segunda-feira, abril 05, 2010

A ARTE DE TERGIVERSAR


Estive, por esses dias, no site de um conhecido meu, o Pablo Capistrano, com quem costumo - ou costumava, se depender dele - debater às vezes. Na verdade, "debater" é forma de dizer, porque, como vocês verão, Pablo não é muito de debate. Mesmo assim, como sou um chato, fui lá cutucar e deixar meu recado. O assunto era o Irã. Fiz uma provocação inicial, afirmando que, se Israel atacasse o Irã, estaria no seu direito, devido às intenções declaradas de Ahmadinejad de varrer Israel do mapa etc. Até aí, nada demais. O problema foi quando Pablo respondeu o comentário de um amigo dele, um certo Robson. Aí a coisa desandou.

Robson trouxe a discussão para o plano interno, e chegou, inevitavelmente, ao assunto "eleições presidenciais", com um viés claramente pró-petista, senão claramente petista. Ele mencionou os "analistas conservadores" como os colunistas da VEJA e até Arnaldo Jabor (que nem conservador é), que se aproveitariam de fatos como a recente visita desastrosa de Lula ao Oriente Médio para criar "factóides" contra o governo etc. Aí é que veio minha surpresa. Em sua resposta, Pablo não apenas corroborou essas afirmações, como também mencionou um suposto "partido da imprensa golpista" (PIG), uma invenção da esquerda chapa-branca.

Fiquei intrigado. "Pablo é um cara inteligente, não deve ter dito isso a sério", pensei. Mandei, então, outro comentário, no qual deixei claro meu espanto e fiz questão de relacionar a política externa lulista - o tema em debate - com a opção ideológica pró-ditaduras do governo Lula. Fui mais além, e citei o Foro de São Paulo. Quão maior não foi minha surpresa quando vi Pablo, um sujeito descolado, que se diz relativista e pós-moderno, autor de dois livros e professor de Filosofia, dizer que o Foro de São Paulo é algo assim como uma ficção criada por mentes paranóicas, comparável aos "Protocolos dos Sábios de Sião"...

Aquilo foi demais para mim. Como um auto-proclamado relativista, que, em suas próprias palavras, não acredita em "fatos", mas em "interpretações", encara o PIG como uma verdade objetiva e o FSP como um delírio? Passei a importunar Pablo com essa pergunta. A cada comentário que eu mandava, apontando esse duplo padrão, eu recebia não uma resposta, mas uma tergiversação de sua parte. "Você não entendeu o que eu disse", ou "Não enxergo a realidade com base na dicotomia esquerda-direita", eram as respostas de Pablo. Para mim, ficou cada vez mais claro que Pablo estava se amparando numa visão seletivamente relativista (o que é uma contradição) para não dizer abertamente sua preferência ideológica.

Para encurtar a história, que é bem longa: outro leitor, o David, mandou uma mensagem ao Pablo afirmando que, assim como eu, ele também achava que Pablo era um esquerdista, mas um que não "saía do armário". Ao contrário de Pablo, David se declarava abertamente de esquerda, e reproduziu em seu comentário algumas platitudes esquerdistas. Então mandei o seguinte comentário (com as intervenções de Pablo em vermelho):

***
Bom, vamos lá. Talvez não adiante nada, mas é sempre bom marcar posição.

David, eu sei de que lado Pablo está. Ele também sabe. A diferença é que ele não assume. Esta é a nossa diferença.

Você diz não gostar de rótulos, mas que não consegue “enchergar (sic) democracia, liberdade, ou respeito aos direitos humanos no sistema capitalista, no governo direitista, conservador, no neoliberalismo” etc. etc. Ok, respeito essa sua opinião. Respeito mais ainda sua coragem de dizer isso abertamente, no que você difere do Pablo. Apenas me diga, então: que país não-capitalista, não-direitista, não-conservador, não-neoliberal (sic) é ou foi um dia, ao mesmo tempo, uma democracia política, com liberdade de expressão e de consciência? Por favor me responda, se puder.

Não gosta de vendedores? Eu também não gosto. Gostaria menos ainda se eu não tivesse a liberdade de escolher comprar ou não, e de quem comprar. Em regimes totalitários, como o comunismo, essa liberdade, assim como todas as outras liberdades individuais, simplesmente não existe. Acho que você já ouviu falar na URSS, não?

Mas estou perdendo meu tempo. Nem vou tentar rebater o que diz o David. Quem defende estrovengas totalitárias como a CONFECON – uma clara tentativa de tutelar a imprensa, à moda chavista –, chama de “prática necrófila" o uso legal da força pelo Estado democrático de direito contra grevistas baderneiros, afirma que chamar os criminosos do MST de criminosos é “criminalizar os movimentos sociais” e admira Cuba como “exemplo de respeito à dignidade humana” (???!!!) não precisa de resposta, precisa de ajuda psiquiátrica. Mas um mérito pelo menos ele tem: ele não esconde o que pensa sob a capa de uma retórica relativista. A visão do David é míope, eu diria mesmo cretina e idiota, mas é pelo menos honesta. A sua, Pablo, não tem sequer esse mérito. Eu sou carne e o David é frango, mas vc prefere ser chester.
( Intervenção do Pablo: È uma pena Gustavo que você tenha que apelar para esse exediente em uma argumentação. Esse tipo de desqualificação chula empobrece mais ainda seu pensamento)

Entendo, Pablo, que você não queira assumir globalmente nenhuma legenda. Você é que não entendeu, ou finge não entender, que minha crítica não é ao fato de você se declarar um relativista, niilista, heideggeriano etc.: é, sim, ao fato de você restringir esse relativismo a um lado apenas. Vou repetir apenas um exemplo que dei.

Falei do Foro de São Paulo, uma entidade real, cuja existência e fins estão amplamente documentados, que foi criada por Lula e Fidel Castro em 1990. Trata-se de um fato, portanto algo cuja existência está além da sua ou da minha vontade. Você disse que o FSP é uma ficção comparável aos “Protocolos dos Sábios de Sião”. Disse também que o “PIG” (“partido da imprensa golpista”) é uma realidade. Segundo essa sua “interpretação”, seletivamente relativista, o FSP não existe, mas o PIG, sim. Ou seja: um fato não lhe agrada, e você diz que ele não existe. Se ele for conveniente a uma certa visão ideológica, que é a sua, mas que você não ousa dizer, então é verdadeiro.

Lembro que alguns anos atrás tive com você um debate interessante sobre Cuba. Recordo que deixei bem clara minha opinião (“interpretação”, você diria) sobre o tirano Fidel Castro e como ele arruinou um país e hipnotizou gerações inteiras de idiotas latino-americanos. Deixei claro que condenar a ditadura castrista era uma obrigação moral de qualquer pessoa decente e humanista. Sua resposta: “não quero dar uma opinião sobre isso” (lembro que você até comparou o debate sobre Cuba a uma dispura entre vascaínos e flamenguistas…). Comentei em meu blog sobre a questão, e fiz a pergunta: se fosse Pinochet, e não Fidel, você diria que a condenação à ditadura é ou não uma obrigação moral? Até agora não tive resposta.

Isso, Pablo, chama-se duplo padrão moral. Uma atitude intelectualmente desonesta, para dizer o mínimo.
(Intervenção do Pablo: Acho que aqui também você perdeu um pouco a compostura e me agrediu em um sentido que ultrapassa as ideias. Ao me considerar intelectualmente desonesto você atenta de certa forma contra a minha honra e minha integridade moral. Gostaria de um pedido de desculpas, tendo em vista que eu nunca atentei contra a sua integridade moral em nossas discussões)

Em outras palavras: condenei e condeno ambos os ditadores, jogo lama, cuspo neles. E você, pode fazer o mesmo? E se condena um, por que não condena o outro?

Veja que eu até admito que você não condene nenhum dos dois, e se feche em copas numa torre de marfim filosófico-relativista. O que não dá para entender é considerar a condenação de um deles uma obrigação moral (o que de fato é), mas a de outro, um “extremismo de direita”, “resquício da guerra fria” etc.

O mesmo pode ser dito do nazismo e do comunismo. Para mim, são ambas ideologias totalitárias e anti-humanistas. Condeno-as com igual fervor. E você?

Você diz que concorda com algumas coisas e com outras não, como se a realidade fosse uma espécie de supermercado em que se poderia escolher essa ou aquela posição, ter esse ou aquele ponto de vista, fazer uma salada, e isso não teria nenhuma conseqüência. Talvez por você ser filósofo, você acredita que as idéias podem ser reduzidas a um nível totalmente abstrato de subjetividade, sem qualquer peso na realidade. Acontece que elas têm peso, sim. Por mais que se tente fugir da realidade, ela sempre termina nos alcançando.

Seus elogios ao governo Lula, em especial à sua política social “melhor do que a de FHC”, demonstram claramente uma preferência ideológica de sua parte. Somente alguém comprometido ideologicamente com um viés estatista e antiliberal poderia criticar um governo por “vender o patrimônio público a preço de banana” (o que é, aliás, uma tremenda balela) e rasgar seda para um governo que transformou o assistencialismo e o coronelismo em políticas oficiais. Sem falar que, no que diz respeito à política externa lulista, o caso do Irã é apenas um entre tantos outros (cito Cuba, Venezuela e Honduras, para ficar nos mais importantes), que seguem um padrão ideológico.

Repito: o que não “entendo” é como alguém que se diz relativista só o é para a esquerda, e não para a direita.

Não é preciso “adotar uma visão de mundo e um conjunto sistemático de crenças” para ter uma opinião minimamente coerente. Basta ter honestidade intelectual. Eu, por exemplo, não concordo 100%, talvez nem 50%, com o que dizem pensadores conservadores e de direita em alguns temas (religião, por exemplo). Mas nem por isso deixo de me identificar como liberal-democrata, anti-estatista, anti-comunista, pró-liberdade e direitos humanos. Isso porque, mais do que as diferenças que me separam desses autores, sou unido a eles por um denominador comum político e moral – a defesa da democracia e da liberdade individual, valores universais. Adotar uma postura relativista a respeito desses valores, a meu ver, é o mesmo que negá-los. E isso SIM corresponde a uma visão de mundo – a visão de mundo pró-totalitária.

Não sou “absolutista” (a partir de agora vou adotar o rótulo, pois minha visão sobre liberdade é mesmo absoluta e não admite relativizações) porque eu teria dificuldades em compreender “como alguém pode ter interpretações sem usar um dos dois sistemas de crenças que ele [eu] conhece (direita e esquerda)”. Parece que aqui você, Pablo, é que não entendeu o que escrevi. Lendo o que você diz, fica parecendo que não consigo enxergar nada além da dicotomia direita-esquerda. Não é nada disso. Tudo que venho dizendo é que é possível, mesmo sem ser “de esquerda”, referendar as posições identificadas com essa corrente ideológica. Basta relativizar, por exemplo, a realidade de regimes como o cubano, o que você, Pablo, faz à larga. (Certamente você, Pablo, não conhece as expressões “inocente útil” e “companheiro de viagem”.) Sem falar que, se formos adotar as definições clássicas de direita e esquerda, eu estaria à sua esquerda, pois considero o regime teocrático iraniano uma aberração, enquanto você tem uma “interpretação” diferente e mais condescendente em relação à tirania dos aiatolás.

Não Pablo, não acho que você seja um “esquerdista enrustido”. Pelo que você tem escrito, você não é enrustido: é de esquerda mesmo. Só que, sabe-se lá por quê, não tem coragem ou disposição de dizê-lo francamente. E se ampara no relativismo para fugir a essa realidade. Só que você se trai, quando o cacoete esquerdista se manifesta na forma seletiva com que você trata, com base numa visão relativista, regimes “de esquerda” e “de direita”. Você já caiu nessa contradição diversas vezes.

A diferença entre minha posição e a sua é que eu não me escondo por trás desse palavreado. E tenho, sim, consciência do mecanismo que me leva a pensar dessa forma. Já quanto a você, não tenho certeza.

Não acho nosso debate frustrante. Pelo contrário: acho que está sendo bastante revelador. Pelo menos para mim, está sendo bastante elucidativo.
Intervenção do Pablo: Gustavo, você não tem um interesse real de compreender o que eu escrevo. Você lê e distorce o que eu escrevo para encaixar meu texto naquilo que você pensa sobre minhas ideias. Não há interesse real seu em compreender minha posição. Você precisa me reduzir e me simplificar para que eu possa fazer sentido justamente a esse sistema de crenças que você adota. Até ai tudo bem, mas acho que nesse seu comentário você cruzou um limite que eu não gostaria que fosse ultrapassado nesse site. Você me acusou de ser desonesto intelectualmente (isso me ofendeu). O que de certa forma torna nossa discussão inutil, porque se eu sou intelectualmente desonesto não adianta nada que você escreva aqui nem é interesante que você perca seu tempo me lendo. acho que uma atitude coerente sua seria assumir que não se pode nem se deve dialogar com gente intelectualmente desonesta porque um dos pressupostos para uma discussão justa e construtiva é a confiança na honestidade intelectual dos interlocutores. Se isso não acontece é inútil continuar conversando. Uma sugestão seria a de um pedido formal de desculpas ou que você poderia responder a meus textos em seu blog, agindo de modo a desmascarar para seus poucos leitores essa minha “desonestidade intelectual”. Como eu sou filho de sertanejos e aprendi que não se deve onfender os anfitriões em sua própria casa espero que você reveja sua posição em relação a isso. Que a paz te acompanhe e boa sorte na sua cruzada

***
Como vocês viram, Pablo fez algumas intervenções em meu texto. Mandei então outro comentário. Por algum motivo, porém, ele foi retirado de seu site:


***
Pablo,

Você ignorou praticamente toda minha resposta a você e ao David, e preferiu se concentrar em algumas palavras que você julgou pessoalmente ofensivas. Tudo bem, é um direito seu não ler o texto todo, assim como é seu direito interpretá-lo da maneira que lhe for mais conveniente. Mas, por favor, não coloque palavras – nem intenções – em minha boca.

É uma pena que você não conheça a expressão “eu sou carne e fulano é frango, mas beltrano prefere ser chester”. Francamente, não vejo em que ela pode ser ofensiva. É uma metáfora usada comumente em política, sem qualquer conotação pejorativa (a menos que ser “chester”, “carne” ou “frango” tenha algum significado depreciativo oculto). Mesmo retirada do contexto, como é o caso, não se trata de uma forma de desqualificar nada nem ninguém, muito menos chula. Se você tem essa “interpretação”, paciência. Demonstra apenas que você não está acostumado a debater.

Pablo, você disse que eu perdi a compostura e lhe agredi em um sentido que ultrapassa as idéias etc. Sugiro que você releia o que escrevi. Primeiro, eu NÃO disse que você é intelectualmente desonesto. Disse que você tem uma atitude intelectual – é relativista para uns e não para outros – que só pode ser encarada, segundo uma interpretação que não é somente minha, como um DUPLO PADRÃO político e moral, e que essa, sim, é uma ATITUDE DESONESTA. Afirmei inclusive que isso se deve, creio eu, a um ranço ideológico de sua parte, e não à uma desonestidade pessoal, sua. (Aliás, o fato de eu estar aqui escrevendo demonstra que acreditei em sua honestidade intelectual.) Em nenhum momento julguei você como pessoa: julguei essa sua atitude. Dei exemplos bem concretos para demonstrar a forma seletiva como você emprega o discurso relativista (O Foro de São Paulo, Cuba etc.). Se isso é atentar contra sua “honra” e “integridade moral”, então qualquer debate de idéias para você é uma briga de rua e deve ser resolvido na ponta da peixeira. Francamente, não vejo por que eu deveria pedir desculpas por expor o que penso sobre uma atitude intelectual. Desculpar-me? Por quê? Por eu desprezar todas as ditaduras e você apenas algumas?

Pablo, você tem todo direito de achar que não tenho interesse em entender o que você escreve etc. e tal – o que é uma forma de me chamar de intelectualmente desonesto, mas não ligo –, e realmente tenho dificuldade em entender um pensamento que cultiva a ambigüidade, mas somente para certos casos. Não sei se você percebeu, mas minha crítica a você não é por você ser relativista, mas, exatamente o contrário: é por você NÃO SER relativista para TODAS as situações (ou seja: por não mostrar coerência). Apontei as contradições no seu pensamento, quis provocar um debate, mas você, pelo visto, é que não tem qualquer interesse em levá-lo adiante. É uma pena, pois, até agora, ao contrário do que você escreveu, eu acreditava na sua disposição intelectual em fazê-lo. Se você se ofende com argumentos, isso mostra que é inútil mesmo tentar debater com você. Sobre qualquer assunto.

Quanto a mim, não me ofendo se me chamarem de reacionário, direitista, agente da CIA, lacaio de Wall Street etc., ou qualquer desses epítetos que os esquerdistas usam para desqualificar quem ousa pensar diferente. Até mesmo se enveredarem pela ofensa pessoal e gratuita, eu não me importo. Aprendi que ofensas pessoais e adjetivação “ad hominem” se respondem com argumentos e idéias, não com demonstrações de suscetibilidade arranhada e exigências de desculpas.

Mas OK, já entendi que não sou bem-vindo aqui, em sua “casa”. É difícil debater com quem se ofende com argumentos, e acho que não vale a pena insistir. Essa sua última mensagem mostrou que corro mesmo o risco de ficar falando sozinho aqui. Quanto a mim, meu blog está aberto a que você comente meus posts e coloque seus pensamentos. Pode até me xingar, se quiser. Desde que o xingamento venha acompanhado de argumentos, e desde que não se bote minha mãe no meio, não vejo problema. O politicamente correto não existe para mim. Pode me chamar do que quiser, sem medo. Eu não vou lhe exigir um pedido formal de desculpas por você discordar do que penso.

Um abraço de quem acha que a verdade não ofende: liberta.

***

Pablo não pareceu muito indignado quando argumentei que sua visão relativista seletiva servia como uma luva aos objetivos de tiranos e terroristas. Mas me exigiu uma "desculpa formal" por causa de uma metáfora culinária. Ainda por cima, tomou como uma agressão pessoal uma crítica à sua atitude intelectual. E me baniu de seu site.

É... Gente esquisita, esse pessoal pós-moderno.

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