Se havia alguma dúvida de que o atual governo brasileiro anda a reboque de Hugo Chávez, agindo como o advogado e porta-voz de suas investidas antidemocráticas, os acontecimentos dos últimos dias a enterraram para sempre. Nunca ficou tão claro o perigo que o aprendiz de tirano de Caracas representa para a estabilidade e a democracia na América Latina. Também nunca ficou tão evidente que o governo Lula insiste em negar a realidade, fechando-se numa concha de omissão e cumplicidade.
Recapitulemos. A última crise deflagrada pelo bufão caraquenho começou quando este, ao reagir a uma moção do Congresso brasileiro contrária ao fechamento da RCTV, chamou os parlamentares brasileiros de "papagaios" do Congresso norte-americano. Atingidos em seus brios nacionalistas, os deputados e senadores reagiram com discursos inflamados e indignados a essa insinuação de que seriam interlocutores do Tio Sam (curiosa indignação: se os senhores parlamentares fossem acusados de servirem de papagaios de Chávez e de Fidel Castro, como de fato agem alguns deputados e senadores de esquerda, será que reagiriam da mesma forma? Mas deixemos isso de lado, por enquanto). Foi um deus-nos-acuda. Aparentemente, o Congresso brasileiro, em geral mergulhado numa rotina de CPIs, mensalões e renans calheiros, acordou, com nove anos de atraso, para o que ocorre na vizinha Venezuela.
Como sempre indiferente, nosso mandatário supremo, em visita à Inglaterra, limitou-se a declarar que chamaria o Embaixador venezuelano para bater um papo quando voltasse ao Brasil (quando, espera, todos tenham-se esquecido do episódio). Fiel a seu estilo, porém, o Grande Molusco não deixou passar batida sua opinião pessoal sobre o caudilho bolivariano. Eis o que ele disse, em entrevista à BBC:
"Chávez tem sido um parceiro do Brasil (...) Eu não acredito que Chávez represente um perigo para a América Latina."
A fala de Lula é exemplar em sua tentativa de tapar o sol com a peneira. Chávez não é parceiro do Brasil. É parceiro de Lula. Ambos têm atuado de forma conjunta, por afinidade pessoal e ideológica, inclusive contra os interesses nacionais brasileiros. O companheiro Chávez, por exemplo, já disse que os soldados brasileiros no Haiti fazem o serviço sujo dos "imperialistas ianques" e se opõe à presença do Brasil naquele país - um dos trampolins, acredita o Itamaraty, para uma vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas, verdadeira obsessão da diplomacia brasileira. Chávez também foi, como somente Lula parece não saber, o grande mentor da nacionalização das refinarias brasileiras na Bolívia. Inclusive, planeja estabelecer uma série de bases militares na fronteira da Bolívia com o Brasil. Sem falar na sua oposição ao programa do etanol, a menina dos olhos do governo brasileiro, pois, segundo ele, este vai "aumentar a fome no mundo". Como se vê, um grande "parceiro" do Brasil, um "muy amigo", sem dúvida...
Prossegue o Grande Molusco:
"Chávez tem suas razões para brigar com os Estados Unidos. E os Estados Unidos têm suas razões para brigar com a Venezuela. O Brasil não tem nenhuma razão para brigar com os Estados Unidos ou a Venezuela."
O Brasil não tem razão para brigar com ninguém. E Chávez não tem razão alguma de chamar quem quer que seja de "papagaio" - ainda mais porque o Congresso venezuelano, como se sabe, é um verdadeiro poleiro de louros que dão o pé sempre que seu dono, Chávez, ordena. Lula não tem razão de querer justificar as insanidades chavistas. O Brasil não tem razão para engolir mais essa patacoada.
"Nós temos que aprender a respeitar a lógica legal de cada país. Eu não dou palpite nas políticas internas de nenhum país".
Lula está-se referindo ao cancelamento da concessão da RCTV por Chávez, um ato autoritário, condenado por dez em cada dez defensores da democracia no continente. Um gesto que não tem nada a ver com qualquer "lógica legal", mas com autoritarismo puro e simples. Para Lula, protestar contra essa medida, que abre o caminho à instauração da ditadura na Venezuela, é "dar palpite" nos assuntos internos de outro país. Não é de surpreender, visto que, para Lula, pedir democracia em países como Cuba é se imiscuir na política interna cubana. Alguém precisa avisá-lo que liberdade de expressão não é assunto interno de nenhum país. É um direito humano fundamental, portanto universal.
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Outra coisa: se Lula está mesmo tão interessado em não "dar palpite" sobre a política de outros países, o que ele estava fazendo pedindo votos para Chávez, em plena campanha eleitoral venezuelana, num comício chavista durante a inauguração de uma ponte (sobre o rio Orinoco, em território venezuelano), no ano passado? Esses lulistas têm uma noção muita estranha do que seja não interferir ("não dar palpite") nos assuntos de outros países. Vai ver o único palpite aceitável, para eles, seja o a favor.
"No Brasil nós fazemos um esforço incomensurável para que a liberdade de imprensa seja exercida em sua plenitude."
Deixando de lado, por ora, as tentativas dos lulistas de calar ("regularizar" é a palavra que usam) os meios de comunicação, inclusive na forma de uma "classificação indicativa" que cheira ao que o chavismo vem fazendo, bem como a expulsão, alguns anos atrás, de um jornalista do The New York Times que escreveu que nosso Presidente é chegado nuns gorós, a afirmação do apedeuta parece querer brincar com a inteligência alheia. Não é o próprio Lula que minimiza o silenciamento da imprensa livre na Venezuela, por não querer "dar palpite" num "assunto interno" de outro país? Então qual a razão dessa sua declaração de amor à liberdade de imprensa? O motivo só pode ser um: para Lula, a liberdade de imprensa no Brasil só existe porque ele quer, porque ele assim determinou. É ele, e não a sociedade, o grande responsável por termos uma imprensa livre. Na cabeça de Lula, a própria democracia é uma invenção lulista. Já que ele não considera que liberdade de expressão é um direito universal, esta é a única explicação possível.
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Tem mais. Na mesma entrevista, Lula negou que a decisão recente do governo de Evo Morales, um discípulo de Chávez, de nacionalizar a indústria de exploração de gás e petróleo, tenha sido tomada por influência de Hugo Chávez. Disse ainda que o Brasil tem "a responsabilidade de ajudar os países mais pobres da América do Sul a se desenvolver." Nisso é preciso concordar com nosso Presidente. Sob sua batuta, o governo brasileiro vem ajudando imensamente alguns governos vizinhos. A começar pelo do falso índio Evo Morales, a quem entregou de presente duas refinarias de petróleo. Sem falar, claro, no Chávez, a quem o Brasil deu um presentão dando-lhe o MERCOSUL como palco de suas papagaiadas antiamericanas.
A frase final de Lula na entrevista é um primor de eloqüência. Ei-la:
"O sonho da América Latina é que todos os países cresçam economicamente, façam distribuição de renda e melhorem a vida do povo. É assim que pensa o presidente Kirchner, é assim que pensa o presidente Chávez, é assim que pensa o presidente Lula."
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Aqui nem é preciso comentário. Para Lula, Chávez quer melhorar a vida do povo venezuelano. Para ele, as misiones são projetos de "promoção e inclusão social", e não de reprodução da pobreza para garantir a clientela chavista. O aumento da inflação e da criminalidade devem ser, nesse sentido, ilusão de ótica ou propaganda imperialista. Creio que não é preciso dizer mais nada. Depois dessa afirmação do Grande Molusco, qualquer coisa que se disser será supérflua.
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É bom repetir: Chávez não é parceiro do Brasil. É parceiro de Lula. Este é, na verdade, um de seus maiores defensores. Um verdadeiro papagaio.
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