Em agosto de 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o gênio da Física alemão Albert Einstein enviou uma carta ao presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, alertando para o perigo das novas tecnologias que, descobrira-se então, permitiriam a construção da bomba atômica. Einstein, que era judeu, estava particularmente preocupado com a possibilidade de a Alemanha nazista ter acesso à nova tecnologia nuclear e a reservas de urânio para construir um artefato atômico. Os EUA deveriam sair na frente, antes que os seguidores de Hitler o fizessem, disse.
Essa passagem da vida de Einstein, convenientemente expurgada por muitos de seus admiradores, que o transformaram nas décadas seguintes em ícone do pacifismo (ele mesmo se considerava um pacifista, e chegou a ser investigado pelo FBI por suas idéias supostamente socialistas), é bastante didática. O fato de considerar a si mesmo um pacifista e ser, após a Segunda Guerra, um defensor ardoroso do fim das armas nucleares não impediu o cientista alemão naturalizado norte-americano de ter sido um dos defensores do Projeto Manhattan, assim como não o impediria de ser convidado a assumir a presidência do recém-criado Estado de Israel, em 1948 (algo que muitos de seus admiradores atuais também ignoram). Mas o mais importante: não o impediu de, diante da ameaça representada pelo totalitarismo nazista, reconhecer o perigo que regimes antidemocráticos com armas atômicas representam para a humanidade - e a necessidade de detê-los.
Em outras palavras: Einstein era pacifista, mas não era estúpido. Ele sabia, mesmo não sendo diplomata (ou, provavelmente, por causa disso), que nem todos os governos estão interessados na paz. Sabia, talvez instintivamente, que a idéia da igualdade de todos os Estados perante o direito internacional, um dogma das relações exteriores, é, em princípio, irretocável, mas, confrontada com a realidade do poder, pode ser muito perigosa. Entre uma Alemanha nuclearizada e os EUA, ele não titubeou em escolher o último. E ninguém pode dizer que ele fez a escolha errada.
Em outras palavras: Einstein era pacifista, mas não era estúpido. Ele sabia, mesmo não sendo diplomata (ou, provavelmente, por causa disso), que nem todos os governos estão interessados na paz. Sabia, talvez instintivamente, que a idéia da igualdade de todos os Estados perante o direito internacional, um dogma das relações exteriores, é, em princípio, irretocável, mas, confrontada com a realidade do poder, pode ser muito perigosa. Entre uma Alemanha nuclearizada e os EUA, ele não titubeou em escolher o último. E ninguém pode dizer que ele fez a escolha errada.
Digo ninguém, mas em termos. Porque, se depender da política externa do governo Lula, Albert Einstein estava errado. Se depender de Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, Einstein deveria não ter apoiado o projeto nuclear norte-americano, mas o alemão. Ou os dois. Como se houvesse equivalência moral entre os EUA e o nazismo.
Refiro-me, claro, à questão do Irã, que o governo Lula transformou em verdadeira cause célèbre (ou melhor: em cause infame). O mundo inteiro, os EUA à frente, querem impedir que o Irã, um regime teocrático liderado por um louco que, assim como Hitler, odeia os judeus e quer varrê-los do mapa, tenha acesso à bomba. O mundo inteiro, Rússia e (em menor escala) China inclusive, defendem sanções contra o Irã, que vem há anos impedindo o acesso de inspetores da AIEA a suas instalações nucleares. O mundo inteiro, menos o Brasil. Menos Lula e Celso Amorim.
Na semana passada, Lula voltou a defender o diálogo com Mahmoud Ahmadinejad, que já mostrou que não quer diálogo com ninguém. Coerente com sua tese de que a paz no Oriente Médio deve ser alcançada conversando com quem a quer e também com quem não a quer, o Demiurgo se opõs às sanções da ONU contra o Irã na Conferência sobre Segurança Nuclear em Washington. Num gesto de reconhecimento da grande importância conquistada pelo Brasil no cenário internacional durante o governo Lula, Barack Obama concedeu a "o cara" três minutos de sua agenda para que este o convencesse de que deixar de pressionar Ahmadinejad é a melhor maneira de fazê-lo desistir de seus planos genocidas. Mais tarde, durante as Cúpulas do IBAS e do BRIC, em Brasília, o Guia Genial aproveitou para retomar essa idéia.
O que leva Lula e o Itamaraty a atuarem de forma tão veemente como advogados de Ahmadinejad? A resposta, em parte, está no apego ao fetiche da "igualdade dos Estados". O governo Lula não esconde que vê com maus olhos o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), ao qual o Brasil aderiu em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Isso porque o TNP é considerado, por uma visão terceiro-mundista que voltou a ter força no atual governo, um acordo discriminatório, uma espécie de "clube das grandes potências" que asseguraria para estas o monopólio da energia nuclear para fins bélicos e excluiria os países em desenvolvimento. "Não podemos aceitar que se arme os armados e se desarme os desarmados", dizia o ex-chanceler do governo Geisel (1974-1979), Azeredo da Silveira. "Somos favoráveis a que um país disponha de armas nucleares para fins pacíficos, como a dissuasão", afirmou o vice-presidente do governo Lula, José Alencar, torcendo completamente o sentido das palavras "armas nucleares" e "fins pacíficos".
"É preciso acabar com as armas atômicas em todos os países", gosta de repetir Lula, sempre que o assunto do Irã vem à baila. À primeira vista, uma atitude bastante lógica, pacifista, louvável até. O problema é que esse discurso não se dirige ao Irã, que tem um programa nuclear secreto, ou à Coréia do Norte, que teve um durante décadas, mas aos EUA, aos que já têm a bomba. Seu significado nas entrelinhas é o seguinte: "Se os EUA têm a bomba, por que o Irã não pode ter?". Há um mês, EUA e Rússia assinaram um acordo de redução de armas nucleares. O Irã, por sua vez, não dá qualquer sinal de que irá desistir de um artefato atômico, nem de seu propósito declarado de transformar Israel num monte de escombros. Ou seja: os armados estão se desarmando, mas os (até agora) desarmados, não. E, no caso, o "desarmado" é um país governado por um sujeito que jurou destruir outro país, exterminá-lo, varrê-lo do mapa. Algum problema para Lula? Não, nenhum.
A igualdade dos Estados é uma idéia aparentemente muito boa, mas está sendo usada como álibi para a proliferação nuclear. O que é pior: disfarçada como "desarmamento de todos". Em nome da igualdade dos países e do pacifismo, o governo Lula está abrindo o caminho para uma tragédia no Oriente Médio. Seu discurso não é da paz: é da guerra. É o discurso da loucura, da intolerância, do fanatismo, da barbárie. Albert Einstein já sabia disso.
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