sexta-feira, novembro 25, 2011

A RATA QUE FINGE RUGIR

Um quadro hilariante do blog de humor Kibe Loco está fazendo sucesso na internet. Ele mostra um ator imitando Dilma Rousseff, distribuindo broncas a seus ministros (a julgar pela regularidade praticamente semanal de escândalos de corrupção no atual governo, os produtores do quadro não têm por que se queixar de falta de material). Berrando palavrões em um telefone do tempo da brilhantinha, com direito a um vestidinho vermelho e sotaque fake mineiro, a Dilma de araque sai despejando impropérios a seus subordinados, terminando sempre com um "beijo no coração, filhinho".

Achei o quadro muito bom, em primeiro lugar, pois a imitação é excelente, e vez ou outra ajuda a desvelar o imenso vazio mental que desde primeiro de janeiro último dá expediente no Palácio do Planalto. Em um dos episódios, por exemplo, Dilma aparece puxando a orelha do humorista Rafinha Bastos por causa da piada de mau gosto sobre a cantora Wanessa. "Isso é coisa que se diga, seu filho da puta? Você está pensando que pode falar isso como se fosse num programa de humor?", esbraveja a Dilma-mandona. "O quê? Ah, você disse isso num programa de humor? Eu não sabia...", emenda Dilma logo depois, ao ser informada que a piada foi dita no CQC da TV Bandeirantes...

Alguns jornalistas, porém, parecem ter visto algo diferente no quadro do Kibe Loco. Marcelo Coelho, por exemplo, escreveu uma coluna inteira na Folha de S. Paulo sobre a imitação de Dilma. Para ele, que deve estar ansioso para criar o humor a favor, a imitação é um elogio à presidenta-gerenta. No texto da Folha, Coelho dá vazão a suas fantasias sobre a gerentona: segundo ele, ao dar broncas em seus ministros corruptos, Dilma estaria externando um desejo inconsciente do povo brasileiro. Mais: ao berrar palavrões e impropérios ao telefone, a escolhida de Lula estaria fazendo o papel da oposição. (Nesse ponto ele não deixa de ter alguma razão: afinal, a oposição no Brasil, se existe, está escondida.)

O artigo elogioso de Marcelo Coelho à sua adorada Dilma, usando um quadro de humor como desculpa, reflete um aspecto curioso do mito criado em torno da criatura de Lula da Silva. Por alguma razão inexplicável, atribui-se a Dilma Vana Rousseff uma aura de competência administrativa, que se manifestaria num temperamento explosivo. Enfim, "everyone fears Dilma", como diz o nome do quadro.

Por experiência própria, tanto pessoal quanto profissional, aprendi a distinguir competência de neurose, cobrança eficiente de um simples chilique. A primeira coisa denota eficácia e profissionalismo; a segunda, mera arrogância e/ou descontrole emocional. Pelo visto, Dilma está na segunda categoria.

Ao ser escolhida sucessora de Lula, Dilma foi apresentada como uma técnica extremamente qualificada, uma supergerente com dotes administrativos superlativos etc. e tal. A farsa não durou muito, soterrada por revelações como a falsificação do curriculum vitae e assinaturas em documentos, como o programa de governo, que ela sequer leu. Não faz muito tempo, quando ainda era ministra, a supergerente ultraeficaz e técnica hiperqualificada sumiu durante dois dias para não ter de dar explicações sobre um apagão elétrico que deixou metade do país às escuras. Essa é Dilma.

No lugar do mito da gerentona ultracompetente e ultraqualificada, entrou outro, o da mãe autoritária que dá bronca nos "filhinhos" levados. Ainda estou para ver o dia em que essa brabeza toda se revele algo mais do que uma peça de marketing. Dilma, dizem, vez ou outra vira uma leoa, distribuindo esporros para os subordinados, que tremeriam de medo diante da Poderosa. Basta um pequeno exercício, porém, para que essa máscara de dureza caia por terra: diante de Lula, que a pariu, Dilma vira um doce de servilismo. "Nem sob tortura vocês vão me fazer discordar do presidente", chegou a dizer a falsa durona, durante a campanha eleitoral em 2010, quando instada por jornalistas a dizer o que pensava sobre as declarações inacreditáveis de Lula em Cuba, onde acabara de comparar presos políticos a bandidos do PCC. A mãezona super-rigorosa vira uma serva fiel diante do Apedeuta, a ponto de não ter o que dizer quando ele ofende a humanidade. Marcelo Coelho acha que o sucesso do quadro humorístico sobre Dilma prova que ela é popular porque, entre outras coisas, estaria fazendo as vezes de oposição. Oposição a quê? a quem? a ela mesma?

Para coroar essa pantomima, verdadeira operação "rata que ruge" (ou melhor: que finge rugir), há quem compare Dilma a Margaret Thatcher, a poderosa primeira-ministra britânica dos anos 80. Só pode ser brincadeira. Ao contrário da criação de Luiz Inácio, a Dama de Ferro não dispunha de nenhum padrinho influente, e teve que enfrentar a oposição ferrenha da imprensa e da quase totalidade do establishment cultural da Grã-Bretanha. Thatcher deveu seu apelido não a qualquer chilique (coisa, aliás, muito pouco compatível com a imagem de dureza que transmitia), mas à sua disposição ferrenha de peitar - e vencer - os poderosos sindicatos ingleses, que impediam reformas cruciais e entravavam havia décadas a economia do país. E Dilma, quando vai deixar de ser pautada pela imprensa e fazer a tal "faxina" (que ela já negou, aliás, que existe)?

No meio de mais essa patacoada, quem acertou em cheio foi Augusto Nunes, colunista da VEJA. Em artigo recente, ele escreveu o óbvio: assim como Lula tornou-se doutor honoris causa sem jamais ter lido um livro, Dilma virou a faxineira que adora conviver com o lixo. O mesmo pode ser dito da Dilma durona e cobradora de resultados: mais uma invenção da imprensa companheira, que já havia ajudado a inventar o Lula.

É compreensível que parte dos jornalistas brasileiros se encante com Dilma, a ponto de criar um mito comparável ao mito Lula. Afinal, este é tão desbragadamente farsesco e histriônico que qualquer coisa, comparada a ele, parece infinitamente superior.Depois de oito anos de palavrório e de fanfarronadas, a mudez de Dilma aparece como uma virtude (sua única virtude, aliás: quando fala, Dilma Rousseff faz Weslian Roriz parecer uma virtuose de lógica e o palhaço Tiririca, um modelo de correção gramatical...) Daí a mais uma mistificação é somente um passo, levando muitos a se esquecerem que a criatura é um reflexo direto do criador, e não seu oposto. Para comprovar que o antilulismo de muitos comentaristas é mesmo superficial, Arnaldo Jabor chegou a dizer que Dilma é "bonita e inteligente" (!).

Quem já viu Dilma falar sobre qualquer assunto já percebeu que ali não está uma técnica superqualificada, ou uma dama de ferro que não tolera corrupção (ou "malfeitos", como eufemisticamente - e mentirosamente - disse em seu discurso de posse), mas tão-somente uma figura apagada, uma tarefeira pinçada do meio da militância por falta de alternativa (as duas primeiras opções, Zé Dirceu e Antonio Palocci, enrolados em escândalos, foram descartados), totalmente subserviente ao chefe e incapaz de um pensamento próprio, ou de um raciocínio coerente, por mínimo que seja. Não uma dama de ferro, mas uma marionete com cabeça de palha. Alguém, enfim, que, como eu já disse aqui, não existe, a não ser no cérebro de alguns colunistas embasbacados da Folha de S. Paulo.

Enfim, uma verdadeira "Dilma Duchefe", como dizia o Casseta & Planeta.

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