quinta-feira, outubro 04, 2007

AS VÁRIAS FACES DO PETISMO


A Hidra de Lerna era um monstro mitológico que povoava a imaginação dos antigos gregos. Com várias cabeças, sua característica principal era que, se se cortasse uma delas, outra nasceria imediatamente no lugar. Não adiantava cortar cada cabeça separadamente: o único jeito de matá-la era desferir um golpe certeiro, capaz de decepar todas as suas cabeças de uma só vez. Do contrário, isto é, se fosse cortada uma cabeça por vez, outras surgiriam para substituí-las, e assim indefinidamente.

O petismo é a Hidra de Lerna do Brasil. Assim como a da lenda, a hidra petista tem várias faces, várias cabeças. E assim como ela, quanto mais se destrói uma delas, mais aparecem outras, mais elas se reproduzem. É inútil arrancar uma cabeça do petismo, separadamente do conjunto da obra, pois ela sempre ressurgirá, renovada, como se nada tivesse acontecido. O petismo é um câncer, uma metástase.

A maior prova disso que estou dizendo é que o petismo sobreviveu e assumiu novas formas após a "crise ética" de 2005. Fosse qualquer outra corrente política e já estaria morto e enterrado, esquecido no fundo da lata de lixo da História. Mas o petismo e seu subproduto, o lulismo, resistem a qualquer crise, por pior que seja. Resistiram ao Mensalão. Resistiram ao Valerioduto. Resistiram a Zé Dirceu. Resistiram ao apagão aéreo. O petismo entranhou-se na psique coletiva nacional de tal maneira que se tornou praticamente impossível separar as duas coisas e identificá-lo com clareza. Ele está em cada casa, em cada mente, até mesmo em nosso vocabulário quotidiano. O resultado é que mesmo os que se dizem antipetistas terminam, invariavalmente, reproduzindo os velhos chavões e lugares-comuns do petismo, sem se dar conta disso. O petismo é um vírus. É possível que você, que está lendo estas linhas, seja um petista e não saiba.

Pode-se dividir os petistas em pelo menos duas grandes correntes: os que o são declaradamente e os que não sabem ou fingem que não o são. Os primeiros são os petistas propriamente ditos, os companheiros da estrela vermelha, petistas de carteirinha, aspones, militantes ou simpatizantes da esquerda e/ou funcionários (comissionados) de alguma sinecura estatal, em geral barbudinhos e leitores de Gramsci (quando lêem, claro). De um modo geral, são os únicos que aparecem e são identificados como tais, os que insistem em manter acesa a chama da crença supersticiosa e beatífica no "Papai Lula", no líder operário e homem mais honesto do Brasil, e que consideram todas as críticas e denúncias de corrupção contra o governo fruto de uma conspiração das elites e da mídia. Estes não têm cura, nem querem ser curados. Estão felizes em seu delírio messiânico, quando não satisfeitos com alguma "boquinha" que arranjaram.

O segundo tipo, bem mais numeroso, é o de que quero falar aqui. São aqueles, em geral críticos ferrenhos do governo, que no entanto acabam, geralmente sem o saber, repetindo a visão de mundo maniqueísta e demagógica consagrada pelo petismo. São os que se encheram de indignação moralista diante da revelação do Mensalão e de outros escândalos de corrupção envolvendo a alta cúpula do governo e do petismo, mas não querem ou não são capazes de ver a relação inequívoca entre petismo e corrupção, entre esquerdismo e roubalheira. Nessa categoria estão incluídos os militantes esquerdistas, muitos deles vindos do PT, que insistem na ficção de que a corrupção petista é o resultado de uma "inflexão à direita" do partido, de suas alianças com políticos venais e legendas como o PR e o PTB. Desse modo, buscam consolo na ilusão confortável de que Lula e os petistas "traíram os ideais" que deram origem ao partido, (auto-)enganando(-se) na crença na pureza do petismo original e na ideía de que este apenas desviou-se do caminho reto e luminoso da revolução socialista... Esta é também uma forma de petismo.

O petismo impregnou a mentalidade brasileira de uma maneira quase total, avassaladora. Graças a décadas de trabalho persistente, paciente, anestésico de infiltração ideológica nas escolas, universidades, mídia, funcionalismo público, igrejas e onde mais fosse possível atuar os petistas e seus aliados conseguiram edificar uma mitologia própria, ancorada nas platitudes esquerdistas e marxistóides. O resultado é que, até para combatê-lo, é preciso antes pedir licença e declarar-se "de esquerda". Sem falar no monopólio esquerdista das ruas, no domínio exclusivo das organizações de massa, como sindicatos, CUT, MST, UNE etc. pelos partidos de esquerda (a apatia da chamada "oposição", sua incapacidade de puxar grandes passeatas de protesto, assim como a recente afirmação de Lula, em tom de ameaça, de que ninguém mais nefte paif pode convocar mobilizações populares como ele, demonstram esse fenômeno claramente). Mais que isso, é preciso martelar a velha idéia de que o PT "traiu a esquerda". Como se ser "de esquerda" fosse um antídoto à corrupção, como se esta fosse algo exclusivo da direita e do capitalismo. Os que pensam assim estão num beco sem saída, pois se opõem, pelo menos retoricamente, ao petismo, mas são incapazes de romper de todo com as ilusões esquerdistas. Dizem que não o são, mas são petistas também.

Muito se falou, depois das denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, dois anos atrás, na morte do PT. Seus supostos adversários, os tucanos (na verdade, uns petistas enrustidos), inebriados diante do espetáculo público de desmascaramento de vários chefes e chefetes petistas, chegaram a desperdiçar a oportunidade legal de destituir um presidente conivente com a corrupção em favor de uma vaga esperança eleitoreira que, no final, não se concretizou. É claro que se deixaram enganar. É claro que o petismo não morreu. Mesmo que o PT desapareça, mesmo que Lula vire apenas uma nota de pé de página nos livros de História, o petismo permanecerá, por muito tempo, a nos lembrar da irracionalidade humana. Em 2005 como agora, ignorou-se totalmente a profundidade e a dimensão da lavagem cerebral petista. Como a Hidra de Lerna, o petismo não poderá ser erradicado enquanto não se eliminarem todas as suas cabeças. Este será um trabalho não de anos, mas de décadas. Talvez de séculos.

Um comentário:

Stefano di Pastena disse...

Prezado Gustavo


Acabei de conhecer seu blog, via Google...eu procurava uma informação razoavelmente honesta sobre o número de cubanos que já fugiram do paraíso - eu jurava que eram 6 milhões...devo ter-me confundido com aquela macabra cifra do povo judeu...

Valeu a surpresa. Parabéns por seus textos e análises. Já está devidamente nos 'favoritos'...até a próxima!