segunda-feira, novembro 01, 2010

DILMA ROUSSEFF NÃO EXISTE


Dilma Vana Rousseff é a nova presidente do Brasil. Estou triste? Estou feliz? Nem uma coisa nem outra. Apenas um pouco mais preocupado com os rumos da democracia no País (haverá certamente novas tentativas dos lulo-petistas de censurar a imprensa e cercear a liberdade de expressão, sem falar na política externa pró-ditaduras etc.). Mas nada que mude meu humor (e não dou a mínima se não acreditarem). Não escondo que gostaria que Serra tivesse vencido o pleito, embora, para falar a verdade, nunca tenha botado muita fé em sua candidatura (sei que é fácil dizer isso agora, mas é a verdade). Defendi o voto em Serra, não por gostar dele, nem por simpatizar com suas idéias - que são, aliás, bem próximas das do PT -, mas porque sei que, com os tucanos, há pelo menos um limite para a cafajestagem, enquanto que, com os lulo-petistas, sempre se pode piorar, sempre se pode descer um pouco mais na escada da abjeção. De qualquer modo, se Serra vencesse, eu não baixaria a guarda. Continuaria sendo "do contra". Em alguns aspectos, acho que até mais do que tenho sido nos últimos oito anos.

Os lulo-petistas, claro, estão exultantes com a vitória nas urnas. Encaram-na como um golpe mortal no inimigo, como se este tivesse sofrido uma verdadeira humilhação, uma morte política, da qual não será nunca capaz de se reerguer. Eles são assim. Se sua candidata tivesse sido derrotada, estariam gritando que houve fraude, diriam que a democracia brasileira não presta, inventariam até que foram prejudicados pela edição do último debate na Globo ou pelo aumento da abstenção devido ao feriadão transferido para a terça-feira (alguém notou esse detalhe?). É que eles, os lulo-petistas, não conseguem conceber um regime democrático sem que eles vençam. Para eles, o único resultado legítimo de uma eleição é a vitória. Não entenderam ainda, nem acho que um dia vão entender, que, numa democracia, ganhar ou perder, é do jogo. Não se contentam com os 56% dos eleitores que disseram "sim" ao projeto pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva. Incomoda-os que 44% disseram "não" a essa ambição continuísta (ou 53%, se formos computar os resultados das eleições para os governos estaduais). Isso mostra bem o conceito de democracia dessa gente.

Como disse, os lulo-petistas estão exultantes com a vitória de Dilma Rousseff. O problema é que Dilma Rousseff, assim como seu criador e mentor, não existe. Isso mesmo. Ela não passa de uma peça de ficção, como as obras do PAC e seus títulos acadêmicos. Fruto de uma escolha pessoal de Lula, após o naufrágio de Zé Dirceu e Antonio Palocci no lodaçal de mensalões e sigilos violados de caseiros, sua candidatura só floresceu porque o padrinho - no sentido mariopuziano da palavra - não conseguiu rasgar a Constituição e emplacar, como queria, um terceiro mandato presidencial. Enfim, como o plano C ou D. Sem experiência política, sem discurso, até sem rosto - o dela virou um amontoado de plásticas, que a transformaram numa mistura de Coringa do Batman com o Kim Jong-Il - ela foi pinçada como uma escolha perfeita para que o mestre continuasse mandando por trás da cortina, tendo sido imposta, primeiro ao próprio partido, e depois ao Brasil, como uma gigantesca operação de marketing. Enfim, uma perfeita candidata-laranja, "by proxy". Não surpreende, portanto, que ela não tenha idéias próprias sobre nada, e que, nas raras ocasiões em que foi pega falando o que realmente pensa, teve que voltar atrás, desdizendo-se atabalhoadamente (sim, estou falando das opiniões dela sobre a legalização do aborto). Em Dilma, as palavras parecem brigar o tempo todo com os dois ou três neurônios que supostamente articulam a sua fala. Aí estão os videos de seus discursos e entrevistas para comprovar.

Repito: os eleitores de Dilma votaram numa candidata-fantasma, numa candidata que não existe. Darei apenas um exemplo para ilustrar o que digo: mais de 70% da população brasileira reprova os métodos e a ideologia do MST (nem falo do aborto, cuja descriminalização é um anátema para a maioria). Não faz muito tempo, Dilma Rousseff apareceu discursando com um boné do MST na cabeça, numa imagem que correu a internet. Pois bem. Cerca de 56% dos eleitores brasileiros votaram em Dilma Rousseff para a Presidência da República. Como explicar essa contradição? Será que os eleitores de Dilma mudaram de opinião quanto ao MST? Ou será que, em vez de Dilma, votaram em outra pessoa, não a que discursou com o boné do MST?

Em meio ao emaranhado de números e estatísticas levantados pelos dois candidatos, questões como essa ficaram completamente à margem da campanha (só vi Serra falar do MST uma única vez, mesmo assim de forma lateral, numa entrevista, não no horário eleitoral). Em certos momentos, a disputa pareceu se resumir a uma briga de números e comparações que, mesmo se não fossem falsas (no caso dos lulo-petistas), ainda assim não me dariam nenhum motivo para dar mais quatro anos à turma hoje no poder. Acabei de ler um texto de Theotonio dos Santos, um petista que se apresenta como professor de economia. Ele desce o sarrafo na política macroeconômica do governo FHC. Diz, entre outras revelações surpreendentes, que esta não teve nada a ver com o controle da inflação e a estabilização da economia. O que ele não responde é: se isso é verdade, então por que cargas d'água o governo Lula manteve a mesmíssima política econômica de seu demonizado antecessor (no que, diga-se, fez muito bem)?

Mesmo se o governo Lula fosse o melhor da História do Brasil, mesmo se Dilma fosse a administradora competente que dizem ser - e notem que eu digo "mesmo se" -, ainda assim prefiro a alternância política, como fizeram, há pouco tempo, os chilenos. Prefiro isso a projetos de poder pessoal continuístas de caudilhos que são capazes de sacar da cartola, do nada, uma candidata de passado nebuloso, presente fraudulento e futuro incerto, sem idéias claras sobre o que quer que seja. Prefiro a democracia.

Se desde o início tivesse sido dada ênfase ao que está acima, o resultado das eleições poderia ter sido diferente. Mas tivemos uma das campanhas mais medíocres da História brasileira. Os únicos bons momentos foram a denúncia de Índio da Costa sobre a ligação entre o PT e as FARC e o enrolation de Dilma sobre o aborto, em que se conseguiu descer um pouco o véu de dissimulação que cobre o PT e a sua figura. As respostas-chavão do pessoal dilmista e de seus simpatizantes nessas horas - "é a tática do medo" (no caso das FARC), "é calúnia", "moralismo de direita", "medievalismo" etc. (no caso do aborto) - não passaram de uma tentativa tosca de tapar o sol com a peneira. Como se o que realmente importasse, no último caso, fosse a posição, inclusive religiosa, de cada candidato sobre o aborto. (Bobagem: a verdadeira questão era o flip-flop de Dilma, que disse que era a favor da descriminalização e depois tentou negar. Ponto.) Esses foram os únicos momentos em que se fez política durante a campanha. O resto foi a pasmaceira de sempre.

E volto aqui a um tema que já desenvolvi em outros textos: a grande tragédia brasileira é que simplesmente não existe no País um partido de direita. Nem do ponto de vista econômico, nem político, nem muito menos cultural. Um partido que não titubeie, por exemplo, em defender privatizações, ou que tenha uma agenda claramente baseada em valores e princípios cristãos, como existem nas melhores democracias européias. Um partido, em outras palavras, que traga para o debate político, a partir de um ponto de vista contrário, questões legítimas como o aborto, ou o "casamento gay", ou a política externa, ou o tamanho do Estado. Questões, enfim, consideradas tabu no Brasil, e que quando são lembradas é porque são "boatos de internet". É mais uma prova do primitivismo da política brasileira.

Mais uma vez: escrevo isso porque sou, como gostam de dizer os lulo-petistas, "de direita", "conservador", ou - meu preferido - "reacionário" etc.? Podem pensar assim se quiserem. Escrevo porque sou, acima de tudo, um democrata, ou seja, alguém que preza a pluralidade de idéias e a diversidade de opiniões, e que tem asco, nojo, repulsa, horror à unanimidade ideológica. Escrevo isso porque ainda espero um dia poder escolher entre dois ou mais candidatos que representem posições realmente divergentes, e não mais me limitar a escolher entre o ruim e o pior, entre a direita da esquerda e a esquerda da esquerda. Tem sido assim no Brasil há quase vinte anos, desde, pelo menos, 1994. Desconfio que tem sido isso, aliás, o que tornou as eleições no Brasil tão desinteressantes. Passei o último domingo em casa (não fui votar porque estou fora do Brasil), relendo Os Irmãos Karamázovi, de Dostoiévski. Assim que soube do resultado das urnas, soltei um suspiro e balancei a cabeça. E voltei à leitura.

Poucas vezes a ausência de uma candidatura realmente de direita se fez sentir tanto quanto nessa última eleição. No primeiro turno, vocês lembram, havia, além de Dilma (PT), Serra (PSDB), Marina (PV) e o Velhinho Maluquinho (PSOL), mais uns três nanicos de extrema-esquerda, além de uns dois ou três picaretas de sempre. No segundo turno, quando havia a possibilidade de debate, Serra se comportou como se estivesse diante de uma candidatura como outra qualquer, como se o PT fosse um partido político igual aos outros, que existe para disputar eleições e aceita as regras da democracia. Esqueceu-se do que seu próprio vice afirmou no primeiro turno, e que estava lidando com um partido com laços orgânicos com terroristas e narcotraficantes. Ficou no lenga-lenga paroquial de prometer cirurgias de próstata e de mama no SUS e se esquivou de atacar a adversária onde ela era mais frágil, posando de bom-moço. Pior: para não ser acusado de
"direitista", deixou-se pautar, passou a macaquear o discurso de Dilma, fazendo promessas populistas de manter o Bolsa-Cabresto e aumentar o salário mínimo e revelando-se, na questão do pré-sal, mais estatista do que o PT. Mal assessorado por marqueteiros incapazes de enxergar um palmo além das pesquisas, demorou a fazer política, deixou de dizer verdades sobre Dilma e pareceu fugir do confronto, acreditando que isso lhe tiraria votos. Nem mesmo a delinqüência explícita da quadrilha lulo-petista contra sua família - como a violação criminosa do sigilo bancário de sua filha e de membros do PSDB, ou as maracutaias da companheira Erenice Guerra na Casa da Mãe Dilma, sem falar até mesmo na agressão física de que foi alvo no Rio de Janeiro - tiraram Serra de seu torpor. Por excesso de delicadeza, como no poema de Rimbaud, ele perdeu não a vida, mas a chance de desmascarar uma fraude, a maior que já houve no Brasil.

Resumindo: os tucanos tiveram a chance de abreviar a era da mediocridade, mas não puderam, ou não quiseram, fazê-lo. Agora teremos certamente os quatro anos mais medíocres da História republicana. Dilma Rousseff é a nova presidente da República. Como disse certa vez o Augusto Nunes, o Brasil já foi mais exigente.

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