quinta-feira, abril 24, 2008

Sobre a diplomacia brasileira, Chávez e outros bufões

Recebi um e-mail de um amigo meu que, por motivos pessoais e profissionais (infelizmente o Itamaraty tem dessas coisas), pediu-me para permanecer anônimo. Ele discorda das opiniões do historiador Marco Antonio Villa sobre a política externa brasileira, expostas na entrevista que concedeu à Veja e que comento no post anterior. Aí vai o e-mail de meu amigo (em vermelho, minha resposta vai em preto):
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Gustavo, não gostei do texto não. Achei-o fraquinho, fraquinho! Eis alguns poucos comentários:
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* Ele (o autor) cria uma frase de efeito dizendo que se fosse hoje o Acre e Santa Catarina não seriam nossos, pra mais tarde completar que no caso de Santa Catarina (Questão de Palmas) "Não perdemos um hectare de terra". Ora bolas, esquece-se o cara de mencionar que no caso acreano, ao contrário de SC, Rio Branco cedeu território brasileiro em compensação à Bolívia e foi duramente criticado por isso, inclusive por figurões da época como Rui Barbosa.
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* O autor dá a entender que a diplomacia brasileira é muito molenga pra depois dizer que o caso dos espanhóis foi exagero.
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* O autor acusa Chávez de reivindicar dois terços da Guiana, deliberadamente omitindo que a reivindicação é venezuelana (e não pessoal de Chávez) e antecede o atual Presidente venezuelano em muitas décadas. Isso sem mencionar que o próprio Chávez já contemporizou com Georgetown a respeito do Essequibo.
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Há outras incongruências e exageros no texto, mas não pretendo me estender.
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As críticas que faço obviamente não significam que o autor tenha falado algumas verdades e acertado aqui e ali, mas pelo menos pra mim, comprovam que o texto não está com essa bola toda não, pelo contrário!
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Um abração,
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Em resposta a meu amigo, escrevi o seguinte:
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Caro XXX,
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Acho que você perdeu de vista o essencial do que o autor quis dizer:
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1 - Quando o Villa diz a frase de efeito sobre o Acre e Santa Catarina, ele se refere à política externa lulista, que subordinou o interesse nacional às conveniências ideológicas dos "companheiros". Isso ficou claro na questão do gás da Bolívia e vai se demonstrar agora, também, no caso de Itaipu, pode ter certeza. A analogia com o Acre e a Questão de Palmas, portanto, é a seguinte: se fosse um governo pusilânime e ideologicamente comprometido, como o de Lula, os dois estados seriam hoje parte da Bolívia ou da Argentina. Não tenho dúvida quanto a isso.
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2 - Quando o autor diz que a diplomacia brasileira é molenga e depois cita o caso dos turistas espanhóis, ele não está cometendo nenhuma contradição. Leia de novo a entrevista. Ele está chamando a atenção para o contraste da atitude do governo Lula em relação aos "companheiros" Chávez e Morales, por exemplo, e os governos de outros países. O autor deixa isso claro quando diz: "Ser duro com um turista espanhol é fácil. Quero ver ser duro com Hugo Chávez."
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3 - É verdade que a questão de Essequibo é anterior a Chávez, mas isso não muda muita coisa. A questão é que, por ser ele um bufão e um caudilho imprevísível, a qualquer hora ele pode invadir a Guiana e desencadear uma guerra na região. A reivindicação às Malvinas também era anterior à ditadura militar argentina. Basta um governo irresponsável e megalomaníaco - e um cordão de puxa-sacos continentais a bater palma ou a botar panos quentes em qualquer besteira que Chávez fizer - que o cenário pro desastre estará completo.
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Enfim, achei a entrevista muito boa, como disse. Achei fantástica a comparação do Marco Aurélio "top, top" Garcia com o Pacheco do Eça de Queiroz. Muito boa mesmo, apesar da ressalva à questão do Foro de São Paulo. Também não pude deixar de notar um pequeno erro que ele comete na última pergunta, quando diz que "pela primeira vez" a política externa poderá ser tema de eleição no Brasil - na eleição presidencial de 1960, a questão de Cuba dominou os debates eleitorais. Mas, feito o desconto, assino embaixo de tudo que ele disse.
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Finalizando
Meu amigo escreveu ainda: "discordo redondamente que no caso boliviano tenhamos 'subordinado o interesse nacional às conveniências ideológicas dos companheiros'. Pelo contrário, foram setores da imprensa e da opinião pública que tiveram uma reação desmedida, simplista e infantil!". Não sei que tipo de reação seria considerada apropriada no caso em questão. Sei apenas que "desmedida, simplista e infantil" me parecem adjetivos apropriados para definir a atitude de um governo que manda o exército invadir e ocupar refinarias pertencentes a outro país, num surto de nacionalismo bravateiro. Assim como simplista e infantil, para não dizer pusilânime, parece-me a falta de ação de um governo que, diante dessa tunga monumental, trata de pôr panos quentes, pois afinal o governo que encampou as refinarias é presidido por um "companheiro". Fica a pergunta: será que se o governo que mandou a tropa invadir as refinarias da Petrobras na Bolívia fosse presidido por um "neoliberal", e não por um parceiro das lides ideológicas, o atual governo brasileiro agiria - ou melhor, não agiria - da mesma forma? Eis a questão.
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P.S.: Só um pequeno detalhe histórico: ao se referir à questão do Acre, meu amigo lembra que o Barão do Rio Branco chegou a ceder territórios para a Bolívia, tendo sido duramente criticado por isso. É verdade, e isso só corrobora meu ponto de vista. Rio Branco, mesmo tendo garantido o Acre para o Brasil e feito uso da ameaça do uso da força militar contra a Bolívia, foi alvo de duras críticas de Rui Barbosa, por sua suposta "pusilanimidade" na questão. Isso demonstra quanto o governo Lula está distante da defesa do interesse nacional brasileiro. O que diria a Águia de Haia de um governo que cedeu tão abertamente a um outro governo que o insultou de forma tão acintosa? Isso demonstra até que ponto a ideologia, e não o pragmatismo, se apoderou da diplomacia brasileira. É uma pena.

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