Jorge Amado certa vez disse uma frase que eu considero uma das mais sábias já ditas por alguém em todos os tempos. Ei-la:
"Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois contra as de direita se pode lutar de peito aberto; quem o fizer contra as de esquerda será tachado de reacionário, vendido, traidor".
Penso na frase do escritor baiano sempre que vejo alguém descendo a lenha em alguma ditadura militar latino-americana do século passado, como a dos milicos brasileiros e a do general Pinochet, ou mesmo nos regimes nazista e fascista. Em geral, é alguém que se apresenta, ou é apresentado, como um esquerdista. Geralmente, também, trata-se de alguém que busca justificar ditaduras de esquerda como a de Fidel Castro em Cuba, ou fecha os olhos para os crimes desta, simplesmente esquecendo-a ou alegando "neutralidade" - mesma neutralidade que se recusa a adotar quando se trata das ditaduras do outro pólo ideológico. Também penso na frase quando vejo alguém inflar o peito e abrir a boca para se declarar, orgulhoso, "de esquerda", como se ser esquerdista fosse sinônimo de tudo de bom, de belo e de justo que existe na humanidade - algo que costuma acontecer com freqüência, várias vezes ao dia.
A máscara de bom-mocismo dos esquerdistas costuma cair sempre que lhes é negado o que eles mais desejam, além do poder: o aplauso. Estamos vendo, agora mesmo, essa história se repetir, pela enésima vez nesse governo. Já falei da palestra de Marco Aurélio Garcia, a que assisti por causa do curso que estou fazendo, e dos elogios à sua moderação e bonomia. Agora compare essa moderação e bonomia com as declarações furiosas e indecentes da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Com aquela cara de buldogue e jeito de caserna que a natureza lhe deu, dona Dilma vem atacando raivosamente a imprensa, que teve a ousadia de divulgar um dossiê - que ela diz que não é dossiê, mas um "banco de dados" - vazado da Presidência da República, e feito para chantagear a oposição - o que ela nega, claro - no caso dos cartões corporativos. Dilma já "descobriu" até um suposto espião da oposição infiltrado na Casa Civil, e que teria produzido o tal dossiê (ops, banco de dados). Sobrou para quem deixou vazar o documento para a imprensa - o vazamento, e não a feitura do próprio dossiê (perdão, banco de dados), passou a ser o verdadeiro crime a ser investigado. Ou seja: chantagear não é crime, permitir que a chantagem seja descoberta é que é.
Esse padrão assopra-e-morde, que não respeita a lógica mais elementar (para não falar dos cofres públicos), é típico dos esquerdistas "moderados". Quem, numa discussão com militantes ou mesmo simpatizantes de esquerda, nunca foi recompensado com algum dos epítetos que são geralmente lançados pelos esquerdistas e seus simpatizantes contra qualquer um que tiver a ousadia de contrariá-los, como "reaça", "direitista" (em contraposição à esquerdista; logo, "do mal"), "conservador" (como se fosse um insulto gravíssimo), ou, ainda, "lacaio do imperialismo" e até mesmo "agente da CIA" (se fosse da antiga KGB ou da DGI cubana, talvez não fosse algo tão grave...)? Na falta de adjetivos, os mesmos que costumam brindar quem pensa diferente deles com esses epítetos geralmente apelam para um palavrão bem cabeludo mesmo, de preferência com alguma insinuação sexual explícita ou uma referência desabonadora à genitora de seus adversários intelectuais. Com isso, dão o debate por encerrado, e crêem-se vencedores.
A diferença entre ser "de esquerda" e ser "de direita" no Brasil é que os primeiros estão sempre no ataque, enquanto os poucos que ousam ser do contra são obrigados a ficar na defensiva. Isso dá aos esquerdistas uma vantagem psicológica enorme. Por nunca terem estado antes no poder, eles podem posar de vítimas, seqüestrando a democracia e a ética. Podem afirmar, por exemplo, que defendem a democracia e os direitos humanos, ainda que não dêem a menor bola para nada disso, como comprova a realidade, rotulando com os piores adjetivos quem ousar querer desmascará-los. Além disso, os esquerdistas se beneficiam de uma percepção segundo a qual constituem um aglomerado heterogêneo e multifacetado. A percepção comum sobre a esquerda a enxergará sempre com nuances, o que não costuma ocorrer com quem se diz de direita. Esta, ao contrário, será sempre vista em termos mais monolíticos. Os esquerdistas podem ser radicais ou moderados, modernos ou jurássicos, "carnívoros" ou "vegetarianos"; aqueles que se opõem a eles, ao contrário, serão vistos sempre como extremistas, reacionários, fascistóides. As categorias de "moderado" ou "simpatizante" simplesmente não existem para os que não são de esquerda. Na visão consagrada, os antiesquerdistas são, todos, "carnívoros".
Assim como inúmeros outros intelectuais, antes e depois dele, Jorge Amado também foi de esquerda quando jovem. Chegou a ser eleito deputado federal pelo Partido Comunista, em 1945. Romperia com o comunismo e com o partido depois da divulgação do relatório Krushev, em 1956, que denunciou pela primeira vez os crimes de Stálin (para quem está chegando agora: Stálin era até então uma espécie de deus comunista, algo comparável ao deus esquerdista Fidel Castro dos dias de hoje). A partir de então, deixou de lado as bobagens que publicara sob as ordens do PC - como a epopéia stalinista "Os Subterrâneos da Liberdade" e a hagiografia que escreveu sobre Luiz Carlos Prestes, "O Cavaleiro da Esperança", para se tornar um baiano romântico e sensual, mais interessado em Tietas e Gabrielas, com várias adaptações de sua obra para a TV (o que talvez explique meu pouco apreço por seus livros, pois a televisão tem a capacidade de transformar o bom em ruim, e o ruim em péssimo). Logo, ele entendia um pouco sobre o que pensam os esquerdistas.
Guardadas as devidas proporções, passei por experiência semelhante. Assim como Jorge Amado, posso dizer que também conheci o monstro por dentro. Por isso não posso me dar por satisfeito quando vejo tanta gente educada, lida, viajada, estudada, diplomada e vacinada, e inclusive insuspeita de quaisquer simpatias esquerdistas, servir involutária e inconscientemente de porta-voz da balela de que a esquerda, ou as esquerdas, é intrínseca e filosoficamente superior à direita, ou ao que quer que se identifique como "de direita", pois sempre poderá se reciclar, adaptando-se ao jogo democrático e constituindo mesmo seu principal sustentáculo, como um juste milieu, mediante a conciliação da democracia política com a "justiça social".
Tola ilusão! Essa visão distorcida da realidade, que se baseia na idéia - inventada por esquerdistas, diga-se de passagem - da existência de "duas esquerdas" - uma, "vegetariana" e moderada, e outra, "carnívora" e radical -, só se explica pelo desejo irrefreável de manter viva a crença supersticiosa em sua superioridade inata sobre o que quer que seja. Trata-se de um dogma que vem se manifestando repetidamente para classificar os governos esquerdistas da América Latina, e do qual ja tratei neste blog ("A Grande Ilusão" - http://gustavo-livrexpressao.blogspot.com/2007/05/grande-iluso.html). Sua base é o esquecimento do fato de que tais governos, bem como os partidos e movimentos políticos de esquerda que os compõem - "moderados" ou não -, são na verdade parceiros na mesma organização revolucionária internacional, o Foro de São Paulo, cujo objetivo não é outro senão "restabelecer, na América Latina, o que se perdeu no Leste Europeu". Nele estão representados, lado a lado, o PT - um partido "moderado", dizem - e os narcoterroristas das FARC, um dos grupos criminosos mais sanguinários do mundo. Obviamente, o PT e as FARC não estão cem por cento de acordo em tudo, mas isso, no final, não faz diferença: historicamente, os partidos e movimentos de esquerda - leninistas, stalinistas, trotskistas, maoístas, castristas, anarquistas etc. - sempre divergiram quanto aos métodos de luta, mas jamais quanto ao objetivo final almejado. Este é um só em todos os grupos, com pequenas variações: o comunismo. Em outras palavras, variam nos meios, não no fim. Daí porque eu insisto: por mais diferenças que ostentem em público, "vegetarianos" e "carnívoros" estão juntos no mesmo campo político-ideológico, e é um erro grosseiro considerar um setor esquerdista como um antídoto ou uma barreira contra outro. Eu me recuso a ver diferença essencial entre o criminoso que puxa o gatilho e o cúmplice que o auxilia.
É preciso dizer com todas as letras: vivemos uma ditadura de esquerda. Não uma ditadura institucional, um regime político totalitário, como o que existe em Cuba e para onde se encaminha a Venezuela e a Bolívia, mas uma ditadura do pensamento. Uma ditadura ideológica, da linguagem, sutil, quase imperceptível. Não se trata de um fenômeno novo, mas o resultado de um longo processo de convencimento, que já dura pelo menos três décadas, baseado na idéia gramsciana de conquistar a hegemonia cultural da sociedade, como um preparativo para a tomada definitiva do poder. Ao longo desse processo, foram engendradas na cabeça de gerações de brasileiros um conjunto de fórmulas e slogans esquerdistas, que se incorporaram ao senso comum como verdades auto-evidentes e irrefutáveis. Isso foi alcançado graças a uma eficiente máquina de propaganda que se infiltrou nas escolas, universidades, sindicatos, igrejas etc., a qual agiu de forma sub-reptícia, sutil, indolor e anestésica. Durante décadas fomos bombardeados com propaganda esquerdista sem nos darmos conta. Basta perguntar: quem, no Brasil, tem coragem de se declarar, alto e bom som, conservador e de direita? O nome disso é lavagem cerebral.
Aqui estão alguns exemplos de idéias-força que se implantaram em nosso subconsciente, e que exigirão décadas para ser erradicadas:
1) Crime é aquilo que a direita comete; se é praticado por alguém das hostes de esquerda, e em nome dos ideais e fins de esquerda, então é algo válido e moral, e as acusações de corrupção, ou terrorismo, ou quaisquer outras, não passam de manipulação e conspiração golpista das elites e da mídia;
2) Valores da civilização, como a democracia e os direitos humanos, são "de esquerda"; em contraste, a ditadura, a repressão, são "de direita";
3) Sendo a corrupção algo associado à direita, e a honestidade e a ética à esquerda, o partido ou político que for pego roubando não é "de esquerda"; logo, é preciso "retornar às origens".
Agora eu pergunto: você, que lê estas linhas, pensa ou já pensou de acordo com algum desses princípios citados acima? Sim ou não?
Um comentário:
Ótima postagem!
Postar um comentário