atingiu níveis estratosféricos. Como demonstram os títulos de doutor honoris causa concedidos ao Apedeuta, esse tipo de homenagem quase nunca tem a ver com algum mérito do homenageado. Apesar disso – ou por causa exatamente disso, melhor dizendo – vou fazer, neste texto, algo que não é do meu costume. São dois elogios. Duas homenagens.

A primeira vai para um político. Um político? Isso mesmo. Nem todos, felizmente, estão no ramo apenas para se locupletar. Uns poucos, uma pequeníssima minoria, têm o que dizer. O senador Jarbas Vasconcelos faz parte dessa minoria. Embora filiado ao PMDB, ele é uma voz dissonante, um dissidente. Algum tempo atrás, em entrevista à VEJA, ele disse o que quase ninguém, muito menos um político, tem a coragem de dizer: afirmou claramente que o PMDB é um partido corrupto e teve a ousadia (e a falta de tato político) de dizer que o Bolsa-Família, a menina dos olhos do governo lulopetista, é o maior programa de compra de votos do mundo. Sua sinceridade custou-lhe caro. Nas últimas eleições, ele se candidatou ao governo de seu estado natal, Pernambuco. Adotou o mesmo discurso suicida, usando o horário político para criticar também a farsa nacional da companheira Dilma. Resultado: perdeu de lavada, no primeiro turno. Recebeu pouco mais de 585 mil votos, ou meros 14% do total, ficando muito atrás do governador Eduardo Campos e sua formidável máquina eleitoral. Indo contra a corrente, fez uma campanha de denúncia do assistencialismo e do fisiologismo que, com os petralhas, tomou conta de tudo e de todos. Por isso, por dizer o que pensa, e não o que mais lhe conviria eleitoralmente, ele virou um pária, um leproso da política. Por isso também, Jarbas Vasconcelos merece uma estátua em praça pública.

Minha segunda homenagem, póstuma, vai não para um político, mas para um artista (duas coisas que, no Brasil, costumam misturar-se). O músico Zé Rodrix, falecido em 2009, não foi uma superestrela. Não tinha cara, nem pinta, de pop star. É possível que as gerações mais novas jamais tenham ouvido falar dele. Compositor de outra época, ele não se notabilizou exatamente pelo marketing pessoal. Sua contribuição à música brasileira foi a invenção do "rock rural" nos anos 70, com canções como Casa no Campo, eternizada na voz de Elis Regina. Mas deixou, além de belas músicas, um legado que ninguém poderá apagar. Em toda sua vida artística, que durou décadas, Zé Rodrix jamais – nunca, jamais mesmo – aceitou qualquer forma de financiamento oficial. Todos os seus shows e projetos artísticos foram bancados do próprio bolso, ou com patrocínio particular. Uma frase sua que costumava repetir era de uma clareza cortante em sua simplicidade: "Não vejo motivo para gastar o dinheiro do contribuinte num projeto pessoal". Somente por isso já merece um monumento.

Tanto Jarbas Vasconcelos quanto Zé Rodrix são dois casos excepcionalíssimos no Brasil de hoje, avacalhado pela idéia de levar vantagem e pela falta de separação entre o público e o privado. Dois exemplos raros de coragem e de integridade, de compromisso com idéias e não com interesses, em meio a um oceano de cupidez e pusilanimidade. Um político que não se rebaixa à condição de áulico do poder, ainda mais do poder lulopetista, já é uma raridade. Um artista que não aceita receber dinheiro estatal é algo simplesmente assombroso; merece figurar em qualquer lista de fatos edificantes da História da Humanidade.

Sem dúvida, tanto o senador dissidente quanto o músico que não aceitava grana do governo têm e tinham defeitos. No caso de Jarbas Vasconcelos, o fato de pertencer a um partido coalhado de oportunistas e picaretas como o PMDB é mais do que um defeito: trata-se de uma contradição insanável. Mas de uma coisa ninguém pode duvidar: ambos são vozes destoantes na indigente vida política e cultural brasileira. Pelo simples fato de dizerem "não" quando todos dizem “sim”, de dizerem “êpa” quando todos repetem bovinamente “êba”, tornaram-se motivo de vergonha para seus pares. Com isso, mostraram que é possivel, sim, fazer política e arte com dignidade e vergonha na cara. E por isso merecem todo meu respeito.

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