Finalmente alguém tocou no cerne da questão. Finalmente alguém botou o dedo na ferida. Em entrevista à Folha de S. Paulo (20/11/2006), o professor inglês Kenneth Maxwell, diretor do programa de estudos brasileiros da Universidade Harvard, disse aquilo que nenhum político brasileiro teve, até hoje, a coragem de dizer. Eis o que afirmou o professor:
“O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assuma suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita?”.
Kenneth Maxwell está coberto de razão. Mais uma vez, fomos humilhados pela lucidez e racionalidade de um observador estrangeiro. Como de costume, foi preciso um gringo meter o bedelho e nos dizer o que é certo. Marcou um golaço.
Parece incrível, mas não há, no Brasil, um partido conservador. Há partidos de todos os tipos – de esquerda, social-democratas, de centro, comunistas, socialistas, trabalhistas, dinheiristas... –, mas não há, na paisagem, um mísero partido conservador! Isso ficou claro como água na última eleição presidencial. Nela, se enfrentaram, tanto no primeiro como no segundo turno, candidatos identificados com teses “de esquerda” – para usar a palavrinha maldita –, que competiam entre si para saber quem era mais estatista, mais nacionalista, mais adversário da diminuição do Estado e da eficiência administrativa. O candidato governista, representante disso que aí está, manteve-se firme e forte na sua devoção ao Estado-patrão, ao Estado-pai e mãe, enquanto o candidato da oposição, quando instado a fazê-lo, preferiu fugir do debate sobre as privatizações, recusando-se a defender o legado do governo FHC, como se de pecado grave se tratasse. No final, tudo virou uma competição entre quem era mais contrário às privatizações, inclusive – e aí entrou também um elemento paranóico bem nosso – da Amazônia (!?). Em suma, entre quem era mais ou menos “de esquerda”.
A afirmação do professor Maxwell atinge em cheio um dos pontos nevrálgicos de nosso imobilismo, de nossa inércia, de nossa falta de honestidade intelectual, de nosso marasmo e pasmaceira ideológicas. Sua lógica, de tão simples, é implacável. Falta, no Brasil, uma verdadeira alternativa política, de verniz conservador, capaz de se contrapor ao predomínio absoluto da vulgata esquerdizóide que, há décadas, se incrustou em nossos subconscientes como uma berne, como um parasita, e nos impede de sairmos da situação de atraso mental em que nos colocamos. Isso significa uma agremiação corajosa o suficiente para defender, alto e bom som e sem ambigüidades, as idéias conservadoras, vale dizer: a globalização econômica, a liberalização dos mercados, a reforma do Estado, a diminuição de impostos, a democracia representativa, o progresso científico e tecnológico, as liberdades individuais etc. Algo inexistente no cenário político-partidário brasileiro. Algo, aliás, inexistente em toda nossa História.
É claro que uma idéia assim, de tão radical, não poderá ser aplicada sem dificuldades. A primeira delas diz respeito à própria carga pejorativa que a palavra “conservador” tem entre nós. Chamar alguém de conservador, no Brasil, é lançar um anátema, um verdadeiro insulto, uma ofensa gravíssima. Ser “de direita”, então, é um palavrão. Remete imediatamente aos tempos da ARENA e da velha UDN, com suas beatas histéricas de rosário na mão. Ainda vivemos, pensamos, falamos e agimos segundo os moldes mentais pré-queda do Muro de Berlim. Conservador, no Brasil, é ACM. É Jorge Bornhausen.
Confunde-se conservadorismo, uma doutrina política de duzentos anos, que começou com Edmund Burke e outros pensadores, com reacionarismo e fisiologismo, o que é burrice. Os reacionários, todos sabemos, são contra qualquer mudança no status quo. Em termos brasileiros, isso significa ser contra qualquer mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Significa ser a favor do que aí está desde, pelo menos, 1930 (e mesmo antes, desde 1500). Já o ideário conservador, por defender essa mudança, seria uma verdadeira revolução no Brasil. Quanto ao fisiologismo, aí está o governo Lula-PT para mostrar para quem quiser ver que a corrupção não escolhe sigla nem partido. Reacionárias, nessa visão, são as esquerdas, o PT, o PCdoB, que se apegaram ao modelo estatal varguista e acham que abertura econômica é um complô do Pentágono para anexar a América Latina. Estas, sim, são a vanguarda do atraso.
O que é ser “de direita”? Em países como os EUA ou a Alemanha, esta questão está mais ou menos clara: é ser liberal em economia e conservador em assuntos políticos e sociais. Pois bem. Se formos analisar os partidos brasileiros “de direita”, como o PFL ou o PP, perceberemos facilmente que eles podem ser qualquer coisa, menos partidos americanos ou alemães de direita clássica. Os partidos brasileiros, quando não são meros amontoados de interesses particulares – caso, aliás, de sua quase totalidade – têm suas raízes no velho estatismo do regime militar, mostrando-se em geral a favor de quem está no poder, seja quem for. Do PFL, aliás, já se disse que, se um dia houver uma revolução comunista no Brasil, ele terá pelo menos um dos ministérios, ocupado, provavelmente, por ACM. Há, inclusive, um Partido Liberal, mas que é aliado do... governo Lula!. Outro dia li que Delfim Netto, o velho ex-czar da economia durante a ditadura militar, foi convidado para ser ministro no segundo mandato do atual governo petista. Não fiquei surpreso.
Se os direitistas brasileiros, assim como os esquerdistas, são anti-liberais em matéria econômica, os esquerdistas se mostram extremamente conservadores – no mau sentido da palavra, como sinônimo de reacionário mesmo – em assuntos de liberdade pessoal, como aborto, união civil de homossexuais, pesquisas genéticas e outros. Não é de se admirar, pois grande parte da intelligentsia lulo-petista, por exemplo, é formada por padres católicos da Teologia da Libertação, bastante revolucionários quando se trata de condenar o capitalismo e os EUA, mas extremamente tímidos em assuntos como uso da camisinha e celibato. Sem falar no MST, com sua cruzada contra os transgênicos. O PT, nesse sentido, é um partido da ultra-direita republicana norte-americana.
Alguém poderia argumentar que já tivemos um Partido Conservador, na época do Império. Ledo engano. Esse partido só mereceria esse nome se o Brasil fosse a Inglaterra, coisa que está muito longe de ser. Conservadores e liberais, no Brasil do século XIX, eram como petistas e tucanos hoje em dia: se brigavam nas eleições, vinham do mesmo berço, e trocavam de discurso à medida que passavam da oposição ao governo. Não por acaso, ficou famosa a frase de que nada mais parecido com um liberal do que um conservador no poder, e vice-versa. Houve casos de ministros importantes que passaram tranqüilamente de um partido para outro, tal como ocorre hoje em dia, sem nenhum pudor nem arrependimento. Tanto o conservadorismo como o liberalismo atendiam, entre nós, a interesses particulares de grandes oligarcas, significando, na verdade, a manutenção de velhos privilégios patrimonialistas – o contrário do que preconizam as idéias clássicas conservadoras e liberais. Algo semelhante ao que o PT faz hoje em dia, aliando-se a Sarney e a Jader Barbalho.
Não dá para negar que, em comparação com os demais partidos e ideologias políticas, um partido genuinamente conservador teria que rebolar para conquistar um eleitorado fiel no Brasil. Primeiro, porque uma tal proposta iria contra toda a nossa cultura política. Ouso dizer que seria mesmo uma operação de choque, uma verdadeira mutação genética. Está nos nossos genes, no nosso DNA, acreditar que qualquer coisa que não seja a favor do nacional-desenvolvimentismo e contra o “imperialismo” é a encarnação do maligno. Como demonstrou a última eleição, está fortemente arraigada em nossas (in)consciências a idéia de que a “esquerda” é o “bem” e a “direita” – ou seja, tudo o que não se encaixa na primeira categoria – é o “mal”, o cramulhão, o dito-cujo, o coisa-ruim, o rabudo. Desde o berço, somos educados na crença de que o lucro é mal, que é preciso distribuir a renda, não produzi-la, e que o Estado deve dar dinheiro aos pobres. O Brasil é, nesse sentido, uma república soviética.
Segundo, as teses conservadoras teriam dificuldade de se impor entre nós porque falta ao conservadorismo, como doutrina política, o toque teatral, o sex-appeal que torna as esquerdas tão atraentes para os revoltados, frustrados, ingênuos e entediados de todos os tipos. Principalmente para nós, latino-americanos, tão afeitos a políticos demagogos e a caudilhismos populistas. Por ser essencialmente anti-totalitário, falta-lhe o apelo mobilizador. Alguém já viu uma passeata, por exemplo, a favor da responsabilidade fiscal ou da boa administração do dinheiro público?
Por tudo isso, a proposta do professor Kenneth Maxwell corre o risco de já nascer condenada ao fracasso. Mas é inegável que constitui a melhor idéia, talvez a única boa idéia, a surgir no panorama político nacional nos últimos anos. Provavelmente, uma proposta assim tão ousada não vingará. Mas certamente seria uma revolução. Talvez a única revolução possível nessa terra de mensalões e bolsas-família.
“O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assuma suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita?”.
Kenneth Maxwell está coberto de razão. Mais uma vez, fomos humilhados pela lucidez e racionalidade de um observador estrangeiro. Como de costume, foi preciso um gringo meter o bedelho e nos dizer o que é certo. Marcou um golaço.
Parece incrível, mas não há, no Brasil, um partido conservador. Há partidos de todos os tipos – de esquerda, social-democratas, de centro, comunistas, socialistas, trabalhistas, dinheiristas... –, mas não há, na paisagem, um mísero partido conservador! Isso ficou claro como água na última eleição presidencial. Nela, se enfrentaram, tanto no primeiro como no segundo turno, candidatos identificados com teses “de esquerda” – para usar a palavrinha maldita –, que competiam entre si para saber quem era mais estatista, mais nacionalista, mais adversário da diminuição do Estado e da eficiência administrativa. O candidato governista, representante disso que aí está, manteve-se firme e forte na sua devoção ao Estado-patrão, ao Estado-pai e mãe, enquanto o candidato da oposição, quando instado a fazê-lo, preferiu fugir do debate sobre as privatizações, recusando-se a defender o legado do governo FHC, como se de pecado grave se tratasse. No final, tudo virou uma competição entre quem era mais contrário às privatizações, inclusive – e aí entrou também um elemento paranóico bem nosso – da Amazônia (!?). Em suma, entre quem era mais ou menos “de esquerda”.
A afirmação do professor Maxwell atinge em cheio um dos pontos nevrálgicos de nosso imobilismo, de nossa inércia, de nossa falta de honestidade intelectual, de nosso marasmo e pasmaceira ideológicas. Sua lógica, de tão simples, é implacável. Falta, no Brasil, uma verdadeira alternativa política, de verniz conservador, capaz de se contrapor ao predomínio absoluto da vulgata esquerdizóide que, há décadas, se incrustou em nossos subconscientes como uma berne, como um parasita, e nos impede de sairmos da situação de atraso mental em que nos colocamos. Isso significa uma agremiação corajosa o suficiente para defender, alto e bom som e sem ambigüidades, as idéias conservadoras, vale dizer: a globalização econômica, a liberalização dos mercados, a reforma do Estado, a diminuição de impostos, a democracia representativa, o progresso científico e tecnológico, as liberdades individuais etc. Algo inexistente no cenário político-partidário brasileiro. Algo, aliás, inexistente em toda nossa História.
É claro que uma idéia assim, de tão radical, não poderá ser aplicada sem dificuldades. A primeira delas diz respeito à própria carga pejorativa que a palavra “conservador” tem entre nós. Chamar alguém de conservador, no Brasil, é lançar um anátema, um verdadeiro insulto, uma ofensa gravíssima. Ser “de direita”, então, é um palavrão. Remete imediatamente aos tempos da ARENA e da velha UDN, com suas beatas histéricas de rosário na mão. Ainda vivemos, pensamos, falamos e agimos segundo os moldes mentais pré-queda do Muro de Berlim. Conservador, no Brasil, é ACM. É Jorge Bornhausen.
Confunde-se conservadorismo, uma doutrina política de duzentos anos, que começou com Edmund Burke e outros pensadores, com reacionarismo e fisiologismo, o que é burrice. Os reacionários, todos sabemos, são contra qualquer mudança no status quo. Em termos brasileiros, isso significa ser contra qualquer mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Significa ser a favor do que aí está desde, pelo menos, 1930 (e mesmo antes, desde 1500). Já o ideário conservador, por defender essa mudança, seria uma verdadeira revolução no Brasil. Quanto ao fisiologismo, aí está o governo Lula-PT para mostrar para quem quiser ver que a corrupção não escolhe sigla nem partido. Reacionárias, nessa visão, são as esquerdas, o PT, o PCdoB, que se apegaram ao modelo estatal varguista e acham que abertura econômica é um complô do Pentágono para anexar a América Latina. Estas, sim, são a vanguarda do atraso.
O que é ser “de direita”? Em países como os EUA ou a Alemanha, esta questão está mais ou menos clara: é ser liberal em economia e conservador em assuntos políticos e sociais. Pois bem. Se formos analisar os partidos brasileiros “de direita”, como o PFL ou o PP, perceberemos facilmente que eles podem ser qualquer coisa, menos partidos americanos ou alemães de direita clássica. Os partidos brasileiros, quando não são meros amontoados de interesses particulares – caso, aliás, de sua quase totalidade – têm suas raízes no velho estatismo do regime militar, mostrando-se em geral a favor de quem está no poder, seja quem for. Do PFL, aliás, já se disse que, se um dia houver uma revolução comunista no Brasil, ele terá pelo menos um dos ministérios, ocupado, provavelmente, por ACM. Há, inclusive, um Partido Liberal, mas que é aliado do... governo Lula!. Outro dia li que Delfim Netto, o velho ex-czar da economia durante a ditadura militar, foi convidado para ser ministro no segundo mandato do atual governo petista. Não fiquei surpreso.
Se os direitistas brasileiros, assim como os esquerdistas, são anti-liberais em matéria econômica, os esquerdistas se mostram extremamente conservadores – no mau sentido da palavra, como sinônimo de reacionário mesmo – em assuntos de liberdade pessoal, como aborto, união civil de homossexuais, pesquisas genéticas e outros. Não é de se admirar, pois grande parte da intelligentsia lulo-petista, por exemplo, é formada por padres católicos da Teologia da Libertação, bastante revolucionários quando se trata de condenar o capitalismo e os EUA, mas extremamente tímidos em assuntos como uso da camisinha e celibato. Sem falar no MST, com sua cruzada contra os transgênicos. O PT, nesse sentido, é um partido da ultra-direita republicana norte-americana.
Alguém poderia argumentar que já tivemos um Partido Conservador, na época do Império. Ledo engano. Esse partido só mereceria esse nome se o Brasil fosse a Inglaterra, coisa que está muito longe de ser. Conservadores e liberais, no Brasil do século XIX, eram como petistas e tucanos hoje em dia: se brigavam nas eleições, vinham do mesmo berço, e trocavam de discurso à medida que passavam da oposição ao governo. Não por acaso, ficou famosa a frase de que nada mais parecido com um liberal do que um conservador no poder, e vice-versa. Houve casos de ministros importantes que passaram tranqüilamente de um partido para outro, tal como ocorre hoje em dia, sem nenhum pudor nem arrependimento. Tanto o conservadorismo como o liberalismo atendiam, entre nós, a interesses particulares de grandes oligarcas, significando, na verdade, a manutenção de velhos privilégios patrimonialistas – o contrário do que preconizam as idéias clássicas conservadoras e liberais. Algo semelhante ao que o PT faz hoje em dia, aliando-se a Sarney e a Jader Barbalho.
Não dá para negar que, em comparação com os demais partidos e ideologias políticas, um partido genuinamente conservador teria que rebolar para conquistar um eleitorado fiel no Brasil. Primeiro, porque uma tal proposta iria contra toda a nossa cultura política. Ouso dizer que seria mesmo uma operação de choque, uma verdadeira mutação genética. Está nos nossos genes, no nosso DNA, acreditar que qualquer coisa que não seja a favor do nacional-desenvolvimentismo e contra o “imperialismo” é a encarnação do maligno. Como demonstrou a última eleição, está fortemente arraigada em nossas (in)consciências a idéia de que a “esquerda” é o “bem” e a “direita” – ou seja, tudo o que não se encaixa na primeira categoria – é o “mal”, o cramulhão, o dito-cujo, o coisa-ruim, o rabudo. Desde o berço, somos educados na crença de que o lucro é mal, que é preciso distribuir a renda, não produzi-la, e que o Estado deve dar dinheiro aos pobres. O Brasil é, nesse sentido, uma república soviética.
Segundo, as teses conservadoras teriam dificuldade de se impor entre nós porque falta ao conservadorismo, como doutrina política, o toque teatral, o sex-appeal que torna as esquerdas tão atraentes para os revoltados, frustrados, ingênuos e entediados de todos os tipos. Principalmente para nós, latino-americanos, tão afeitos a políticos demagogos e a caudilhismos populistas. Por ser essencialmente anti-totalitário, falta-lhe o apelo mobilizador. Alguém já viu uma passeata, por exemplo, a favor da responsabilidade fiscal ou da boa administração do dinheiro público?
Por tudo isso, a proposta do professor Kenneth Maxwell corre o risco de já nascer condenada ao fracasso. Mas é inegável que constitui a melhor idéia, talvez a única boa idéia, a surgir no panorama político nacional nos últimos anos. Provavelmente, uma proposta assim tão ousada não vingará. Mas certamente seria uma revolução. Talvez a única revolução possível nessa terra de mensalões e bolsas-família.
Um comentário:
ler todo o blog, muito bom
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