segunda-feira, novembro 29, 2010

ABAIXO O "SISTEMA"


Ainda não assisti à Tropa de Elite 2 - o inimigo agora é outro. Pelo que andei lendo por aí, a sequência é meio decepcionante. Parece que o capitão (agora, coronel) Nascimento, que no primeiro filme lavava a alma de milhões de brasileiros decentes ao jogar na cara de um maconheiro que ele sustentava, com seu vício, o tráfico de drogas nas favelas (uma verdade que demorou décadas para ser dita na tela dos cinemas brasileiros, e que por si já vale o filme), resolveu filiar-se ao PSOL e fazer ciências sociais na USP ou na UnB. Pediu para sair. Uma pena.

Como ainda não vi o filme, não posso dar meu juízo definitivo sobre a nova obra do diretor José Padilha. Mas, a ser verdade o que dizem as resenhas, ele se curvou às patrulhas politicamente corretas, fazendo um filme para ficar bem na fita e se desculpar pelos "excessos" do primeiro (como se não fossem esses mesmos "excessos" a razão para o estrondoso sucesso de público que o primeiro Tropa de Elite teve). Em Tropa de Elite (o 1, nao o 2), pela primeira vez bandidos eram mostrados como o que realmente são - bandidos (e não como "rebeldes sociais" ou "vítimas da sociedade", como até hoje prefere repetir no piloto automático muita gente da esquerda - sempre ela) -, ONGs picaretas eram mostradas sem retoques e os usuários de maconha e cocaína eram apresentados como cúmplices do crime (parece que foi esse último detalhe o que mais enfureceu os "intelequituais" esquerdistas do Leblon e de Ipanema, que, provavelmente vestindo a carapuça, logo lançaram sobre a película a pecha de "fascista"). O segundo, pelo visto, não tem nada disso. A começar pelo inimigo, que agora seriam as milícias e políticos corruptos. Até aí, tudo bem. Bandido é bandido, seja traficante ou miliciano, e ponto final. O problema é a mensagem que o filme parece querer transmitir: não importa quão honesto e implacável seja o policial, é inutil ir contra o "sistema".

Ô palavrinha destestável essa, "sistema"... Sempre tive uma antipatia profunda por ela, e pela maneira como é usada. Na boca de intelectuais esquerdistas e artistas deslumbrados, ela tem servido para justificar e até mesmo enobrecer a delinquência (contem quantas vezes os cantores de rap a repetem naquela glossolalia insuportável deles...). Fulano roubou, estuprou, traficou ou matou? A culpa não é dele, coitado, que é apenas uma vítima das circunstâncias, mas do "sistema"... É ele, o maldito "sistema", e não o próprio sujeito, o responsável por todos os males na sociedade, inclusive os males que ele, indivíduo, escolheu de livre e espontânea vontade cometer. Como naquela música do Legião Urbana: "O sistema é mau, mas minha turma é legal" etc. Abaixo o "sistema" etc. e tal.

Não é preciso ter mais de dois neurônios para perceber o caráter obviamente vigarista desse discurso. Ele atribui a culpa de tudo de ruim a um ente abstrato – eu diria mesmo sobrenatural –, que domina de forma absoluta e determinante a vida de todos, e contra o qual não vale a pena lutar. É um discurso que seria apenas vigarista, se não se prestasse também a legitimizar e a glorificar a delinquência.
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Acontece que o "sistema", meus caros, simplesmente não existe. O que existe é a soma de vontades individuais. São os indivíduos, não uma abstracão qualquer, que fazem e sustentam o "sistema". Se o "sistema" é corrupto e podre, é porque as pessoas que o fazem, em primeiro lugar, são corruptas e podres, e precisam ser substituídas por outras, mais honestas. O resto – dizer que é tudo culpa do "sistema", e dar a coisa por isso mesmo – não passa de invenção de subintelectual marxistóide em busca de uma justificativa conveniente para o crime.

Estava pensando nesse assunto quando, por coincidência, vi um dia desses um documentário muito interessante, acho que no Discovery Channel, sobre a vida social dos animais. O filme mostrava várias espécies de mamíferos, como chimpanzés e elefantes, para expor a tese de que os animais superiores têm, sim, um senso de moralidade. Chimpanzés, por exemplo, costumam prantear seus mortos e conseguem, inclusive, identificar a si mesmos no espelho. Ou seja, pode-se dizer que possuem uma idéia da morte, o que denota algum tipo de sentido moral, e uma certa noção de "eu", de individualidade, distinta do simples pertencimento ao resto do bando. Também possuem uma ética rudimentar, baseada no castigo físico para certas condutas, o que demonstra também a existência do que poderia ser definido como livre-arbítrio – o começo da ética.

O documentário passa a focar então, por contraste, na vida dos insetos, como formigas e cupins. Aqui a realidade muda completamente. Insetos, ao contrário de chimpanzés e elefantes, não têm nada que se aproxime do que poderia ser definido como livre-arbítrio ou senso moral. Tudo na colônia ou na colméia é pré-determinado por uma única vontade soberana e ditatorial, a da rainha, que domina de maneira absoluta a vida das operárias e zangões. Estes não existem fora do grupo, não têm existência própria – tudo é geneticamente programado para que a rainha continue a pôr ovos e para que todos a obedeçam. Não há nenhum indício de liberdade, não há escolhas morais. Há apenas um senso automático de dever para com o coletivo, encarnado na rainha. É, enfim, um "sistema" perfeito.

Muitos que torceram o nariz para o primeiro Tropa de Elite consideram ideal um sistema como o dos insetos. Sua noção de sociedade perfeita é aquela do “novo homem” socialista, existente em lugares como Cuba ou a Coreia do Norte. Sob o pretexto de construir um "novo homem", o que ideologias totalitárias como o comunismo e o fascismo querem é aniquilar a própria nocão de humanidade, e nos transformar em formigas ou cupins.

Se Tropa de Elite 2 resolveu trocar a crítica ácida do primeiro filme, que apontava para a cumplicidade de ONGs e dos filhinhos de papai maconheiros com o narcotráfico, pelo velho e fácil trololó esquerdóide sobre o "sistema", então seus realizadores deram uma tremenda bola fora. Espero sinceramente que não tenha sido esse o caso. Até porque estou muito satisfeito com minha condição de ser humano. Não tenho a menor intenção de virar uma formiga ou um cupim.

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