Eu tinha prometido a mim mesmo que não ia mais falar do Lula. Mas não dá para evitar. Todo dia, quando eu chego ao trabalho e abro a caixa postal do correio eletrônico, lá está, em meio a propagandas de viagra e outras baboseiras do tipo, uma mensagem da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, enaltecendo as conquistas do petismo no poder. Em geral, provocando em mim efeitos exatamente opostos ao do viagra. Como funcionário público, mesmo concursado, tenho que agüentar esse tipo de aporrinhação diária.
Nos últimos tempos, fomos atingidos por um bombardeio de dados estatísticos e informes publicitários saídos do Palácio do Planalto, dando conta de como o Brasil, desde 1 de janeiro de 2003, é outro País, tendo enveredado por um caminho luminoso de felicidade e prosperidade sem paralelo na história da espécie humana. Como já está mais do que claro que o que chamamos de governo hoje no Brasil só se sustenta na amnésia crônica da população e na cumplicidade disfarçada da oposição inexistente, resolvi tomar a liberdade de elencar, eu mesmo, as grandes realizações do governo Lula. Ei-las, as mais importantes:
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- Bolsa-Família - O carro-chefe do petismo na atualidade, principal responsável, sem dúvida, pela reeleição do atual mandatário, e que encobriu o fracasso de outros programas semelhantes na área social, como o outrora badaladíssimo e hoje esquecidíssimo "Fome Zero"(alguém lembra?). Consiste numa bolsa, de 50 ou 90 reais dependendo do tamanho da família, distribuída pelo governo federal à população mais pobre do País. A idéia, surgida no governo FHC, é combater a evasão escolar, pois só recebe a bolsa quem comprovar que tem filho na escola, e, ao mesmo tempo, ajudar quem passa necessidade. Uma idéia muito caridosa, muito católica, muito bem-intencionada, sem dúvida. A grande novidade em relação aos programas assistencialistas anteriores, além do fato de este ser do PT (que sempre fez questão de condenar, antes, o assistencialismo como um paliativo paternalista das classes dominantes, destinado a anestesiar a consciência das massas e frear mudanças verdadeiras), é que, desta vez, resolveu-se unificar tudo numa coisa só, em nível federal. Incentivados pela propaganda petista, que insinuava a possibilidade de o candidato adversário acabar com o benefício no dia seguinte à eleição, milhões de miseráveis votaram em Lula. Como resultado, ocorreu uma alteração substancial no quadro político-eleitoral do País, com os petistas dominando as áreas mais pobres e carentes. Em outras palavras: o retorno do voto de cabresto, agora federalizado.
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- Choque de gestão - A expressão da moda, que Lula, como uma criança de jardim-de-infância que aprende a balbuciar uma palavra nova, não cansa de repetir, maravilhado. Significa dar mais eficiência e racionalidade à administração pública. Nessa área, realmente, o atual governo tem dado um show de eficiência e responsabilidade com o dinheiro do contribuinte (aliás, cada vez mais contribuinte). Sobretudo quando se trata de contratar milhares de funcionários sem concurso e aparelhar órgãos estatais com militantes e apaniguados. Um festival de gastança, que não dá sinais de diminuir. E de eficiência, claro. Li que, somente no Palácio do Planalto, Lula tem 149 assessores à sua disposição. Nenhum deles lembrou de dizer-lhe, por exemplo, que não é preciso cruzar o Atlântico para chegar aos EUA ou que o Brasil faz fronteira com a Bolívia. Quanto ao aparelhamento partidário da máquina estatal, chegou-se ao ponto de diretores da agência que fiscaliza a aviação civil viajarem às expensas das empresas que deveriam fiscalizar, e o órgão que cuida da infra-estrutura do setor privilegiar a pintura dos saguões dos aeroportos em vez das ranhuras nas pistas. O que, obviamente, não deve ter tido nada a ver com o caos aéreo que tomou conta dos céus do País de um ano para cá, nem com o desastre que matou 199 pessoas em julho passado em São Paulo, claro...
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- PAC - A sigla-símbolo do segundo mandato lulista. Um verdadeiro achado da propaganda, provavelmente saído da mente brilhante de algum marqueteiro a serviço do governo, que surpreendeu a quase todos, pelo ineditismo, no discurso presidencial proferido por ocasião da segunda posse na presidência da República ("PAC? Que é isso?"). Significa "Programa de Aceleração do Crescimento". Notem bem: de Aceleração. Pois o crescimento econômico, como se sabe, já é um dado da realidade, bastando apenas dar-lhe um empurrãozinho oficial. E como se dará esse salto para o futuro? Simples: retomando projetos engavetados, ou criando outros. Desde que se mantenha a idéia da "aceleração" da economia, mantida estável graças a uma política econômica - ah não, aí já é demais... - herdada do governo anterior, o tal da "herança maldita". Como não poderia deixar de ser, já começam a aparecer as primeiras denúncias de fraude nas licitações, de malversação de fundos públicos nos tais projetos. Mas nada disso importa. No primeiro mandato, falou-se em "espetáculo do crescimento". O tal espetáculo prometido, porém, mixou, virou um show de marionetes. Agora, a bola da vez é a "aceleração do crescimento". Ou seja: durante quatro anos, anunciaram um filme que ninguém viu. Agora, querem rodar a fita o mais rápido possível. Talvez para que ninguém lembre do tal espetáculo prometido e nunca realizado, emPACado, vá-se ver.
- Etanol - A menina dos olhos do governo Lula. Basicamente, é o velho Proálcool, que tanta alegria deu aos usineiros durante o regime militar, de cara nova. Aqui, justiça seja feita, Lula parece ter tomado um caminho diferente dos companheiros Fidel Castro e Hugo Chávez, que já se posicionaram contra o etanol, pois este só fará "aumentar a fome no mundo". Tudo bobagem, claro, que os milhares de barris de petróleo produzidos diariamente pela Venezuela e fornecidos de graça a Cuba talvez expliquem. Lula já anunciou, com a fanfarra que lhe é habitual, que o programa dos biocombustíveis é uma verdadeira revolução, que colocará o nome do Brasil nas alturas, além de ser ecologicamente correto e gerador de milhares de empregos. Entusiasmado, já chamou os usineiros de "heróis". Faltou perguntar aos bóias-frias que trabalham de sol a sol nas plantações de cana-de-açúcar o que eles acham dessa afirmação.
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- Política externa - Outra área bastante prestigiada pelos companheiros lulistas. Sendo eu do ramo, hesitei um pouco antes de falar no assunto, pois, ao contrário do que pode parecer, é preciso, nesse caso, estar do lado de fora para ver a situação com mais clareza. Mas não resisti em dar também aqui meus pitacos. Afinal, também tive, por dever profissional, de ler o panfleto antiamericano de Moniz Bandeira, o "historiador" oficial do Itamaraty do B, e também me assustei com o que li. Do mesmo modo, também achei esquisita a explicação da chefia da "Casa" para as acusações de ideologização da política externa brasileira, consideradas apenas uma intriga da oposição. Ora, só porque, sob o governo dos companheiros, em nome de uma "nova geografia comercial do mundo", o Brasil resolveu assistir de camarote (a)o enterro da ALCA, vista como um projeto expansionista e anexionista da hiperpotência imperialista norte-americana? Só porque, em lugar da ALCA, que nos abriria as portas de um mercado insignificante como o dos EUA, o Brasil preferiu apostar suas fichas em verdadeiros titãs da economia mundial, como a Venezuela e S. Tomé e Príncipe? Somente porque, para ficar apenas na América Latina, o governo de Lula e do ghost-chancellor Marco Aurélio Garcia insiste em não ver qualquer mal na decisão do companheiro Hugo Chávez de fechar o principal canal privado de TV no país e em chamá-lo, além disso, de parceiro do Brasil? Ou, ainda, na tunga das refinarias da PETROBRAS pelo governo do companheiro e índio fajuto Evo Morales na Bolívia, decisão que muitos petistas chegaram inclusive a aplaudir? Ideologização da política externa? Imagine...
- Saúde - Aqui não é preciso dizer muito. Basta lembrar uma frase de Lula, lapidar em sua sabedoria: "A saúde pública no Brasil está à beira da perfeição". Quem sabe com a prorrogação/eternização da CPMF, da qual Lula já foi inimigo, a situação vá da perfeição para o state of the art. Uma verdadeira pintura, que o digam os milhares de pacientes do SUS.
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- Educação - Aqui também foram alcançados, nos últimos anos, avanços importantes. Fiquemos em apenas dois: 1) as cotas raciais para estudantes "afro-descendentes" nas universidades, que, sob a justificativa de democratizar o acesso à educação superior, permite a entrada de gente que se declare como tal, por meio de um ultra-sofisticado e cientificamente comprovado método de seleção baseado em... fotos, e 2) a distribuição, nas escolas das redes públicas de ensino, de livros didáticos enaltecendo grandes personagens da História e lutadores da liberdade como Stálin, Mao Tsé-Tung e, claro, Fidel Castro. Falando nesse último, aliás, é bom recordar que, para os companheiros petistas, Cuba é o grande modelo de educação pública, gratuita e de qualidade a ser seguido. E não somente de educação, é bom que se diga.
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- Segurança - Todo mundo sabe que esta não é bem a praia dos petistas, que sempre preferiram botar a culpa pela criminalidade e pelo tráfico de drogas nas desigualdades sociais a investir em policiamento e no combate à bandidagem. Mas aqui é preciso dar a mão à palmatória: no quadriênio lulista, como todos sabem e a imprensa não cansa de não noticiar, o nível de violência baixou, os traficantes cariocas deixaram de trocar tiros com a polícia, os ataques do PCC diminuíram... Falando em PCC, já se descobriu que este mantém vínculos estreitos com os guerrilheiros castristas das FARC, assim como o Comando Vermelho de Fernandinho Beira-Mar (preso, aliás, na Colômbia, num acampamento da dita organização revolucionária). Pois é, as FARC, a mesma guerrilha apoiada por Fidel Castro, de quem Lula é amigo, e que faz parte também do Foro de S. Paulo, que Lula fundou em 1990 junto com o ditador cubano, e que todo mundo finge que não existe... Mas é claro que uma coisa não tem nada a ver com a outra, lógico.
Creio que os itens enunciados acima são suficientes para dar uma idéia do sensacional salto de qualidade que ocorreu nos últimos cinco anos no Brasil. É claro que o quadro está longe de ser completo. Para que o fosse, seria necessário falar também dos maravilhosos avanços alcançados nos campos da ética e da democracia, com o Mensalão (uma invenção da mídia burguesa, claro) e os movimentos mais ou menos subterrâneos para restaurar a censura e enxertar um terceiro mandato presidencial. Mas aí já seria demais. Outras conquistas semelhantes virão, com certeza. Isso é apenas o começo.
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