quarta-feira, junho 06, 2007

O PT E A CENSURA CHAVISTA


É inacreditável. Quando parecia que todo tipo de sandice já tinha sido dito pelos cães de guarda do populismo latino-americano, em sua defesa da decisão tresloucada de Hugo Chávez de fechar a RCTV - inclusive por parte do Apedeuta, que insiste em chamá-lo de "parceiro" e "aliado" -, vem o PT e consegue superar-se, demonstrando ser mesmo ilimitada a capacidade humana para o engano e o auto-engano.

Esses petistas são incríveis. Não contentes com as declarações do Grande Molusco, que só faltou pedir desculpas em nome do Brasil pelas ofensas grosseiras do coronel venezuelano ao Legislativo brasileiro, agora os dirigentes do partido do Presidente da República Federativa do Brasil - sim, não nos esqueçamos disso - publicam uma nota oficial em que justificam esse atentado à liberdade de expressão na Venezuela. Para não me alongar muito, vou direto aos "argumentos" da referida nota petista:

"a) a Venezuela é um país democrático, com um Presidente escolhido pelo voto popular, em eleições livres, disputadas por uma oposição ativa, que recebe apoio de importantes meios de comunicação;

b) a não-renovação da concessão da RCTV seguiu todos os trâmites previstos pela legislação venezuelana;

c) é público e notório que a RCTV envolveu-se abertamente com o golpe fracassado contra o governo Chávez, atitude que em qualquer país do mundo justificaria o questionamento da concessão pública a uma rede de televisão.

Portanto, reiteramos a posição do PT, em defesa da liberdade de expressão em geral, particularmente da liberdade de imprensa, motivo pelo qual nos opomos ao monopólio da comunicação por grandes empresas, que se utilizam de concessões públicas para a defesa dos interesses privados de uma minoria.

Brasília, 4 de junho de 2007.
Secretaria de Relações Internacionais do PT (SRI)"

Analisemos cada ponto exposto acima. Trata-se, cada um deles, de verdadeiras pérolas de vigarice política e indigência mental. Pior: são a demonstração cabal da incapacidade de seus autores de conviverem com o pluralismo político e a liberdade de pensamento.

a) em primeiro lugar, caros senhores, a Venezuela de hoje está muito longe de ser um país democrático. Nesse ponto, os companheiros adotaram como critério de democracia o fato de Chávez ter sido eleito ("escolhido pelo voto popular, em eleições livres, disputadas por uma oposição ativa etc"). Aqui, parece que se esquecem de dois dados fundamentais: 1) o fato de ser eleito não significa que um governo agirá democraticamente, pois o que importa não é tanto como chegou lá, mas como se comporta, uma vez no poder. Basta ver o exemplo de regimes ditatoriais que foram estabelecidos mediante o voto, inclusive por meio de referendos e consultas populares (um certo Adolf conseguiu tomar o poder na Alemanha assim, há uns setenta anos), e 2) as eleições na Venezuela, desde que Chávez chegou ao poder, têm-se transformado numa verdadeira farsa, um jogo de cartas marcadas, com intimidações aos opositores do chavismo e pesadas acusações de fraude, reforçadas pelo controle na prática do governo sobre o órgão encarregado de organizar as eleições. Assim, a afirmação da nota só pode ser o resultado de má-fé ou ignorância do que ocorre naquele país vizinho - no caso dos petistas, é bem provável que seja as duas coisas.

b) dizer que o fim da concessão é um ato legal não retira dele seu caráter autoritário. Novamente, basta lembrar aqui que a legislação venezuelana está inteiramente a serviço do chavismo. Teoricamente, as concessões de rádio e TV pertencem ao Estado, que pode, sob determinadas circunstâncias, cancelá-las a qualquer momento. Isso não significa que um governo - um governo, não o Estado - possa fechar canais a seu bel-prazer, apenas por não gostar das críticas que estes lhe dirigem. No caso da Venezuela, há muito se apagou a linha que separa o governo, um ente necessariamente provisório num regime democrático, do Estado, uma instituição permanente, acima e além de partidos ou lideranças carismáticas. Mais uma prova de que o país está descambando para a ditadura.

c) é público e notório que o que houve em abril de 2002 - golpe, renúncia, contra-golpe, não se sabe - ainda está para ser explicado. Ainda assim, mesmo que se considere que a RCTV foi uma das promotoras do "golpe" mal-sucedido, é preciso prestar atenção a dois pontos: 1) se a emissora foi fechada porque, como Chávez diz, era "golpista", então por que outra emissora que igualmente se envolveu nos acontecimentos, a Venevisión do empresário Gustavo Cisneros, não se tornou até agora alvo da fúria chavista? Será que é porque a Venevisión, ao contrário da RCTV, fez um acordo com Chávez para garantir que o governo não tomará sua concessão, em troca de um abrandamento das críticas à tal "revolução bolivariana"?, e 2) se ter apoiado um golpe - se for este mesmo o caso da RCTV - é razão suficiente para fechar retroativamente uma emissora de TV, então a primeira tarefa de Tancredo Neves, ao ser eleito para a presidência da República em 1985, deveria ter sido fechar todos os canais de TV e jornais que haviam apoiado o golpe de 64 no Brasil, já que 99,9% da imprensa brasileira da época apoiou ativamente a derrubada do governo João Goulart. Em qualquer país do mundo, isso seria uma ação revanchista e autoritária, típica de quem está se lixando para a democracia.

A nota do PT revela claramente a vocação antidemocrática do partido do Presidente da República. Mais que isso, desnuda toda sua desfaçatez, quando afirma defender "a liberdade de expressão em geral, particularmente a liberdade de imprensa", e falar em nome de uma pretensa maioria - maioria que, no caso da Venezuela, nada menos que 80% da população, tomou as ruas de Caracas em protesto contra essa ação descabida de um candidato a ditador -, contra o "monopólio da comunicação das grandes empresas, que se utilizam de concessões públicas para defender o interesse privado de minorias". Quem diz isso é o mesmo partido do mesmo governo que já tentou ressuscitar a censura, na forma de uma agência reguladora para calar a imprensa, e que agora se dedica a cooptar jornalistas para sua rede estatal de TV. É o mesmo partido do mesmo governo que, após ter-se arvorado para si o monopólio da ética e da virtude, tentou aparelhar o Estado, sonhando instituir seu monopólio do poder.
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Os petistas já deram provas de seu compromisso com a honestidade e a democracia, ao meter os pés pelas mãos em Valeriodutos e Mensalões. Agora se prestam ao lamentável papel de porta-vozes de um governo que deseja instituir o monopólio estatal dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que proclamam sua devoção à liberdade de imprensa. É muita cara-de-pau.

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